Texto extraído do site da
Carta na Escola, da revista
Carta Capital. Fala sobre a vida de Charles Darwin, a sua teoria da evolução e... Bem, leiam...
O futuro a Darwin pertence
A breve e lapidar biografia do formulador da Teoria da Evolução nos leva a entender por que estamos à beira de um colapso coletivo
Intelectual que revolucionou a ciência no século XIX, Charles Darwin (1809-1882) não teve a clássica “vida de cientista”, como demonstra a breve e lapidar biografia Charles Darwin: A Revolução da Evolução, de Rebecca Stefoff. Inicialmente sem vocação definida, não suportou os horrores de um curso de medicina com técnicas primitivas e acabou estudando para clérigo no Christ’s College, em Cambridge, por pressão do pai e por oportunismo (queria tempo livre para as pesquisas, ainda incipientes) – logo ele que seria o descobridor das origens biológicas de um homem agora visto não mais como filho de Deus e sim como lenta construção da natureza, a partir das necessidades de adaptabilidade ao meio.
Não precisou trabalhar como clérigo, a chance de sua vida apareceu logo no início da carreira: acompanhar o capitão Robert FitzRoy a uma viagem pelo mundo no navio Beagle. O interesse pelo estudo dos fenômenos naturais o credenciava para isso, mas também o fato de pertencer à aristocracia, podendo assim entreter o capitão, já que a esse era vedado o contato com a tripulação. A tese que Darwin iria levantar a partir dessa viagem acabaria referendando a soberania social da qual ele fazia parte. Mas isso seriam desdobramentos posteriores.
Darwin ainda nega com sua vida a idéia de que o estudioso da natureza é sempre um viajante incorrigível. Fez apenas essa longa viagem. Embora sejam as Ilhas Galápagos que lhe deram a maior prova da influência do meio (os mesmos animais isolados em ilhas diferentes tinham formações distintas), ele esteve na Bahia e no Rio em 1832, deliciado por nossa floresta tropical, coletando nela, em clima de êxtase erótico, espécimes novos para a ciência.
O naturalista não apenas anotava tudo, mas montava coleções que enviava à Inglaterra. Foram anos de avidez pela variedade natural, quando formou uma verdadeira poupança que lhe seria útil pelo resto da vida. De volta, se recolheu a uma propriedade agrícola e, graças à herança paterna, prosseguiu estudando as variações, conversando com criadores de pombos que faziam experimentos de melhoria genética e escrevendo livros sem nenhuma pressa.
Não se tornou um divulgador de primeira hora do evolucionismo, mas um paciente sistematizador das idéias do período a partir de atentas correlações. Talvez por ser um tímido, por não querer escandalizar, por conta de sua posição social e para preservar as posições religiosas de sua mulher, ele retardou ao máximo a teoria do evolucionismo.
Mais do que um cientista, foi um colecionador e observador, que soube contar uma história implícita, mas irrefutável. Suas duas principais idéias eram, segundo Rebecca Stefoff: “As espécies evoluem e se adaptam às circunstâncias que encontram (e) a seleção natural, que favorece organismos mais bem equipados para sobreviver e se reproduzir, é o principal mecanismo pelo qual as novas espécies lentamente se formam” (pág. 83).
Ele acabou incluindo o homem na escala animal. E se de suas descobertas fez-se um uso social, para provar a supremacia das raças ou classes mais fortes, ele não defendeu esse ponto de vista, restringindo-se a demonstrar os principais mecanismos de evolução e comprovando que, de tempos em tempos, algumas delas são extintas pela incapacidade de se adaptar a um meio que se torna hostil.
Num momento em que o homem se vê ameaçado pela natureza, ler Darwin é uma oportunidade de perceber que estamos à beira de um colapso coletivo. Ao nos humanizarmos, renunciamos ao princípio animal de sobrevivência dos exemplares mais bem equipados. A melancolia do fim da vida não pode ser entendida só como produto do sofrimento biográfico, como afirma Rebecca. Talvez seja decorrente da constatação silenciada de que o homem, ao se afastar dos ancestrais pelo intelecto e pela sensibilidade, determinou o próprio fim.
Darwin explica o mal-estar dos dias de hoje, quando estamos postos entre um capitalismo predador e a compaixão pelos membros mais frágeis não só de nossa espécie.
http://www.cartanaescola.com.br/edicoes/2007/17/o-futuro-a-darwin-pertence