Economia corre riscos, se da farra fiscal aprovada pelo Senado ao arrepio da lei renascer a CPMFCâmara quer aprovar emenda que aumenta dotação da saúde sem prever a receita, o que trouxe a CPMF à bailaA retomada da discussão no governo e entre deputados do PT sobre a volta da CPMF para financiar o aumento das dotações da saúde é outra evidência, entre tantas sobre a arrecadação de impostos, de que o excesso é mau conselheiro. E a falta de um projeto firme de desenvolvimento, pior ainda. O caixa fiscal do governo nunca foi tão gordo, esse é o fato. O que se tem feito com ele é o problema.
Não se deveria falar em escassez de receita pública quando vai a arrecadação tributária este ano superar o orçamento aprovado pelo Congresso em, no mínimo, R$ 15 bilhões, como já se dá como certo, mas não se descarta que o “excedente” fiscal possa chegar a quase R$ 40 bilhões, caso a receita repita até dezembro o ritmo atingido no primeiro trimestre. É muito dinheiro para se ressuscitar a CPMF e o presidente Lula não parar de lamentar a sua falta.
As projeções otimistas sobre o desempenho da arrecadação não são irrealistas até porque deixam de fora as receitas não fiscais, ou seja, não oriundas de impostos e contribuições. Dinheiro há, mas o governo já o empenhou. Em vez de pensar na saúde, elevou de R$ 3,5 bilhões para R$ 11 bilhões o reajuste de salários do funcionalismo e perdeu receita com subsídios ao trigo e à gasolina e anunciou um fundo fiscal para financiar investimentos privados no exterior.
A arrecadação é um portento tanto mais porque desfalcada da CPMF, cuja receita para 2008 estava estimada em R$ 38 bilhões antes que o Senado a derrubasse. Na verdade, seria muito mais, comparada à trajetória dos demais tributos. Mas nem com ela, contrariamente ao que sustenta o presidente, a dotação da saúde com a regulamentação da Emenda Constitucional de número 29 aprovada no Senado e agora na Câmara estaria assegurada, dada as despesas já contratadas.
Por meio desse dispositivo as verbas da saúde deverão crescer com garantia chumbada à Constituição a cada ano, progressivamente, até 2011, saindo de R$ 8,5 bilhões em 2008 e chegando a R$ 23 bilhões, em dinheiro de hoje, quando passariam a representar 10% da receita tributária bruta. Verba engessada à Constituição, obrigatória, põe canga no governante e desestimula ao gestor a busca de qualidade.
Faça o que fizer, o dinheiro pinga todo mês, com ou sem dengue, só para ilustrar a desídia gerencial da chamada receita vinculada. O governo Lula, por exemplo, só pode dispor do orçamento aprovado a cada ano de 9,6% das receitas, segundo estudo de consultores do Congresso, naco dentro do qual está o Bolsa Família e a provisão de investimentos públicos. A Emenda 29 ameaça tais prioridades.
Um passeio ao acasoAs dificuldades orçamentárias explicam por que o presidente Lula se distanciou da proposta do PT de recriar a CPMF com alíquota de 0,1% em vez da finada taxação de 0,38% - e sabe-se lá quanto mais nos anos seguintes -, mas não os dissuadiu a proporem a medida.
A falta de rumo, constatada pelo choque entre o compromisso oficial de não promover aumento de impostos e o desejo do PT, que diz ter apoio da base aliada, orienta qualquer um a instruir a direção ao governo.
A volta de CPMF, se efetivada, terá repercussões sobre a inflação, como qualquer tributo. E a ratificação da Emenda 29 porá em risco as metas fiscais, dada as incertezas sobre a receita.
Proposta era antigaO encaminhamento desse projeto é exemplar sobre a imprevidência com que as questões públicas com impacto fiscal são tratadas entre o Executivo e o Congresso. Sabia-se que havia forte disposição dos parlamentares em ampliar o orçamento da saúde.
A discussão da Lei Orçamentária de 2008, assim, já deveria ter trazido esta intenção, e aprovada antes do final do ano a Emenda 29, que fora apresentada sete anos atrás pelo senador Tião Viana (PT-AC). Era coisa velha.
Lula foi emparedadoNem o governo, o autor do orçamento, nem o Congresso, que poderia ter incluído a Emenda 29 na lei orçamentária, cuidaram do assunto. E agora querem aprovar às pressas - certamente para colher frutos nas eleições municipais de outubro - o que votaram ao arrepio da lei, que veda a criação de despesa sem a provisão de receita.
O que os senadores fizeram, e esperam arrastar os deputados com eles, dilapida o orçamento e empareda o presidente, pois além da tal emenda feriram de morte a Previdência ao aprovar outras duas medidas que explodem as despesas de um sistema deficitário. A Lula não há saída: ou veta ou enquadra sua base aliada na Câmara.
Mas são mínimas as chances de que faça uma coisa ou outra. Lula é movido pelas pesquisas de popularidade - e mesmo quando apóia, por exemplo, a ortodoxia do Banco Central o faz porque aprendeu que a inflação é devastadora para a estima de qualquer político.
Além disso, para ele, qualidade de serviço público é sinônimo tanto de mais funcionários lotados nas repartições como de dinheiro gasto – uma visão parcial, que revela sua formação sindicalista e a falta de noções básicas sobre gestão, planejamento e produtividade.
É disso que se aproveitam o forte corporativismo do funcionalismo e a sua representação no PT, disfarçada como corrente progressista – e cada vez mais influente desde que a crise do mensalão e outras menores tiraram do partido ou abafaram as lideranças programáticas e com visão de Estado. Dirigistas, decerto, mas não oportunistas e curvadas ao lobby sindical que hoje imprime a direção ao PT.
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