"If there were no God, there would be no atheists." – G. K. Chesterton, Where All Roads Lead, 1922.
Começo este artigo com uma oportuna citação do escritor inglês G. K. Chesterton, que em 1922 entrou no seio da Igreja Católica (ELENA, 2002). Nesse mesmo ano, o autor, que costumava desde o início do século XX debater com ateus declarados como G. B. Shaw e H. G. Wells, definiu em um ensaio o ateísmo como sendo um exemplo supremo de uma fé simples, sustentada no desafio da necessária idéia de Deus, isto é, em uma atmosfera de teísmo. Com a profundidade que sempre lhe foi característica, Chesterton constatou que, se não houvesse Deus, não haveria ateus (CHESTERTON, 1990).
Aproximadamente uma década mais tarde, Chesterton intuiu sabiamente que a destruição da própria idéia de Deus é um passo necessário para o estabelecimento e a consolidação de sistemas totalitários de governo. Em seu livro de 1932, intitulado Christendom in Dublin, ele afirma que, “abolido Deus, o governo torna-se o Deus” (CHESTERTON, 1932).
Devemos atentar para o fato de que mesmo os regimes totalitários que procuraram a legitimação de sua autoridade na religião o fizeram através da materialização do fenômeno religioso para a justificação de fins políticos, eliminando dessa maneira o caráter de a-temporalidade, presente em toda experiência do Absoluto e em toda expressão de uma relação mediada pelo sagrado como transcendência que supera a condição humana (MESLIN, 1992).
Dessa maneira, interpretar elementos do Cristianismo como mecanismos de repressão mais perversos do que os instrumentos político-ideológicos ou mesmo do que a força bruta utilizada por regimes como o Nazismo e o Comunismo é lançar mão de um reducionismo simplista, de teor materialista dialético, que tem a triste conseqüência de fazer uma discreta (inocente ou não) apologia dos sistemas totalitários de governo, mesmo que essa apologia apareça transvestida de crítica e sob uma aura de neutralidade (CRISTALDO, 2005c).
Nem todo ateísmo é necessariamente marxista, mas todo o marxismo é necessariamente ateu. Há várias razões que podem levar uma pessoa a abraçar o ateísmo, variando desde a acomodação secular que inibe o exercício do pensamento até o mais profundo desespero interior que leva à negação de Deus por considerá-lo culpado de omissão diante das desgraças que ocorrem em nossas vidas. A opção pessoal pelo ateísmo, enquanto opção pessoal, não impede que o indivíduo seja honesto em suas colocações e reto em suas ações. Esse ateísmo naïf, que não ultrapassa a esfera do indivíduo, também não leva a grandes conseqüências para as sociedades e é uma expressão perfeitamente válida da liberdade individual.
Os problemas começam quando o ateu se torna fundamentalista, pois nesse momento ele passa a ser um títere, um instrumento que serve perfeitamente aos propósitos dos defensores das ideologias totalitárias. De considerar inocentemente a religião como um fenômeno meramente antropológico, como uma simples criação da consciência humana, a interpretá-la como instrumento de dominação de classes, há um passo muito curto que é habilmente explorado pelos manipuladores esquerdistas. Segundo o padre Leonel Franca, S.J., a tradução do materialismo dialético de Marx em realidade social coloca a irreligiosidade como ideal de uma nova civilização e o combate à divindade é condição preliminar para a concretização desse propósito (FRANCA, [s.d.]).
Em artigo no jornal O Globo, o jornalista Ali Kamel explica a origem do termo fundamentalista como apego à literalidade dos textos sagrados e indica que, no caso do fundamentalismo islâmico, a característica não é precisamente essa literalidade, mas o caráter interpretativo radical do Alcorão (KAMEL, 2005). Tais interpretações incitam à militância islâmica contra o Ocidente, como temos testemunhado ao longo das últimas décadas e com mais intensidade depois dos atentados que ocorreram em New York no dia 11 de setembro de 2001.
Sob semelhante dimensão de militância, o ateísmo em sua vertente fundamentalista compartilha com o fundamentalismo islâmico da necessidade de destruir as bases da tradição moral judaico-cristã, através da desinformação e da caricaturização principalmente do Judaísmo e do Cristianismo. O comprometimento do ateu fundamentalista não é com a verdade ou com a razão, mas com o objetivo de um profunda e radical engenharia social e humana que, ao buscar a implantação de uma crença limitada unicamente ao potencial humano com a conseqüente eliminação de toda idéia de Deus (STEINEM, 1973), serve aos propósitos marxistas da caracterização da religião como instrumento de alienação utilizado pelas classes dominantes para que os dominados não se dêem conta da sua situação de miserabilidade.
Assim como o marxismo soviético soube tirar proveito do fundamentalismo islâmico, chegando inclusive ao ponto de apoiar financeira e logisticamente grupos terroristas no Oriente Médio durante o período da Guerra Fria, a esquerda contemporânea aproveita-se do fundamentalismo ateísta para o objetivo de eliminar todo e qualquer marco de referência moral, promovendo dessa maneira o fortalecimento do modo de pensar relativista. Ao deslocar a fonte de todo juízo moral de Deus para a razão humana, permite-se que as pessoas decidam o que é certo e o que é errado de acordo com suas conveniências e interesses, muitas vezes contraditórios. O vazio que resulta das contradições internas que surgem desse processo de humanização de valores é preenchido pelo discurso emocionalmente apelativo que os articuladores esquerdistas despejam sobre as massas através dos meios informativos e acadêmicos.
Podemos encontrar mais elementos comuns às correntes marxistas contemporâneas e ao ateísmo fundamentalista. A desinformação, que foi utilizada sistematicamente como instrumento significativo da política externa soviética (SHULTZ, GODSON, 1987) e que é utilizada ainda hoje como mecanismo para o direcionamento sistemático da opinião pública através da distorção, da difamação e da falsificação (TELLEZ, 2004), serve também ao fundamentalista ateu como instrumento essencial de sua estratégia.
Um exemplo claro da utilização metódica da desinformação pode ser encontrada no debate entre os articulistas Janer Cristaldo e Marcelo Moura Coelho, no Mídia Sem Máscara (COELHO, 2005a, 2005b, 2005c; CRISTALDO, 2005a, 2005b, 2005c). Ao ignorar propositalmente a diferença que existe entre defender a Inquisição e defender o esclarecimento das mentiras que a historiografia de viés marxista tem propalado sobre a Inquisição ao longo de várias décadas, Cristaldo contribui, de maneira consciente ou não, para a divulgação de mitos que são muito caros à causa dos simpatizantes dos regimes de esquerda.
Outro exemplo de desinformação pode ser encontrado no artigo intitulado Nem os Santos Condenaram (CRISTALDO, 2005b), onde o autor estabelece um paralelismo entre a prática da tortura no governo militar de Augusto Pinochet no Chile e na ditadura de Fidel Castro em Cuba. Referindo-se à tortura, o autor afirma que “esse procedimento ainda é praticamente o mesmo utilizado em inquéritos policiais no mundo ocidental. Foi fartamente utilizado no Brasil, na Argentina, no Chile e até hoje é utilizado em Cuba” (CRISTALDO, 2005b).
Mesmo que a diferença numérica de assassinatos (3.197 execuções realizadas pela polícia política chilena durante o período militar contra de 15 a 17 mil prisioneiros políticos fuzilados ao longo do regime castrista) não possa ser utilizada como critério moral (REVEL, 2001), o mesmo aplicando-se para a prática da tortura nos dois regimes, resguardadas as devidas proporções, o estabelecimento de um paralelismo entre os governos de Augusto Pinochet e de Fidel Castro serve para reforçar a imagem de Salvador Allende como um mártir socialista, deixando de lado todo o contexto da evolução da violência política no Chile, que foi alimentada pelo Partido Socialista e pelos grupos de extrema-esquerda que operavam no país andino pelo menos desde o início da década de 1960 e que utilizaram os assassinatos, o terrorismo e a própria tortura como mecanismos necessários da ação revolucionária na direção da implantação do modelo socialista (ARANCIBIA, 2001).
Querendo ir mais longe do que o materialismo de Feuerbach, que substituiu a noção abstrata de Idéia pela de Humanidade ao dissolver o Cristianismo em puro antropomorfismo e que propôs o ateísmo como necessário para a libertação das classes oprimidas (FEUERBACH, 1988), Karl Marx procurou orientar a filosofia para a práxis, transpondo a dialética hegeliana para o plano das necessidades materiais a partir do homem concreto e da interpretação da história e da política em função da luta de classes. Marx interpreta Deus como uma projeção do homem e a religião como elemento de alienação, que atua como um eficiente calmante contra a tensão entre as classes e como força conservadora, pois “hipnotiza os homens com falsa superação da miséria e assim destrói sua força de revolta” (ZILLES, 2002).
Observando que “a negação de Deus entranha-se organicamente na doutrina de Marx, articulando-lhe toda estratégia lógica e inspirando-lhe todo o dinamismo revolucionário” (FRANCA, [s.d.]) e que a emancipação do homem “está condicionada pelo eclipse total e definitivo da idéia de Deus na consciência da humanidade” (FRANCA, [s.d.]), o padre Leonel Franca, S.J. constata, em seu tempo, que o marxismo é um ateísmo militante. Em nosso tempo, podemos concluir que o fundamentalismo ateísta se insere no mundo contemporâneo como elemento corrosivo essencial para a consolidação do relativismo leviano, principal sustento da ideologia hegemônica.
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