Para conseguir extrair um mínimo suporte bíblico para tal hipótese as interpretações deverão ser infinitamente mais "enroladas".
O deus Rá, que é associado ao sol, viajava em duas barcas. Em uma delas cruzava os céus durante o dia e na outra descia ao submundo onde travava uma batalha contra a serpente do caos. Sempre vitorioso, Rá emergia pela manhã para mais uma viagem pelos céus.
O mito descreve como algumas culturas da Idade do Bronze concebiam a Terra e o sol. Plana, a Terra era circundada todos os dias pelo sol que fazia cair a noite quando em seu trajeto passava por debaixo do plano terrestre. Havia um temor subjacente a esta crença de que um dia, por algum motivo, o sol não emergisse do outro lado condenando a face da Terra a uma eterna escuridão. O mito da barca solar provavelmente se origina da necessidade dos antigos de lidarem com esta perplexidade e temor primevo que assombrou a imaginação dos homens desde sempre.
Embora não exista um mito semelhante na torah é certo que os hebreus, assim como outros povos da região, adotavam esse mesmo modelo para descrever a forma da Terra e os movimentos dos astros.
Está implícito em inúmeras passagens da bíblia:
Os teus príncipes são como os gafanhotos, e os teus capitàes como os gafanhotos grandes, que se acampam nas sebes nos dias de frio;
em subindo o sol voam, de sorte que não se sabe mais o lugar onde estão.
Naum 3:17
Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.
Eclesiastes 1:5
Como eu estou praticamente convencido de que o terraplanismo é um projeto a serviço do fundamentalismo cristão, os mesmos que investem na pataquada do criacionismo "científico" e na pataquada do DI, que concorrem para um mesmo objetivo, essa questão do suporte bíblico a um modelo de Terra plana é essencial. Por essa razão incluíram até a grotesca cúpula que não ajuda em nada a convencer nem os mais imbecis, mas tá na bíblia.
Poderia-se inventar modelos com detalhes um pouco menos bisonhos, mas o discurso oficial do terraplanismo é a de que a descrição bíblica do universo nos foi ocultada pelo "sistema", pelos "senhores do mundo", os mesmos que propagam uma falsa Ciência, com o objetivo de substitui-la por um modelo de Terra esférica, grão de poeira minúsculo e insignificante flutuando por obra de uma mágica gravidade na imensidão vazia de um desolado universo, pois esse modelo ajuda a introjetar nos seres humanos uma concepção materialista do mundo, sem propósito e sem Deus. Falsa, é claro. Assim como é mentiroso todo este "cientificismo" da sociedade moderna.
No fundo, no essencial, são ideias muito alinhadas com o discurso subjacente do Projeto Inteligente e do criacionismo.
Mas há um problema que seria embaraçoso se os terraplanilsons fossem capazes de perceber: os antigos viviam em um mundo geograficamente mais limitado, não precisavam incluir no modelo fusos horários. Mas quando, no séc. 19, Robowtham tentou emplacar seu terraplanismo zetético, todos sabiam que quando era dia em NY era noite em Tóquio. Portanto nem o mais palerma dos imbecis iria concordar com a bíblia porque para os hebreus durante a noite o sol estaria deslizando por debaixo da Terra. Durante a noite, para os autores bíblicos, deve ser noite em TODA a Terra!
Aí esse vigarista vitoriano inventou um sol flutuante, coisa que jamais teria sido concebida pelos inteligentes egípcios. Porque não precisa ser um gênio em geometria para entender que o sol flutuante nunca vai "afundar" no horizonte ao poente. Nem nascer pela manhã.
Moral da história: o terraplanismo é tão herético e falso quanto a satânica Terra redonda.