Bom, acho que a maioria aqui do CC não sabe, mas eu já joguei tarot de Marsella por três anos mais ou menos, assim como sei interpretar mapas astrológicos (carta natal). E nesse meio-tempo, aproveitei para fazer algumas... "experiências" psicológicas, pra entender como a coisa funciona. O que exponho aqui foi o que percebi que funciona e o que não funciona, experiência de campo, mesmo.
Eu não jogava por dinheiro, na época achava que isso despertaria ganância. Mas astrologia e tarot eram excelentes motivos para conversas com garotas - uma das coisas que eu mais execro a nossa sociedade, hoje, é por condicionar mulheres a serem mais crédulas que homens. Vejam se na Playboy tem coluninha de astrologia!
Vou ser bastante descritivo, e dividi em tópicos a explicação:
I - Introdução ao tarot como um todo. Pretendo adicionar um background histórico, mas isso não importa agora.
II - Tarot em cruz, que será usado como exemplo.
III - A parte interessante... leitura a frio e etc.
IV - Um exemplo de consulta fictícia.
I. INTRODUÇÃO AO TAROT.Vou focar no tarot por motivos didáticos, mas astrologia serviria da mesma forma. O tarot que eu jogava era o de Marsella, somente com arcanos maiores, e a modalidade do jogo era em cruz. É o mais simples, e segundo os tarólogos, seria efetivo para respostas diretas. Não tão diretas assim, como vamos ver.
I-1. Tarot de Marselha.São 22 cartas ditas "arcanos maiores". Cada uma contém um número, um nome, e uma figura representativa. A carta do Louco não tem número por representar tanto como carta 0 e 22. A carta d'A Morte normalmente não tem seu número (13) e seu nome na carta, ou apenas o nome, por tabu.
As ilustrações são medievais, para dar um ar de fantasia e tradição. (Na época que eu jogava, pensei em fazer um em mangá

).
Há 56 "arcanos menores", que nada mais são que um baralho espanhol com adição de quatro cavaleiros, um para cada naipe, depois dos valetes.
I-2. Uso das cartas.Existem diversas modalidades de tarot, e uso das cartas:
*Somente os arcanos menores. Dá pra adaptar pra usar um baralho comum, inclusive.
*Somente com os arcanos maiores. O tarot em cruz é uma delas.
*Arcanos maiores e menores, em duas pilhas separadas, e com posições em específico.
*Arcanos maiores e menores misturados, embora sejam raras.
II. TAROT EM CRUZ.É a modalidade mais fácil, e normalmente a primeira a ser aprendida. Usa somente os arcanos maiores.
O cliente embaralha as cartas e as distribui, viradas para baixo, em cruz. Sempre na mesma ordem - ao que me lembre, é essa:
1
4 3
2
Após isso ele vira as cartas, na mesma ordem.
II-1. Arcano de síntese.Os números destas quatro cartas são somados, considerando O Louco como zero. Se a soma der maior que 22, os algarismos são somados.
Como exemplo, suponha que apareceram as cartas 13, 21, 01 e 04. 13+21+1+4=39; 39>22; 3+9=12.
O número dessa soma será utilizado para escolher uma quinta carta, tirada pelo tarólogo, o "arcano de síntese". No caso de dar 22, considera-se O Louco como a carta 22.
Caso a carta já esteja presente na mesa, normalmente altera-se a posição dela apenas como mnemônico, para dizer que ela está representando "dois papéis". Quando isso ocorria, comigo:
*Carta 1 ou 2 - colocava-a entre a sua posição original e o meio.
*Carta 3 ou 4 - girava 90°.
II-2. Significado das posições.As cartas 2 e 4 se referem juntas à situação "até agora". (passado)
As cartas 1 e 3, à situação "depois de agora". (futuro)
A carta 5, obtida da soma dos números das outras, se refere à situação como um todo, ignorando aspectos temporais.
As cartas 1 e 2 se referem às condições exteriores; pessoas envolvidas, coisas impessoais.
As cartas 3 e 4 se referem ao cliente em si.
Observação: não lembro bem dessa seção. E notem que ela é vaga - é assim, mesmo. Veremos na seção III por que disso. E cartas de cabeça-pra-baixo, nesta modalidade, são interpretadas normalmente (em algumas, o significado se "inverteria").
III. TÉCNICAS DE LEITURA.Aqui entra a picaretagem, hehe. Há alguns pontos essenciais para você fazer uma leitura no tarot credível.
III-1. Estudar os significados das cartas. E muito. Existem apostilas e livros sobre tarot e astrologia, fáceis de obter.Motivo: cada carta tem um significado realmente amplo. Vide a carta 13 (Morte), que pode representar: morte real, física; herança ou fortuna recebida numa tacada só (incluam Mega-Sena); mudança brusca de personalidade, sentimentos ou percepção de uma pessoa; e por aí vai. Além disso, o significado de duas ou mais cartas pode coincidir em diversos pontos.
III-2. Sempre falar com o cliente olhando nos olhos dele.Em primeiro lugar, assim é mais provável de você adquirir simpatia do cliente - o que aumentará a chance de ele encarar o que você fala como verdade. Em segundo lugar, para o ponto a seguir.
III-3. Você deve ter alguma noção de reações corporais e faciais.Se ao retirar uma carta, o cliente fica admirado, assombrado, ou de qualquer forma indica que identificou no nome e na figura da carta alguma correlação com a pergunta dele, aí será o seu ponto de partida na interpretação. Caso ele fique com "cara de interrogação", é sensato você concluir que ele não se identificou com a carta, o que lhe obriga a falar do sentido mais amplo dela.
As reações do cliente em relação ao que você fala também são muito importantes. Analisando as reações do cliente, pode-se tatear e distorcer aos poucos a interpretação, até se encaixar na espectativa dele.
Nome disso? Leitura a frio, oras. Definição: obtenção de informações não reveladas verbalmente por uma pessoa. É um talento facilmente desenvolvido por toda e qualquer pessoa, exceto autistas (no sentido clínico). Usamos a leitura a frio no dia-a-dia, seja pra saber se a namorada tá de mau humor, se o chefe te chamou pra te dar um aumento ou te demitir, et cetera.
Não deve ser confundida com leitura a quente, que é quando você já sabe a informação através de fontes exteriores (por exemplo, sabe o nome de uma pessoa por ver um amigo dela chamando-a por ele).
III-4.Vá do vago ao específico, nunca ao contrário.A leitura a frio fica mais fácil. E mais credível de ser o "poder das cartas". Divida, mentalmente, as possibilidades em grupos: afetivo, familiar, financeiro... analise em qual grupo se encaixa, e então divida este grupo em subgrupos: amores velhos, amores novos, relacionamento em crise... vá fazendo isso até obter a questão específica, "na lata".
Se você for do específico para o vago, o caminho contrário, não dá certo. O cliente desconfiará logo de cara que você tá falando besteira, e que não tem nada a ver com a questão dele. E a leitura-a-frio fica mais fácil de ser descoberta.
III-5. Seja abstrato com respostas para o futuro.O seu cliente não sabe o futuro. E, supostamente,
você é quem deveria saber. Tente dar respostas para as perguntas como "irá depender muito das tuas próprias ações" - mas ei, tudo depende de nossas ações! Se você faz afirmações precisas, elas não podem ser "moldadas" na cabeça do cliente para se encaixar nos fatos que ocorrerão. Fica mais difícil de definir "acertou" ou "errou" assim. E quando você erra, não só perde o cliente, como ele fará propaganda negativa boca-a-boca com outros possíveis clientes, e vocês sabem o que isso significa.
III-6. Quem deve mexer nas cartas é o cliente, e não você.Deixe claro que é o cliente quem joga as cartas para si mesmo, e que o seu papel é como interpretador. Faça com que ele corte o baralho, coloque as cartas, vire-as. Assim, não só ele irá acreditar que é ele quem tá prevendo o futuro, o que pode dar uma escapatória conveniente para você, como também se sentirá mais envolvido, gerando "suspensão da descrença".
As pessoas mentem para si mesmas com mais cara-de-pau do que mentem para os outros.
III-7. Fale que todos podem jogar as cartas, mas que interpretá-las é questão de talento.É só pra evitar concorrência. Você não quer que o seu cliente leve tanto a sério "wow, posso prever o futuro, sou eu quem jogo cartas!" e se livre de você. Tampouco que ele comece a jogar para amigos dele e possivelmente rivalize com você. Então, mantenha-o ligado e dependente de você, como interpretador,
você tem o talento - e não ele.
IV. UMA CONSULTA DE EXEMPLO.Aqui vou colocar um diálogo fictício, de como as coisas funcionam, e como eu as realizaria... e alguns comentários meus. Comentários na mesma linha estarão /*assim */; comentários maiores estarão
//Em outra linha, como aqui está.
Em off: sim, tirei isso de programação

se eu colocasse o texto em itálico ficaria pesado pra ler.
[Cartomante]Vejo que você veio aqui por uma questão muito importante e delicada.
// Inicia-se por algo bastante abstrato e amplo, que possa ser utilizado para diversas situações. Se a pessoa foi a um médium, é porque tem perguntas, oras.
[Cliente, um pouco nervoso]Sim...
// Nervosismo tende a fechar as pessoas, mas é uma dica valiosa, se você souber a razão dele.
[Cartomante] OK, embaralhe as cartas, pensando na sua pergunta. Depois, coloque quatro cartas formando uma cruz na mesa, viradas para baixo [... vide seção II].
[Cliente faz o solicitado][Cartomante tira o arcano de síntese - seção II-1][Cartomante]Oh, vejo que a essência da pergunta é relativa à carta Os Namorados, número seis.
//Aqui começa a leitura a frio, e o cartomante analisa a expressão do cliente. Caso revele alguma ponta de espanto, admiração, ou algo do tipo, muito provavelmente a pergunta é relativa a questões afetivas relativas a um(a) parceir(a/o) do cliente. Caso a expressão seja neutra, ou de estranhamento, o cliente não entendeu o porquê desta carta aparecer e, portanto, o cartomante deve tatear em outra área. Vamos assumir que foi o segundo caso.
[Cartomante] A carta Os Namorados não necessariamente fala de relacionamentos. Em essência, ela se refere a uma escolha que você; ou outra pessoa /* leitura a frio */ deve fazer.
//Se o cliente soubesse o que fazer, não estaria consultando cartas! Notem que a afirmação é bastante ampla, pois fazemos escolhas a todo momento. É provável que a expressão do cliente tenha se alterado quando o tarólogo falou em "escolha", vamos supor que o foi; o cliente se expressou de alguma forma às palavra "você" ou "outra pessoa"? Se sim, leva-se em conta.
[Cartomante] Esta carta /*aponta a carta à direita, O Enforcado */ mostra alguém dependurado pelo pé /* ao contrário do nome */; é uma pessoa que não tem como agir, e sua posição nos revela que você /* obtido da leitura a frio */ se sente incapaz de decidir pelas escolhas que lhe são ofertadas, e essas escolhas são importantes para você. Deixe-me pensar um pouco...
//Até agora o cliente mostrou interesse, provavelmente você já obteve a "suspensão da descrença". É a hora de usar mais agressivamente a leitura a frio. Até agora, já sabemos que a questão do cliente não é sobre namorico ou algo do tipo, ou seja, relacionamentos amorosos. Com alguma experiência, podemos separar, grosso modo, as questões que as pessoas fazem nos seguintes grupos: financeiro, trabalho, problemas médicos, relacionamentos amorosos, família, amigos. Questões fora disso serão bastante raras, e notem que as categorias se entrelaçam.
//Se a questão fosse afetiva, valeria a pena conferir as mãos do cliente, e ver se ele usa aliança... de namoro ou de casamento. Na ausência desta, veja se o seu cliente é mais velho, e se tem as mãos grossas - pode ser que a aliança tenha se rompido, ou que ele tenha retirado por estar apertando demais. Neste caso, é provável que ficou uma pequena marca no lugar dela. A idade do cliente também interfere, e o sexo dele. Na ausência de sinais significando compromisso, em alguém jovem, trata-se provavelmente de paixonite. Lá pelos 30, 40 anos, pode-se assumir que é alguma crise em um relacionamento já estável.
//Questões financeiras. Analise como o cliente se veste, como fala. As roupas são elegantes e limpas, porém um pouco velhas? Neste caso, o provável é um problema financeiro que dura há um tempo considerável, mais de três ou quatro meses. As roupas estão impecáveis? Não descarte a hipótese do cliente estar com problemas financeiros, mas priorize outras hipóteses no lugar desta. As roupas do cliente são novas, porém, pouco cuidadas? A situação financeira dele provavelmente está OK, e embora ele não saiba lidar com ela, deve ter subido há pouco tempo.
//Trabalho. Intimamente relacionado com o financeiro. A pessoa é um estudante? Veja pela faixa etária dela. Quando ela entrou, ela estava com algum tipo de mala? Uma olhada rápida, logo quando a pessoa entrou, pode indicar a área dela, mas não comente direto ou fica muito na cara 'pô, viu na minha mala'. O modo dela falar também interfere, pois pode revelar o tanto de estudo dela. Um cliché interessante, caso fique observado que a pergunta é profissional, é falar "você está preocupado com o seu futuro profissional".
//Problemas médicos, da própria pessoa, podem ser bastante evidentes. Você não precisa entrar em detalhes de qual problema, apenas analise se ela parece saudável ou não.
//Problemas com família e amigos são um pouco mais difíceis de analisar... analise se a pessoa adentrou o consultório junto a outra(s), e pelas fisionomias, você pode deduzir se é algum familiar ou amigo. É improvável que a pergunta seja relativa ao acompanhante, caso contrário o próprio a faria. Entretanto, para a pessoa estar ali pra falar de outra pessoa, deve ser alguém realmente próximo. Ou um dos melhores amigos, ou parentes até segundo grau de parentesco (pais, filhos, netos, avós, primos, irmãos).
//Para decidir qual das categorias isso se encaixa, a leitura a frio será similar à que excluiu "romance".
[Cartomante]... vejo outras pessoas, você não está preocupado só com você, mas também com elas...
//Leitura a frio quantitativa: o cliente ficou muito impressionado? A pergunta
é sobre outra pessoa. Pouco? Então possivelmente é alguém que está interferindo na situação, e o cliente pergunta sobre a interferência desta. Bufar, e dizer "...sim..." implica que o cliente não está lá muito satisfeito com essa pessoa, é alguém que o incomoda. Vamos assumir que foi isso que ele fez.
[Cartomante]...unh, problemas com alguém próximo... alguém não está agindo de acordo com o que você gostaria que agisse; ou não está agindo quando deveria.
Bom, e por aí vai. Pretendo adicionar mais coisas a esse tópico, se despertar interesse de vocês... mas é que já tá longo e eu cansei de escrever.
Inclusive, pretendo continuar a entrevista fictícia acima de um cliente crédulo, com problemas de família, ao tarólogo. Notem, entretanto, que até agora o cliente praticamente não informou a questão ao consultor, o que é um tanto quanto raro - pessoas com problemas adoram falar sobre eles, vide O Muro das Lamentações (o tópico mais pop daqui do CC

). Tais informações são muito valiosas, e economizam muita leitura a frio.
Eu gostaria de concluir, por enquanto, que as cartas só servem como palavras-chave de desculpa... não te dão nenhuma informação. Toda a informação reside no cliente, basta você ir puxando, pouco-a-pouco, e ir construindo a história. Você não precisa se preocupar muito com os fatos, mas sim, em
como o cliente os vê.
Lembram do que falei sobre suspensão de descrença? É uma das primeiras coisas que um tarólogo faz. Consciente ou inconscientemente. É o que um mágico, num show, faz também. O ambiente importa muito, ele deve parecer místico, relaxante. Um incenso leve mata dois coelhos com uma cajadada só... não somente relaxa o cliente (cheiros gostosos relaxam a qualquer um), como envolve o ambiente numa "aura de magia".
Nunca tive consultório, e eu costumava interpretar só pros meus amigos, de graça. Especialmente mulheres (é, eu já fui beeeem picareta nesse ponto...

). Quando você já tem alguma intimidade com a pessoa, você pula diversos pontos.
Ah, importante. 90% das leituras a frio que as pessoas fazem, o fazem sem perceber. O alegado médium raramente irá estudar sobre isso, e alguns fiamente acreditam que estão lendo nas cartas.
Abro o tópico para comentários, críticas, perguntas, etc.