Autor Tópico: uma duvida sobre evolucionismo  (Lida 4221 vezes)

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Offline João da Ega

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Re:uma duvida sobre evolucionismo
« Resposta #25 Online: 15 de Outubro de 2014, 12:04:44 »

A questão é sobre transmissão de caracteres adquiridos e sei que deve estar há muito datada, ultrapassada, anacrônica...

Mas a experiência com ratos (aparentemente objetiva) me deixou curioso.
O texto a seguir é do (delicioso) livro Casa Grande & Senzala, cuja 1ª Edição é de 1933. A questão se inicia sobre a transmissão da variação da cor da pele, e desemboca no seguinte:
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(...) É onde o problema se entronca em outro - talvez o mais importante que agite a biologia moderna: o da transmissão dos caracteres adquiridos. Ninguém hoje se abandona com a mesma facilidade de há vinte ou trinta anos ao rígido critério weissmanniano da não transmissão dos caracteres adquiridos. Ao contrário: um neolamarkinsmo se levanta nos próprios laboratórios onde se sorriu de Lamark (...). O homem de cultura científica de hoje já não sorri apenas do darwinismo ortodoxo de seus avós. Começa a sorrir também do entusiasmo weissimanniano da geração de seus pais (...). Já não soa tão persuasiva a palavra de Weissmann: os caracteres adquiridos não se transmitem. Os caracteres somatogênicos não se convertem em blastogênicos. São as experiências de Pavlov, na Rússia, e de McDougall, nos Estados Unidos, que vêm enriquecer o neolamarckismo ou, pelo menos, afetar o weismannismo. Em comunicação ao Congresso de Fisiologia reunido em Edimburgo o professor russo versou o problema dos reflexos, isto é, das "respostas automáticas aos estímulos de várias espécies por meio do sistema nervoso". Distinguiu o Professor Pavlov os reflexos condicionados, isto é, adquiridos individualmente, dos não-condicionados. E apresentou o resultado de suas pesquisas sobre os estímulos de vista e cheiro de alimento. Estímulos naturais. Certos movimentos caraterísticos se verificam; vem a saliva; a água na boca. Toda uma série de reflexos não-condicionados. Mas se toda vez que se der alimento ao animal se estabelecer gradualmente uma ligação entre o som de uma campa e o reflexo alimentar, depois da coincidência repetir-se durante suficiente número de vezes, a reação alimentar se verificará em resposta ao som puro e simples. Nas exatas palavras do Professor Pavlov: "Conseguimos obter o reflexo condicionado de alimentação em ratos-brancos por meio do som de uma campa elétrica. Com o primeiro grupo de ratos foi necessário repetir a coincidência do toque da campainha com a alimentação trezentas vezes para conseguir-se um reflexo satisfatório ("well-established reflex"). A segunda geração formou o mesmo reflexo após cem repetições. A terceira adquiriu o reflexo depois de trinta repetições. A quarta, depois de dez. A quinta depois de cinco, somente... Tendo por base esses resultados, antecipo o fato de que uma das próximas gerações dos ratos mostrará a reação alimentar ao ouvir o primeiro toque da campainha elétrica20
Na nota 20 G. Freyre se refere a estudo publicados no British Medical Journal e no The Biological Foundation of society e ainda que:
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Informa ainda que MacDougall vem desde 1920 realizando experiências com ratos brancos e obtendo resultados que parecem, segundo o pesquisador, indicar a validade dos princípios lamarckianos.
"Nunca devemos admitir como causa daquilo que não compreendemos algo que entendemos menos ainda." Marquês de Sade

Offline Buckaroo Banzai

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Re:uma duvida sobre evolucionismo
« Resposta #26 Online: 16 de Outubro de 2014, 03:14:22 »
Uma nota semi-pedante, ou talvez plenamente pedante, e' que "lamarckismo" nao se resume e nem tem como principal elemento a heranca de caracteres adquiridos. O "darwinismo" original tambem adotava essa perspectiva de hereditariedade, nao era "mendeliano". Mas acabaram virando mesmo sinonimos, apesar de ser uma relativa distorcao.


Ha' um bom tempo se sabe que de fato existe heranca extra-genetica, ou, epigenetica, como e' chamada. Talvez possa se dizer, se nao for exatamente a explicacao terminologicamente correta, que e' isso que faz com que um organismo com diferentes tipos de tecidos e celulas tenha tais diferenciacoes, apesar do genoma ser o mesmo em todas as celulas. Os genes vao sendo ativados ou desativados em diferentes graus dependendo da quimica "final" da celula da qual se dividiu, de interacoes com as adjacentes, e com o ambiente. Entao a celula de pele transmite os caracteres adquiridos (de pele), as celulas de figado as caracteristicas de figado, e assim vai.

Mas algo ao mesmo tempo analogo e "homologo" (por ser o mesmo mecanismo, apenas ocorrendo em outro nivel)  ocorre com a reproducao de "individuos inteiros", embora a reproducao individual em macroorganismos seja meio que uma especie de "reset" nisso, ao mesmo tempo. Tanto nos gametas, quanto no utero/coisa do tipo, pode ainda ter alguma quimica, residual ou mais ativamente mantida, que vai tambem influenciar de alguma forma o desenvolvimento de um novo organismo . Isso na maior parte do tempo deve ser algo mais ou menos "acidental", nao adaptativo, e nao resultando necessariamente (talvez nem mais comumente) na heranca de uma "caracteristica adquirida". Mas em alguns casos pode acabar tendo esse efeito. Como hormonios que atuam no cerebro de forma a predispor a algum comportamento, numa dada situacao. Mas mesmo nesses casos o resultado pode nao ser "o mesmo", por se tratarem de estagios difernetes de desenvolvimento e um monte de complexidades diversas. Como "hormonios de estresse" na mae, em vez de fazerem um bebe com tendencia a ser mais estressado, poderia fazer com que tivesse tendencia a depressao, ou fosse mais medroso (exemplos hipoteticos).


Mas ao mesmo tempo tem sempre o problema da qualidade dos experimentos. Enquanto essas coisas doidas acontecem, e' sempre bom nao aceitar resultados como esse (ou resultados em geral) como "fatos" seguros. Nao e' incomum que experimentos de comportamento nao tenham os resultados reproduzidos por diferentes pesquisadores, e que pesquisadores de uma dada ideia tenham uma certa tendencia a enxergar os resultados que a confirmam.

Offline Enio

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Re:uma duvida sobre evolucionismo
« Resposta #27 Online: 16 de Outubro de 2014, 13:47:27 »
Não teria o lamarckismo a ver com epigenética? Acho que a epigenética tenha um papel importante no processo de seleção natural. Isso me parece óbvio. Será que o processo de epigenética é o que levaria à mudança das espécies com o passar do tempo? Não que ocorra de início, mas através de indução de alimento ou condição ambiental após várias gerações.
« Última modificação: 16 de Outubro de 2014, 13:50:36 por Enio »

Offline Buckaroo Banzai

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Re:uma duvida sobre evolucionismo
« Resposta #28 Online: 16 de Outubro de 2014, 16:36:09 »
"Lamarckismo" é praticamente algo que as pessoas podem esquecer que "existe" porque mal significa o que elas pensam que significa, vide posts anteriores. É um pouco talvez como querer ainda falar de que de uma certa forma, a teoria dos quatro elementos ainda está correta.

Mas haverá herança extra-genética, e esta poderá ter sim "algum papel na evolução", embora mais provavelmente seja algo bastante limitado, porque a reprodução individual é quase que por definição um "reset" nos fatores extra-genéticos.

De qualquer forma, em alguns casos poderá sim acontecer coisas um pouco mais extremas, como espécies aparentadas, ou até mesmo que nem se julgasse serem tão aparentadas, serem mais aparentadas do que se imaginava por sempre se desenvolverem sob situação que canaliza o desenvolvimento do fenótipo para algo inesperadamente diferente. Não sei de exemplos reais disso ocorrendo, mas é possível imaginar como "possibilidade" (sem sugerir grande probabillidade) coisas como bonobos de certa forma serem apenas (ou "60%", "20%") chimpanzés comums gestados por bonobos. Em orangutangos, se não me engano, ocorre algo como a presença de um macho dominante acabar adiando ou anulando definitivamente o desenvolvimento desses caracteres de "macho dominante" em outros machos no mesmo ambiente, o que seria uma adaptação para evitar uma competição com chances ruins. Existem alguns outros casos de diversas formas fenotípicas de indivíduos da mesma espécie, algumas delas ao menos que são ativadas ou desativadas por fatores ambientais. Talvez possa acontecer de haver outros gatilhos ambientais que desengatem essa mesma rota de desenvolvimento, e estes serem estáveis em algum ambiente diferente.

Mas isso pode acabar não sendo "toda" a evolução, mas sendo posteriormente reforçado por evolução genética, de forma mais ou menos "ativa", isso é, pode haver vantagem em mutações que "desliguem" uma rota de desenvolvimento alternativa, ou parte dos genes dessa rota de desenvolvimento, sem serem mais filtrados por seleção natural, se degenerarem assim se perder essa rota alternativa. E então haveria também algum aumento nas chances de evolução adaptativa no sentido de interditar definitivamente esse desvio.   





No caso dos ratos e comportamento, outro fator "não-genético" que pode teoricamente afetar seriam feromônios. Acho que em insetos tem outro nome, mas algo parecido com o mecanismo de trilhas de formigas. Assim talvez o comportamento das novas gerações de ratos não fosse "ampliado" (se estiver mesmo sendo) em gaiolas/ambientes diferentes ou que fossem melhor limpos de geração para geração.

 

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