Em que pese a liberdade de cada um e o direito que cada um tem de se entorpecer, de se divertir, de brincar com a química do próprio corpo em prol de um estado físico-mental determinado, e ainda a questão de que o cigarro acaba deixando de ser com o tempo um mero produto consumível para se obter determinado estado mental para se tornar uma dependência, eu não entendo a revolta dos fumantes com relação a determinadas restrições ao tabagismo.
"Os incomodados que se mudem" é algo que vale mais para quem quer invadir uma esfera de direitos do que para quem está pleiteando o respeito à sua própria esfera.
Quem aqui fuma e defende que o cigarro não faça mal para a saúde do fumante e para a alheia? Partindo do pressuposto baseado não só no óbvio, como também nas evidências científicas amplamente aceitas há pelo menos duas décadas, vou assumir que ninguém num Clube Cético dirá que cigarro não faz mal à saúde (deixo a questão aberta a refutações, naturalmente).
Faz mal para ti, que fumas, e faz mal para mim que não fumo, mas estou perto de ti por alguma razão.
Eu, pessoalmente, não reclamo de quem esteja ao meu lado a fumar porque sei que o ato de fumar está ligado a prazer, e interromper alguém em um ato de prazer gera agressividade, é como tomar a comida de um cachorro, ou como quando faço sexo e o telefone toca, ou quando derrubo chocolate enquanto estou a comê-lo.
Ninguém odeia fumante, ninguém quer matar fumante. É que o mesmo ato empata-foda que faz fumante sair mandando tomar no cu quando alguém reclama do cigarro ocorre quando alguém acende um cigarro perto de não-fumantes. O "fica na sua" que quem fuma diz a quem reclama, é o mesmo "fica na sua" que quem não fuma quer dizer a quem acende cigarro em locais não convenientes.
É falta de respeito acender um cigarro na presença de outra pessoa quando se sabe que este ato causa mal a terceiros, POR MAIS ESCLARECIDOS QUE SEJAM, por mais que a outra pessoa aja como se não a incomodasse, porque é PRESSUPOSTO que causa mal.
Cigarro é um acessório que se acende quando SE QUER (por mais viciada/involuntária que seja a vontade). Fumar um cigarro é, mal comparando, como ir ao banheiro. Leva um, dois, cinco, dez minutos que sejam, mas não é como carregar uma chaminé por aí. Quer fumar? Vá lá fora, fume, volte.
Ser fumante não é um estado permantente de modo que se possa dizer que se é discriminado pelo ser. Se há discriminação, há pelo estar-fumando, não pelo ser-fumante. Não se entra no estabelecimento com um cigarro aceso, assim como não se entra com o sapato com fezes de cachorro, assim como não se entra sem camisa, assim como não se entra usando apenas cuecas...
Campanhas anti-tabagistas SÃO OBJETIVAS, CONTRA O CIGARRO, NÃO CONTRA OS FUMANTES.
Em certos lugares não se entra com cerveja ou bebidas alcoólicas e isso não tem nada de humilhação/discriminação contra quem bebe. Nunca vi nenhum manifesto de revolta contra a proibição de álcool em estádios de futebol com base no cerceamento de liberdades individuais.
Não vejo nada atentatório contra liberdades idividuais em se restringir o acesso de PESSOAS-PORTANDO-CIGARROS-ACESOS A LOCAIS DE ACESSO PÚBLICO.
Deu vontade de mijar? Vá ao banheiro. Deu vontade de fumar? Vá lá fora.