http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=9126&busca=ateuAdital - Brasil - Adital - Quando se fala na Revolução Cubana e a resistência de seu povo ao bloqueio econômico imposto há 44 anos pelos Estados Unidos não se pode deixar de falar da religiosidade. O povo cubano, como afirmou o deputado da Assembléia Nacional de Cuba e pastor da Igreja Batista, Raúl Suárez Ramos, tem uma religiosidade muito grande e "a relação entre as Igrejas e a Revolução passou por diferentes etapas, desde o seu projeto original, quando a população cubana se uniu contra a tirania de Fulgêncio Batista, à euforia revolucionária que se seguiu à vitória dos revolucionários, ao agravamento das relações de Cuba com os Estados Unidos, com a conseqüente aproximação à União Soviética". Essa aproximação primeira com o bloco socialista trouxe consigo o ateísmo científico, contudo, com o passar do tempo e a ação das igrejas evangélicas junto às camadas mais pobres da população, o próprio governo procurou as igrejas para um trabalho conjunto. Atualmente, as igrejas protestantes são fortes aliadas da Revolução. A revolução cubana triunfou em 1959, quando ainda não havia acontecido o Concílio Vaticano II e quase uma década antes da Conferência Latino-americana de Medellín, quando, respectivamente, a Igreja Católica latino-americana iniciou seu processo de renovação e aproximação dos fiéis e fez sua opção preferencial pelos pobres. A Igreja Católica cubana, na época, dedicava-se principalmente às classes média e alta da sociedade. Além de ter uma presença muito débil entre os pobres, o clero católico que atuava em Cuba, em sua maioria, era espanhol, com uma ideologia dogmática e anticomunista.
Na visão predominante, o comunismo ATEU era o inimigo "natural" da igreja. Por sua parte, o comando da Revolução, na dialética dos enfrentamentos iniciais, apesar de que não exerceu uma perseguição propriamente religiosa, tratou a hierarquia eclesiástica como adversários a quem tentava neutralizar politicamente. Devido à época de sua gestação, participa de um certo dogmatismo próprio do marxismo-leninismo que considerava as manifestações religiosas como expressão de atraso, como ópio para a luta de transformação social. Tal atitude repercutiu no Partido Comunista Cubano (PCC) e junto aos militantes, a ponto de proibir o ingresso dos crentes no Partido. De 1959 a 1962, a hierarquia católica defende os setores que perderam o poder; reclama os resultados da reforma urbana e da reforma agrária, apesar de que estas não a afetam diretamente; não aceita a nacionalização da educação, que implica na expropriação de todas as escolas católicas, bem como a saída dos religiosos estrangeiros que atuavam na educação. De 1962 a 1968, vive-se um período difícil, caracterizado pela falta de diálogo; pela redução da ação da Igreja Católica ao espaço dos templos e do culto, ao espaço do privado.
Há desconfiança mútua. A partir de 1969, há sinais positivos nos católicos que, de alguma forma, percebem os ares de Medellín. Nesse período, são elaborados documentos pastorais que implicam um certo reconhecimento de aspectos positivos da revolução. Essa abertura caracteriza-se por uma lenta recuperação do diálogo, protagonizada, principalmente, pelo arcebispo Oves (1970-78). Porém, a partir da queda do muro de Berlim, em 1989, com o colapso do socialismo europeu, a crise e o deterioro econômico já existentes devido ao bloqueio exercido por Estados Unidos se agravaram e, ante a expectativa de mudanças internas, paralisa-se o processo de abertura. Trabalho conjuntoMas, a questão revolução-religião não se reduziu à relação conflituosa com a hierarquia católica, por outro lado se abriu para outras igrejas. Exemplo disso é o Conselho de Igrejas de Cuba (CIC), composto por 23 igrejas membros fundado em 28 de maio de 1941, e que, após a revolução, continuou seu trabalho em Cuba. Rodolfo Juárez, membro do CIC, destaca o trabalho ecumênico e social da entidade: "Constitui-se um meio de discussão, de relacionamento, mediador em muitos casos quando há problemas entre as igrejas. É o único organismo realmente ecumênico que temos em Cuba, onde não fazemos distinção se alguém é pentecostal, se é presbiteriano. Temos, inclusive, boas relações com os católicos. Atuamos no sentido de projetar a igreja fora dos templos". Outro exemplo é o Centro Memorial Martin Luther King (CMLK), uma organização macro-ecumênica que, desde 1971, acompanha solidária e profeticamente o povo cubano e suas igrejas.
O CMLK é dirigido pelo deputado Raúl Suárez Ramos, que diz: "O modelo soviético dava muita ênfase ao ateísmo, de tal maneira que o ateísmo era visto como parte essencial do marxismo. Isso influiu na relação da revolução com as Igrejas em Cuba porque criou uma mentalidade anti-religiosa em algumas pessoas, em alguns funcionários, que viam os cristãos como pessoas débeis ideologicamente; isto é pessoas que, por sua condição de crentes, eram reacionários, eram contra-revolucionários, eram anticientíficos". Porém, ao referir-se a Fidel Castro, Raúl Suárez ressalta: "Fidel estudou em colégios católicos dos cinco anos aos 17 anos, o que significa que ele conhecia o que era o cristianismo, como também conhecia as debilidades da educação religiosa do catolicismo". E continua, "quando se ouve o discurso de Fidel Castro, dá-se conta de que há nele uma ética humanista cristã, uma ética humanista martiana, de José Martí (herói cubano) e uma ética humanista do marxismo, isto é, do pensamento revolucionário de Karl Marx". Para ele, a partir desses pontos, Fidel elaborou sua teoria revolucionária, sempre contextualizada na situação do povo cubano. Nesse contexto, ele cita a contribuição de Ernesto Che Guevara (líder guerrilheiro assassinado em 1967, na Bolívia) ao pensamento marxista: "É um socialismo não-mecanicista, não-dogmático, não-ortodoxo, mas humanista e um marxismo que parte do princípio de que o socialismo só é possível com a transformação radical da consciência". "Esses elementos", prossegue Raúl Suárez, "tornaram possível que muitos de nós começássemos a trabalhar numa compreensão da Revolução. Fidel também trabalhou para que a revolução compreendesse os crentes, as igrejas e a religião. E isso é o que tem funcionado nos últimos anos, porque há uma abertura, um reconhecimento de que a igreja é necessária na construção do projeto socialista. As igrejas cresceram, as igrejas também superaram o anticomunismo da Guerra Fria.
Nós nos sentimos patriotas, nos sentimos cubanos, nos sentimos parte deste povo e, por isso, lutamos lado a lado com os revolucionários, sejam eles crentes ou não-crentes, para que nosso povo seja feliz e possa alcançar o ideário de José Martí de construir um projeto, de construir uma república com todos e para o bem de todos". E, para exemplificar suas afirmações, Raúl Suárez coloca dois exemplos: um no campo pessoal e outro relacionado à ação do CMLK. Ao falar de sua experiência pessoal, diz: "Eu sou pastor e sou deputado…" E explica que, em Cuba, os deputados são eleitos desde o nível de base, desde o bairro, por isso, mesmo sem ser militante do Partido Comunista Cubano, foi proposto como candidato por seus vizinhos. E sobre o trabalho realizado pelo CMLK: "Trabalhamos a partir da reflexão e da formação sócio-teológica, da educação popular, da comunicação, do serviço integral à comunidade e da promoção da solidariedade internacional. Trouxemos a Cuba pessoas como Frei Betto, Dom Pedro Casaldáliga, José Oscar Beozzo, gente identificada com a Teologia da Libertação e que influíram também no pensamento revolucionário cubano com relação à fé cristã. É famoso o livro Fidel e a Religião, escrito por Frei Betto. O CMLK, nos momentos difíceis vividos pela revolução, pelo povo cubano, temos convocado os líderes das igrejas, temos nos reunido, temos discutido a realidade cubana". No campo social, destaca-se também a atuação do Conselho de Igrejas de Cuba (CIC) nos programas de saúde comunitária, de atendimento às vítimas de tragédias, como os furacões; no atendimento aos deficientes visuais e auditivos e às vítimas da Aids. Segundo Rodolfo Juarez, "o Conselho, entre outros programas, desenvolve trabalhos na área de comunicação, com a edição de revistas e materiais de formação bíblica e a canalização do apoio recebido das Igrejas irmãs da Europa aos programas de saúde estatais (instrumental médico especializado, remédios, equipamentos para hospital)". Reação católica Desta forma, historicamente, a Igreja Católica tem se colocado na oposição da Revolução Cubana.
No início do mês, os bispos emitiram uma Carta Pastoral de 14 páginas, intitulada "A presença social da Igreja" em que fazem um chamado à reconciliação na Ilha e pedem a libertação de 75 dissidentes que estão presos sob acusação de conspiração. Mesma reivindicação que é feita pelo governo dos Estados Unidos e os grupos dissidentes de Miami. No documento, os bispos recordam os 10 anos da Carta Pastoral "O amor todo o espera", escrita em 1993, momentos críticos do país, após a queda do bloco soviético. Os bispos lembram que este primeiro documento foi atacado pela imprensa oficial "com toda a classe de tergiversações, também de insultos". Apesar de falar em reconciliação, os bispos criticam fortemente o regime ao dizer que, ao mesmo com algumas reformas econômicas e sociais, houve uma "franca involução na abertura da economia à justa aspiração do povo em pequenos negócios e trabalhos privados" e diz ainda que a "Igreja não pode ser neutra ante á falta de liberdade do homem ou se não acontece a participação política dos cidadãos segundo as opções pessoais de cada um". O documento critica também o escritório para a Atenção de Assuntos Religiosos do Partido Comunista Cubano que "limita a ação evangelizadora", assim como o governo, o qual considera a Igreja Católica como uma "unidade competitiva" promovendo uma "luta sutil" contra a instituição. Diz ainda que a liberdade religiosa implica o reconhecimento do direito da Igreja Católica construir templos, de facilitar a entrada de sacerdotes e religiosas que desejam trabalhar em Cuba, de ter acesso aos meios de comunicação e de ter presença no campo da educação. Depois das críticas, os bispos encerram o documento se declarando dispostos à uma reconciliação, inclusive criando uma pastoral específica "destinada a sanar as feridas históricas que existe no nosso povo".