A viajem na maionese é boa, mas podemos apresentar algumas objeções, a maioria já posta.
1- navalha de Occam.
Pelo princípio da parcimônia, se dois modelos descrevem igualmente bem os dados empíricos, devemos considerar como mais confiável aquele que tiver o menor número de princípios não demonstráveis. Assumir que vivivemos em uma realidade virtual perfeitamente implementada não gera nenhuma previsão verificável a mais do que assumirmos que vivemos na realidade real (medo! realidade real!), e necessita de pressupostos a mais, a saber:
a) um universo real diverso do nosso
b) um suporte para a simulação do universo
c) uma entidade que realize a simulação.
Eu acho que é novamente um uso de navalha de occam por simplificação conveniente para uma espécie de tranqüilidade interior, para rejeitar essa possibilidade estranhíssima do que algo que realmente seja válido, ou para praticidade, mais do que ter alguma validade "epistemológica absoluta". Teria uma validade "epistemológica pragmática", de qualquer forma, o que na prática, é "validade epistemológica", hehe.
Você poderia muito bem ficar pensando bastante nessa questão de realidade simulada, ir dormir, sonhar com isso e fazer o mesmo argumento, no sonho, numa simulação mental que te parece perfeitamente convincente e que satisfaz todas essas condições que você levantou como objeções.
2- diferença qualitativa entre as realidades simuladas conhecidas e nossa realidade.
Há uma diferença qualitativa entre as simulações de realidade e a nossa realidade: a existência de uma grande quantidade de seres conscientes que atribuem realidade a nossa realidade. Por isto, para supor que nosso realidade seja simulada, é necessário supor que tal simulação seja boa o suficiente para enganar a todos, suposição desnecessária nas simulações conhecidas.
Novamente, acho que pressupõe meio veladamente que a nossa realidade é a realidade mesmo, ao traçar esse tipo de diferença, quando é bastante razoável que subsimulações que inventássemos não fossem tão boas, não tivessem exatamente as mesmas características que a simulação na qual ela está inclusa; se os entes simulados tivessem percepção subjetiva, talvez argumentassem a mesma coisa.
Ao mesmo tempo, os sonhos novamente fornecem um exemplo de simulação que nos é bastante convincente, durante boa parte do período em que estamos sonhando; não nos damos conta dessa diferença qualitativa entre o sonho e a realidade quando estamos na simulação, apesar de que quando acordados, em retrospecto, os sonhos são muitas vezes imitações ridículas. Poderia ser até que na realidade "real" tivéssemos (ou, aqueles de nós que existissem realmente, hehehe) essa mesma sensação de contraste com relação à nossa realidade, supondo ser uma simulação/sonho.
3- indiferenciação epistemológica de simulação perfeita e realidade.
Para nós, céticos, não existe conhecimento verdadeiro, não temos acesso a verdade. Temos apenas acesso a nossas sensações e pressupomos uma realidade que interaja conosco para gerar estas sensações. A qualidade de nossa suposição acerca do que seja real se mede no quanto nosso modelo de realidade é bom em prever nossas sensações do real.
Epistemologicamente, supor a existência de entidades que, por qualquer motivo, não geram nenhuma interação com nosso mundo sensível, e admitir que tais entidades não existem são coisas absolutamente equivalentes, pois a única forma de obter conhecimento do real é a partir da interação deste com nosso mundo sensível.
Então, epistemologicamente falando, algo que nunca chegaremos a ter interação é algo inexistente. Assim uma simulação perfeita de realidade nada mais é que a própria realidade. Já se a simulação é imperfeita, deixaria evidências de sua virtualidade.
A suposta simulação da realidade não precisa ser assumida como sendo "perfeita", apenas suficientemente ilusória, e então não seria "a própria realidade" num sentido literal.
Acho que isso é mais uma defesa de um "não-simulacionismo pragmático", da idéia de que, para os fins práticos, a consideração da possibilidade de estarmos numa simulação é inútil (eu diria que até nociva), do que uma espécie de "prova" da realidade não ser uma simulação.
Argumentos parecidos sobre a irrelevância de coisas que não interagem poderiam ser usados para negar coisas meio ridículas de serem negadas como, indivíduos com os quais nós nunca interagimos individualmente, defendendo uma teoria da conspiração de que existem só uns poucos milhares de pessoas na realidade; talvez pudéssemos negar coisas como a história da evolução das espécies pelas interações diretas sem a investigação científica postulando um uma intrincada história do passado já ser "suficiente": "estamos aqui, é isso aí, existimos agora e pronto".
Eu sei que tem falhas nas analogias, uma vez que, sei lá, um indivíduo polaco qualquer com o qual nenhum de nós interagiu e possivelmente nunca irá interagir direta ou consideravelmente indiretamente, bem como a história do universo e da evolução podem ser provadas, estão bem mais acessíveis do que uma hipotética realidade real além da nossa; mas o ponto é que
[going woo-woo-wild] essas coisas só podem ser defendidas a partir do ponto em que temos esses instrumentos, o conhecimento científico e etc; antes disso, numa bizarra utilização precoce dessa lógica científica antes dela existir, essas coisas talvez pudessem ser descartadas.
E de forma similar, talvez simplesmente não tivéssemos os instrumentos para "ver" ou capacidade para confabular de forma mais concreta sobre um outro "nível" de realidade que esteja simulando esse; tal como não temos muito como investigar senão filosóficamente a questão da experiência subjetiva, ainda há um "explanatory gap" similar ou aproximadamente igual (talvez menor) do que esse necessário pra a hipótese da realidade ser simulada. A diferença é que todos observamos a experiência subjetiva, apesar de não termos idéia de como ela vem a existir, enquanto que uma realidade "real" não é observada por ninguém. Curiosamente, ela seria até mais facilmente explicável do que a própria experiência subjetiva, poderia ser algo análogo a um sonho ou "matrix", mas ser bem parecida em todos aspectos com esse "tipo" de realidade em que "supomos" estar vivendo.
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