Todos os seres humanos nasceram de migração da África, dizem cientistas
DNA mitocondrial da população provém de uma única africana
Nicholas Wade
Em Nova York
Estudando o DNA da etnia orang asli, descendentes dos aborígenes originais da Malásia, uma equipe de geneticistas diz ter descoberto muitos aspectos sobre a migração dos humanos modernos da África.
Como o povo orang asli parece ter descendido diretamente dos primeiros emigrantes da África, ele forneceu pistas valiosas sobre aquele evento importante do início da história humana.
Os geneticistas concluem que houve apenas uma migração de humanos modernos para fora da África, que tomou uma rota sul para a Índia, sudeste asiático e Austrália e que consistia de um único bando de caçadores-coletores, provavelmente de algumas centenas de pessoas.
Esses eventos ocorreram durante a última Era Glacial, quando a Europa era fria demais para os seres humanos. Portanto, acredita-se que só veio a ser habitada mais tarde, não diretamente da África, mas por um ramo da migração sulina. O povo desse ramo presumivelmente teria voltado pelo que hoje são a Índia e o Irã para chegar ao Oriente Próximo e Europa.
Esses estudos são feitos com base na análise do DNA mitocondrial, um tipo de material genético herdado apenas da linha materna. Eles foram divulgados na revista "Science" por uma equipe de geneticistas liderada pelo Dr. Vincent Macaulay, da Universidade de Glasgow.
Todos no mundo podem ser colocados em uma única árvore genealógica, em termos de seu DNA mitocondrial, porque todos herdaram esse DNA de uma única fêmea, a Eva mitocondrial, que viveu há cerca de 200.000 anos.
Havia, é claro, muitas outras mulheres naquela população antiga, mas durante as gerações um DNA mitocondrial substituiu todos os outros pelo processo chamado deriva genética.
Com a ajuda de mutações que se acumulam na cópia sobrevivente, os geneticistas podem categorizar as pessoas em linhagens e estimar o momento da origem de cada linhagem.
Com essa abordagem, a equipe de Macaulay calcula que a emigração da África ocorreu em torno de 65.000 anos atrás, passou pelas costas da Índia e sudeste asiático e chegou à Austrália há 50.000 anos, data do mais antigo sítio arqueológico do país.
A etnia orang asli --que significa "homens originais" em malaio- provavelmente descende dessa primeira migração, pois tem várias linhagens mitocondriais antigas que não são encontradas em outros lugares, de 42.000 a 63.000 anos atrás, segundo os geneticistas.
Subgrupos dos orang asli, como os semang, provavelmente conseguiram permanecer intactos porque estão adaptados à dura existência nas florestas, disse Dr. Stephen Oppenheimer, membro da equipe de geneticistas que coletou amostras de sangue na Malásia.
Alguns arqueólogos acreditam que a Europa foi colonizada por uma segunda migração da África para o norte. Essa teoria combina com a idade estimada dos mais antigos sítios de humanos modernos conhecidos, que têm 45.000 anos no Levante e 40.000 na Europa.
Mas a equipe de Macaulay disse que só poderia ter havido uma migração, e não duas, porque as linhagens mitocondriais de todos fora da África convergem ao mesmo tempo para os mesmos ancestrais comuns. Portanto eles acreditam que algumas pessoas da migração sul, provavelmente na Índia, entraram para o continente para chegar ao Levante e depois à Europa, dizem os geneticistas.
Macaulay disse que não está claro por que apenas um grupo teve sucesso em deixar a África. Uma possibilidade seria que os primeiros emigrantes impediram os outros de sair, com uma expansão populacional contínua que ocupava os territórios.
Outra teoria seria que a dificuldade da região para caçadores-coletores, que precisam carregar todos seus pertences, fez com que apenas um grupo tivesse sucesso no êxodo.
Apesar de haver um consenso de que os humanos modernos emigraram da África, ainda há uma diferença entre os geneticistas e arqueólogos quanto à época desse evento. Os arqueólogos vêem os dados genéticos como informações valiosas sobre o relacionamento entre os grupos de pessoas, mas têm menos confiança nas datas derivadas das árvores genealógicas genéticas.
Não há evidências de humanos modernos fora da África anterior a 50.000 anos atrás, disse o Dr. Richard Klein, arqueólogo da Universidade de Stanford. Se alguma coisa aconteceu há 65.000 anos que permitiu que as pessoas deixassem a África, como sugere a equipe de Macaulay, deveria haver algum sinal desse evento em registros arqueológicos dentro da África, disse Klein.
No entanto, os sinais de comportamento humano moderno não aparecem no continente até o período entre o paleolítico médio e o superior, há 50.000 anos.
"Se eles querem vender essa idéia, que me apresentem um sítio com evidências de ocupação humana fora da África de 65.000 anos", disse ele.
Os geneticistas respondem que muitos dos sítios na costa, ocupados pelos primeiros emigrantes, atualmente estariam submersos, já que o nível do mar subiu mais de 60 metros desde a Era Glacial. Mas Klein questiona o argumento, dizendo que as pessoas não esperam o mar aumentar de nível e inundar seu território para mudar-se para o interior.
Macaulay diz que as datações genéticas melhoraram nos últimos anos pois agora é possível decodificar todo o anel de DNA mitocondrial, não apenas um pequeno segmento, como antes. Mas ele concorda que "as datações arqueológicas são muito mais firmes que as genéticas" e que é possível que sua data de 65.000 anos para o êxodo africano seja antiga demais.
A equipe de Macaulay estimou o tamanho da população na África da qual os fundadores descenderam. O cálculo indica um máximo de 550 mulheres, mas o número de fato pode ter sido consideravelmente menor. Isso indica que um grupo único de caçadores-coletores, talvez de duas centenas de pessoas, teria dado origem a todos os humanos fora da África, segundo Macaulay.
Tradução: Deborah Weinberg
fonte:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2005/05/13/ult574u5422.jhtm