Fenrir, eis um trecho do livro Além do Bem e do Mal, de Nietzsche, que trata deste assunto:
Ainda há ingênuos acostumados à introspecção que acreditam que existem "certezas imediatas", por exemplo, o "eu penso" ou, como era a crença supersticiosa de Schopenhauer, o “eu quero”; como se nesse caso o conhecimento conseguisse apreender seu objeto pura e simplesmente, enquanto "coisa em si" sem alteração por parte do objeto e do sujeito. Afirmo que a "certeza imediata", bem como o "conhecimento absoluto" ou a
"coisa em si" encerram uma contradictio in adjecto; seria pois, esta a ocasião de livrar-se do engano que encerram as palavras. O Vulgo acredita .que o conhecimento consiste em chegar ao fundo das coisas; por outro lado, o filósofo deve dizer-se: "Se analiso o processo expressado na frase ., eu penso", obtenho um conjunto de afirmações arriscadas, difíceis e talvez impossíveis de serem justificadas; por exemplo, que sou eu quem pensa,
que é absolutamente necessário que algo pense, que o pensamento é o resultado da atividade de um ser concebido como causa, que exista um "eu"; enfim, que se estabeleceu de antemão o que se deve entender por pensar e que eu sei o que significa pensar. Pois se eu não tivesse antecipadamente respondido à questão por minha própria razão, como poderia julgar que não se trata de uma "vontade" ou de um "sentir"?
Resumindo o exposto, este "eu penso" implica que comparo meu estado momentâneo com outros estados observados em mim para estabelecer o que é. posto que é preciso recorrer a um "saber de origem diferente", pois, "eu penso" não tem para mim nenhum valor de "certeza imediata". Em lugar dessa segurança em que o vulgo talvez venha a crer, o filósofo por seu lado não retira mais que um punhado de problemas metafísicos, de
verdadeiros casos de consciência intelectuais que podem ser colocados da seguinte forma: De onde retiro minha noção de "pensar"? Por que devo crer na causa e no efeito? Com que direito posso falar de um "eu" e de um "eu" como causa e para cúmulo, causa do pensamento? Aquele que se atrever a responder imediatamente a estas questões metafísicas alegando uma espécie de intuição do conhecimento, como se faz quando se diz:. "eu penso e sei que isto pelo menos é verdade, que é real", com certeza provocará no filósofo de hoje um sorriso e uma dupla interrogação: "Senhor, dirá o filósofo, parece-me incrível que o senhor não se equivoque nunca, mas por que anseia por encontrar a verdade acima de tudo. sem limitação de esforços?"