Macedo prega que evangélicos tomem o poder
Tatiana Farah
SÃO PAULO. Deus tem um plano político para os fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e para os evangélicos que sejam seus aliados: governar o Brasil, segundo as palavras do bispo Edir Macedo, fundador e chefe da Igreja Universal, no livro “Plano de poder”, lançado a duas semanas das eleições.
A partir de uma leitura política do Antigo Testamento, Macedo incita os evangélicos à mobilização partidária, seguindo o “projeto de nação” que Deus teria sonhado para os hebreus, que ele chama de cristãos. O livro tem co-autoria de Carlos Oliveira, diretorpresidente do jornal “Hoje em Dia”, de Minas Gerais.
“Tudo é uma questão de engajamento, consenso e mobilização dos evangélicos. Nunca, em nenhum tempo da história do evangelho no Brasil, foi tão oportuno como agora chamálos de forma incisiva a participar da política nacional”, escreve Macedo, estimando em 40 milhões a comunidade de evangélicos no país: “A potencialidade numérica dos evangélicos como eleitores pode decidir qualquer pleito eletivo, tanto no Legislativo, quanto no Executivo, em qualquer que seja o escalão, municipal, estadual ou federal”.
Sobrinho de Macedo, Marcelo Crivella disputa a prefeitura do Rio pelo PRB, partido ligado à Igreja Universal.
“Forte apelo emocional”
É para essa comunidade, que Macedo chama de cristãos com exclusividade (ele exclui os cristãocatólicos brasileiros), que Deus teria feito os planos de governo.
No texto — repleto de expressões de linguagem de marketing e administração —, Macedo lança as bases para uma militância evangélica político-partidária.
Diz que no Brasil a comunidade é como um “gigante adormecido”, que se mantém alheia ao processo eleitoral.
Para o cientista político Roberto Romano, Macedo envia uma mensagem aos fiéis para que deixem de lado o pudor de lidar com a política.
— Antes, os protestantes acentuavam a ruptura com o mundo. A política, a idéia de quanto mais abençoado o homem, mais rico ou poderoso ele era, era jogada para o católico ou para o judeu. Os evangélicos estão mudando essa idéia. Agora, Macedo diz: “Vocês já foram conquistados para Jesus, sabem como isso os consola. Mas para que o ‘plano de Deus’ se realize, temos de deixar de ter o pudor de mexer com a política”.
Apesar do texto frio, recheado de expressões filosóficas como “contrato social” e comparações com Thomas Hobbes e Maquiavel, Romano aponta a paixão na retórica.
— Há um forte apelo emocional escondido nessa carapaça de raciocínio do livro, dizendo que as armas maquiavélicas da política devem ser usadas santamente a serviço de Deus. A estrutura do pensamento é sempre esta, Deus propõe um contrato com o povo: “Se me reconhecerem, eu os cumularei de bênçãos”.
Assim, Deus é que tem de receber o poder de volta. O programa político de Edir Macedo está posto aí — diz Romano.
Professor de ética na Unicamp, Romano disse que foi bem escolhida por Macedo a época para lançar o livro, às vésperas da eleições. Afirmou não estranhar o avanço da Igreja Universal sobre a política.
— É próprio do Edir Macedo usar essa terminologia de administração e marketing; ele usa isso na igreja dele, assim como a teologia sincrética. Essa teologia da prosperidade. Não me surpreende que esteja transformando essa bem-sucedida empresa em partido, em base política.
O professor alerta que a liderança do bispo Macedo está longe de ser inconteste.
— Os evangélicos têm todo o direito de tentar chegar ao poder, mas Edir Macedo está querendo dar o salto maior que a perna. Mesmo igrejas pentecostais têm reservas em relação à Universal; nem estou falando do pastor Caio Fabio, cujas denúncias são uma bomba de explodir quartel. É improvável que a Iurd assuma um poder inconteste desses citados 40 milhões de evangélicos— avalia Romano.
Silvana Suaiden, professoratitular de Teologia da PUCCampinas, vê fundamentalismo por parte de Macedo.
— O bispo Macedo faz uma leitura fundamentalista da Bíblia.
O que ele entende por povo cristão? Para ele, é, sobretudo, o povo da Iurd. Utilizar a Bíblia para amparar essa tese, principalmente nas eleições, quando existe esse projeto de sustentação da base de políticos evangélicos? É uma jogada.
A especialista explica: — A Bíblia tem de ser lida no contexto em que foi escrita. Ler o Antigo Testamento e dizer que ali está escrito que Deus tem um plano para os cristãos, quando não há uma referência aos cristãos? Isso não tem sustentação teológica. Ele (Macedo) pode tentar explicar, mas isso não existe. Pode servir ao discurso do pastor-candidato, mas não se sustenta teologicamente.
“Projeto de nação” divino
Nesse ponto, do “projeto de nação” do povo de Deus — previsto supostamente no Antigo Testamento —, Macedo se antecipa às críticas, não teológicas, mas políticas. Aos que diriam que os escolhidos, então, seriam os hebreus e o Estado em questão já estaria pronto e seria o de Israel, o líder da Universal argumenta: “Israel representa uma célula de tudo o que está planejado para acontecer. A promessa de Deus feita ao patriarca Abraão denuncia sua intenção ao dizer que o colocaria por pai de numerosas nações”.
O GLOBO tentou entrevistar os autores do livro, por meio da assessoria de imprensa da editora Thomas Nelson Brasil, mas não houve resposta. Edir Macedo, segundo a assessoria, não daria entrevistas por estar fora do Brasil.