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"Mencionadas repetidas vezes pelos gregos antigos tanto em seus registros históricos oficiais quanto em sua mitologia, as guerreiras Amazonas já eram dotadas de fama na época de Homero, por volta do oitavo século antes de Cristo. Mesmo com todas as marcas que deixaram, há poucas evidências que essas lutadoras formidáveis que inspiraram lendas antigas realmente existiram – o que não significa que não há indício nenhum.
Segundo as lendas, as Amazonas eram guerreiras de grande habilidade que viviam em comunidades exclusivamente femininas, arranjando parceiros uma vez por ano para se procriarem – e os matando após a fecundação. O mito também afirma que essas mulheres combatentes chegavam ao extremo de arrancar um dos próprios seios para se tornarem melhores arqueiras.
Uma das Amazonas mais famosas da antiguidade foi Antíope, que o herói Teseu conquistou e tomou como sua concubina durante uma invasão – o que certamente deu muito certo para o homem. Outros nomes célebres incluem Pentesileia, que se encontrou com Aquiles durante a guerra de Troia, e Myrina, rainha das guerreiras africanas.
Até no Brasil
Desde a antiguidade, o nome das Amazonas vem sendo usado para descrever as mulheres combatentes de forma geral, incluindo um grupo que supostamente viveu no grande rio que dá nome à maior floresta do Brasil. O explorador Francisco de Orellana relatou que seus homens entraram em combate com guerreiras extremamente habilidosas em um afluente do fluxo principal de água, que foi então renomeado como Rio Amazonas.
O nome Amazonas, que batiza o maior Estado do Brasil e um dos maiores rios do mundo, tem sua origem em uma lenda grega que veio parar em terras brasileiras. Quando expedicionários europeus, liderados pelo espanhol Francisco Orellana, chegaram à região que hoje pertence à Amazônia, em 12 de fevereiro de 1542, encontraram um grupo de índias guerreiras. Segundo os relatos, elas lutavam nuas e viviam em tribos isoladas, sem homens. Eram chamadas pelos índios de icamiabas. Por seus costumes, elas lembravam as lendárias amazonas da mitologia grega, que viviam na Ásia Menor, e logo foi feita a associação entre elas.
As icamiabas eram mulheres altas, musculosas, de pele clara, cabelos compridos e negros, como descreveu o frei espanhol Gaspar de Carvajal, que fazia parte da expedição de Orellana. Ele disse tê-las visto às margens do rio Nhamundá, na divisa dos Estados do Pará e do Amazonas. As índias não permitiam a presença de homens na tribo e, para afastá-los, lutavam com arcos e flechas. Diz a lenda que, para se tornarem exímias arqueiras, arrancavam o seio direito. “A versão mais aceita era que elas atavam o seio direito com uma faixa, parecendo assim que não tinham um dos seios”, diz a historiadora e especialista em folclore Rosane Volpatto.
A palavra icamiaba significa “a que não tem seio”, segundo o estudioso João Barbosa Rodrigues. Essa versão encontra respaldo na lenda grega que dizia que as amazonas queimavam o peito das meninas ainda crianças para que não atrapalhasse o lançamento da flecha. “Essa história não tem nada a ver com nossas icamiabas. Sem seio são as amazonas asiáticas, não as brasileiras”, afirma o indigenista João Américo Peret. Para Rosane, “é pouco provável que as índias inutilizassem um seio porque amavam como mulheres, defendiam-se como guerreiras e multiplicavam-se como mães”.
Amuleto da sorte
Embora não tivessem maridos, as icamiabas tinham filhos. Segundo a lenda, uma vez ao ano, em noites de lua cheia, elas realizavam uma cerimônia sagrada para a deusa Yaci, a mãe-lua, no lago Yaci Uarua (Espelho da Lua). Convidavam os índios guacaris, que habitavam os arredores e, nesse dia, tinham relações sexuais com eles sob a bênção da mãe-lua. Após o ritual amoroso, mergulhavam no lago e buscavam no fundo um barro com o qual moldavam um amuleto chamado muiraquitã.
Há várias versões sobre como era feito esse amuleto. Todas, porém, envolvem as icamiabas e o lago Espelho da Lua. Uma das lendas diz que eles eram feitos a partir de uma substância verde pastosa que deveria ser modelada dentro da água do lago. Ao serem colocados em contato com o ar, tornavam-se mais duros que um diamante. Tal barro verde era encontrado também no rio Tapajós, com o qual os índios faziam, debaixo da água, pássaros, rãs e outras figuras. Já os índios uaboí contam que os amuletos eram animais vivos e, para apanhá-los, as índias feriam-se. Ao deixar cair uma gota de sangue sobre o bicho desejado, ele morria e era petrificado.
O amuleto era oferecido pelas amazonas aos homens com os quais haviam mantido relações sexuais ou, segundo outras versões, somente àqueles com quem elas tivessem gerado filhas. Dizem que o amuleto trazia sorte e protegia de doenças. O muiraquitã mais comum tem o formato de sapo e é esverdeado, mas esses amuletos também eram talhados nas formas de peixes, tartarugas e felinos. O amuleto produzido pelas guerreiras amazonas é citado em Macunaíma, um clássico modernista de Mário de Andrade, publicado em 1928. O herói sem caráter passa quase toda a história percorrendo o Brasil à procura de um muiraquitã que perdeu depois de ganhá-lo de sua eterna paixão, uma índia icamiaba.
Segundo contam os índios em sua tradição oral, as filhas das icamiabas, nascidas do encontro anual com os homens de outras tribos, escolhidos dentre os mais vigorosos e belos, eram criadas pelas mães e instruídas no manejo das armas. Quanto aos filhos, eram dados no ano seguinte para que seus pais os criassem. “Aqui entramos novamente num labirinto de miscelâneas entre as amazonas pertencentes às velhas tradições helênicas e as amazonas americanas, pois eram as primeiras que sacrificavam seus filhos homens”, diz a historiadora Rosane.
Icamiabas hoje
O indigenista Peret, que convive com índios há mais de 50 anos, afirma que as mulheres guerreiras existiram e ainda existem na Amazônia. A última notícia que teve delas foi em 1967. Naquela época, ele estava determinado a encontrá-las e, depois de seguir pistas dadas por vários índios, chegou a um missionário alemão na região próxima ao rio Juruena, entre os Estados do Mato Grosso e do Amazonas. “Ele disse que os índios dali eram fregueses das icamiabas”, conta Peret.
“O missionário chamou um deles, que nem falava português, me apresentou e pediu que me contasse sobre as mulheres guerreiras”, lembra o indigenista. “Esse índio foi prisioneiro delas por uma semana. Ele disse que eram cerca de 30, que o alimentavam e, de vez em quando, tinham relação sexual. Durou até que ele não dava mais no couro e as índias o deixaram fugir”, afirma Peret.
Esse índio concordou em levá-lo até as proximidades da aldeia onde teria ficado preso – tinha medo de ser de novo refém. No caminho, passou por sua tribo e o cacique também disse ter sido prisioneiro no ano anterior. Só concordaram em chegar até o local porque viram que as pegadas deixadas pelas icamiabas eram antigas, de mais ou menos um ano. Nas três casas de palha, Peret encontrou arcos, flechas, tacapes (espécie de porrete) e muitos colares. Algumas peças ele doou ao Museu do Índio, outras estão em seu acervo pessoal.
Apesar de nunca ter ficado cara a cara com uma icamiaba, o indigenista já participou de cerimônias indígenas feitas por algumas tribos como forma de relembrar os hábitos das mulheres guerreiras. “Os kayapós têm um ritual chamado mebiök. Uma vez por ano, durante uma semana, as mulheres ocupam a casa sagrada de reunião dos homens. Elas são donas da aldeia nesse período. Provocam os índios, atiram pedras, gritam o nome deles. Os homens ficam em casa, preparam a comida e cuidam dos filhos. É um momento em que as índias querem mostrar que, se os homens não forem leais, fraternos, amigos, se não as respeitarem, vão embora da aldeia, vão voltar a viver sozinhas na floresta como as mulheres guerreiras”, diz Peret.
Outras tribos fazem cerimônias parecidas. Rosane conta sobre as mulheres xinguanas, que celebram o yamarikumã, o ritual das amazonas. “É a rebelião coletiva contra o desprezo e a humilhação de permanecerem como simples espectadoras, assistindo a demonstrações que consideram machistas. Reagindo, as índias fazem o moitará (o comércio de troca intertribal), batem nos maridos, apropriam-se dos seus artesanatos e das flautas sagradas, cantam, dançam, lutam o huka-huka e promovem uma festa tão grande e vigorosa como qualquer outra masculina. Essa é a forma de demonstrarem que a qualquer momento podem repetir o episódio das amazonas guerreiras e viver isoladamente”, diz a historiadora.
Até pouco tempo, tudo parecia indicar que as Amazonas originais haviam sido completamente inventadas pelos gregos patriarcais como uma forma de ressaltar a suposta superioridade natural dos homens. Nos mitos, as lutadoras lutavam e cavalgavam como os guerreiros machões, mas sempre acabavam sendo derrotadas por eles. Dessa forma, as lendas serviam para mostrar como mudar a “ordem natural” de dominação masculina causaria problemas.
Achado histórico
Nos início da década de 1990, os arqueólogos Renate Rolle e Jeanninne Davis-Kimball descobriram evidências que balançaram o que achávamos saber sobre as Amazonas. Durante explorações nas estepes Urais, que cercam o Mar Negro em uma região da Rússia, os estudiosos encontraram os túmulos de mulheres guerreiras que foram enterradas com suas armas – algumas até apresentavam ferimentos de combate.
Uma das covas continha os restos de uma mulher segurando um bebê em seu peito, o que não seria nada incomum se não fossem os danos nos ossos de sua mão, desgastados por puxar cordas de arcos repetidamente, e a presença de suas armas ao seu lado. Alguns dos cadáveres femininos tinham pernas arqueadas de tanto andar a cavalo e elas possuíam uma altura média de 1,68 metro, o que as tornava excepcionalmente altas para a época.
Embora muitas evidências parecessem apontar que o achado se tratava de um legítimo cemitério de Amazonas, apenas 25% dos guerreiros encontrados lá eram do sexo feminino. Por fim, os estudiosos acabaram afirmando que os corpos eram de citas, uma raça de cavaleiros nomeada pelo historiador Heródoto como descendentes da tribo mitológica mulheres lutadoras.
A descoberta finalmente representava evidências arqueológicas da existência de descendentes das Amazonas no mesmo local em que Heródoto havia afirmado que eles viveram. No entanto, a presença de cadáveres de homens e de crianças de ambos os sexos parecia contradizer o que era conhecido sobre o estilo de sociedade das mulheres combatentes.
O elo perdido
Segundo Heródoto, um grupo de Amazonas que havia sido capturado conseguiu se libertar e matar os gregos no navio que o transportava. No entanto, nenhuma delas tinha conhecimentos de navegação e a embarcação acabou embarcando na região em que os citas originais viviam. As guerreiras acabaram se unindo e casando com eles, formando um novo grupo nômade que eventualmente chegou nas estepes e formou uma nova chama, os sármatas.
“As mulheres sármatas desde então continuaram a praticar alguns de seus costumes ancestrais, frequentemente caçando a cavalo com seus maridos. Durante guerras, iam aos campos e usavam as mesmas vestimentas que os homens. Segundos suas leis, nenhuma garota poderia se casar até ter matado um homem em combate”, escreveu o historiador.
Ainda que exista a possibilidade dos relatos de Heródoto não serem completamente precisos, certamente há evidências suficientes da cultura dos sármatas para afirmar que esse grupo tinha uma ordem social bem mais flexível e menos sexista do que era comum em Atenas naquela época. Além disso, o fato de eles possuírem habilidosas mulheres guerreiras também reforça sua possível origem.
Origem das lendas
Muitos historiadores acreditam que as lutadoras desse grupo foram na verdade a inspiração que levou os gregos a criar mitos sobre seus ancestrais, de forma que os contos foram se tornando mais exagerados com o passar do tempo. Dessa forma, a lenda das Amazonas poderia ter se originado de uma simples sociedade em que as mulheres possuíam um papel mais igualitário.
Outra possibilidade é que as lendas inicialmente não tivessem qualquer ligação com os sármatas, mas a busca de Heródoto pela origem das histórias das guerreiras acabou levando-o a criar a conexão. De qualquer forma, as informações atuais nos levam a crer que as Amazonas das lendas nunca existiram de fato, mas que realmente existiram mulheres lutadoras tão poderosas que acabaram dando origem aos mitos.
Fontes:
https://www.megacurioso.com.br/mito-ou-verdade/45470-mulheres-guerreiras-as-mitologicas-amazonas-realmente-existiram.htmhttps://super.abril.com.br/historia/amazonas-lenda-ou-realidade/