Engraçado, eu NUNCA vejo isso. Alguém propor o aborto em substituição à pílulas ou camisinha. Eu acho que sempre é defendida sua legalização como último recurso mesmo, para se caso outro método falhe ou para não trazer uma criança ao mundo sem ter nenhum preparo ou planejamento, em caso de descuido mesmo.
"Crianças ditas indesejadas" é um tipo de espantalho, beirando a lei de Godwin. A um dado momento qualquer na vida, em que uma mulher não quer ter um filho, qualquer filho que tivesse, seria "indesejado". Não tem nada demais, de nazista, em não querer ter filhos. Métodos contraceptivos também evitam o nascimento de "crianças ditas indesejadas", igualmente.
Não como substituto, mas como complemento. Como vc disse, como ultima opção. Mas ainda acho que caso chegue as vias de fato da mulher engravidar. A criança tem mais é que nascer. Já que a opção do casal foi essa, poderiam usar camisinha (que é barato em farmacia e distribuido de graça pelo governo) ou até mesmo fechar as pernas e fazer outro dia.
Uma coisa é usar método que evite a fecundação feminina, outra é a morte de um ser vivo.
... bem... mais uma vez... uma versão bem resumida da coisa, de como alguns defendem a legalidade/não-imoralidade do aborto...
Uma mulher tem lá o seu óvulo. O óvulo é uma célula viva. O homem tem lá seus espermatozóides, todos vivinhos. Ninguém está nem aí se eles morrerem. Normalíssimo. Até aí há 90-99% de acordo entre "pró-vida" e "pró-escolha".
Já se um espermatozóide entra no óvulo e ocorre recombinação dos ácidos nucléicos, para os "pró-vida", de repente, as duas coisas que não valiam nada são "um ser vivo"; mais que isso, um ser humano pleno, um filho.
Para os "pró-escolha", não se tem esse "ser humano unicelular", mas essencalmente um óvulo fecundado mesmo, uma célula na qual entrou outra, e ocorreu a recombinação do material genético entre as duas. Essa configuação dos ácidos nucléicos não é algo "sagrado", que determina a "vida"/"humanidade" e etc. A morte desse "ser vivo" não é pior do que a morte dos seres vivos que são os espermatozóides ou óvulos isolados.
Se passa mais algum tempo após a fecundação, e vão havendo divisões celulares e desenvolvimento, e as coisas são "valorizadas" pelo que são no presente, não pelo seu potencial de desenvolvimento futuro se deixado prosseguir o curso natural. Ou seja, se há um punhado de células, o que se tem é um punhado de células. Se já há alguma organização, o que se tem é um embrião com esse determinado nível de organização. E essencialmente, se esse nível de organização não tem um cérebro já consideravelmente pronto, considera-se mais ou menos como se fosse um feto anencefálico ou uma pessoa com morte cerebral, cuja morte dos órgãos que estão vivos não tem implicação moral.
Essencialmente, considera-se que o que importa é a "vida humana" no sentido de formação ou atividade cerebral já característicamente humanos, e não apenas "vida", que vale para os gametas e células diversas; nem o critério genético, igualmente válido para outras células sem importância; e nem estágios primários de formação em geral onde o que se tem é difícil até de ser diferenciado de um embrião de outra espécie (como o de um gato) no mesmo estágio.
A "vida" - que nada mais é do que atividade metabólica - nesses estágios não é geralmente considerada algo importante. Por algum motivo, talvez uma mistura de instintos e cultura, a fecundação é vista como algo meio "especial", quase mágico.
Mas quando pensamos no que realmente está lá dessa forma mais objetiva, pensamos em situações como, uma menina que engravidou de qualquer um porque estava bêbada (ou que seja, do namorado firme, por puro descuido, sem estar planejando ter um filho), consideramos que o aborto não é nada demais, que é uma opção que pode ser até a mais responsável diante das circunstâncias. De um lado está se levando à morte algo que pode ser desde células não muito diferentes de um óvulo ou um aglomerado delas, até conjuntos mais ou menos organizados de órgãos e tecidos - mas não ainda uma criança, e do outro, estaria se trazendo uma criança ao mundo para ser criada por pais sem preparo, talvez sem condições financeiras, que não queriam tê-la para começar, e que (não necessariamente) podem continuar não querendo, abandonar ou apenas ir criando de qualquer jeito, apenas porque o aborto não seria a coisa aprovada pela sociedade.
Não dá para falar "gente, sejam precavidos, usem camisinha, concraceptivos e etc. Se não tiver, façam coisas não-engravidantes apenas... tenham responsabilidade", e esperar que as pessoas sejam responsáveis e não ocorram acidentes ou descuidos. As pessoas
vão cometer descuidos. E daí, por culpa desses descuidos, as crianças é vão ter que pagar, tem que ser criadas por pais que não queriam que ela tivesse nascido? Tudo isso para que células, tecidos ou órgãos (sem cérebros humanos funcionais) com ácidos nucléicos em configuração tipicamente humana possam continuar os seus processos metabólicos?
Eu acho muito mais humano, mais digno, esse critério mais restritivo da "humanidade" da vida, do que essa defesa da vida num sentido estritamente biológico/genético da fecundação. Não consigo olhar para um óvulo e fecundado e saber que ele vai continuar vivo e se desenvolvendo, respirar aliviado só por isso, e fechar os olhos para o que acontece depois. Ou simplesmente "torcer para o melhor", ou só culpar os pais por depois abandonarem o filho nas ruas ou maltratarem, e achar que isso é uma opção melhor, que pelo menos essas crianças não "foram assassinadas" quando eram punhados de células. Esse "assassinato" das células, acho igual ao assassinato dos óvulos que é a menstruação. Acho incomensuravelmente mais importante o que acontece depois de um certo grau de desenvolvimento - com crianças, com pessoas - do que esses estágios celulares/histológicos da vida humana.