Quanto ao paralelo que você menciona, eu o entendi, só não acho uma boa analogia. Evolução fenotípica é ordens de magnitude mais complexa do que evolução molecular. Tanto é que conseguimos modelar muito bem a evolução molecular, mas os modelos de evolução fenotípica ainda são pífios.
Estamos falando de evolução, independente de ser evolução fenotípica ou molecular. Estamos falando de especiação, mais propriamente.
Já comentei por aqui, mas parece que foi esquecido, então retomo: tomemos o exemplo de um peixe, a traíra, amplamente distribuída pela América do Sul, em especial a espécie nominal
Hoplias malabaricus. Embora com uma pequena plasticidade fenotípica, pesquisadores da área de taxonomia e sistemática não puderam ainda detectar limites interespecíficos dentro deste grupo, de modo que continua sendo uma espécie apenas, supracitada. Exemplares coletados nas mais diversas bacias hidrográficas do Brasil apresentam a mesma morfologia. Entretanto, análises cromossômicas identificaram pelo menos 7 diferentes citótipos (um citótipo é um conjunto de características cromossômicas baseadas no número cromossômico, tipos cromossômicos e padrões de marcadores cromossômicos como localização de heterocromatina constitutiva e localização de genes), tão diferentes que não poderiam ser considerados a mesma espécie pelo conceito biológico - indivíduos que tem 40 cromossomos não podem cruzar com indivíduos com 42 (nunca se encontrou formas híbridas, embora isso não fosse um empecilho à teoria) e quando se verifica que dentre os citótipos alguns apresentam sistemas cromossômicos sexuais e outros não, a dificuldade aumenta ainda mais. Além disso, há verificação da ocorrência de até 3 diferentes citótipos no mesmo local, sem aparentes híbridos, o que indica que é inquestionável a existência de mais de uma espécie.
Este é apenas um exemplo, mas existem inúmeros que mostram que o limite entre diferentes espécies não é apenas morfológico e não pode assim ser tratado. O exemplo é de um grupo que vive atualmente, mas é perfeitamente transponível para duas formas separadas por milhares de anos. É óbvio que este é o único aspecto que a paleontologia pode observar (ou um dos poucos) e que os paleontólogos tenham a tendência de hipervalorizar este aspecto. No entanto, ele é falho. Não é útil para uma grande parte da evolução que acontece. Dizer que há uma estase apenas por não observar outros aspectos é usar viseira, no mínimo. Mais uma vez, é possível dizer que em alguns casos (ignorando-se as falhas no registro fóssil) pode-se verificar uma estase morfológica parcial entre alguns grupos. Mais do que isso é exagero, é extrapolação de algo que está longe de ser regra e não reflete toda mudança ao longo das gerações que aconteceram e que não estão visíveis aos olhos dos sistematas.
Ora, evolução não é mudança ao longo das gerações?
Referências sobre o exemplo:
Bertollo, LAC; Born, G; Dergam, JA; Fenocchio, AS and Moreira-Filho, O (2000). A biodiversity approach in the neotropical Erythrinidae fish, Hoplias malabaricus. Karyotypic survey, geographic distribution of cytotypes and cytotaxonomic considerations. Chromosome Research 8: 603-613.
Pazza, R; Julio Jr, HF (2003). Occurrence of three sympatric cytotypes of Hoplias malabaricus (pisces, erythrinidae) in the Upper Paraná River foodplain (Brazil). Cytologia 68: 159-163.