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Você tomaria a decisão do protagonista?

Sim.
Não.

Autor Tópico: Medo da verdade: dilema moral  (Lida 4492 vezes)

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Offline uiliníli

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Medo da verdade: dilema moral
« Online: 26 de Dezembro de 2008, 23:12:35 »
Atenção, este tópico contém spoilers do filme Medo da Verdade (Gone Baby Gone, 2007). Aos que não assistiram, recomendo que parem por aqui e aluguem o filme.  :ok:


















Aos que já assistiram, recapitulando: uma menina é seqüestrada, sua mãe é drogada, criminosa, irresponsável e sem sombra de dúvidas não tem a menor capacidade de criar uma criança. Por isso seu tio, com ajuda de um amigo policial, arma uma conspiração para simular o seqüestro e a morte da menina, que na verdade seria entregue aos cuidados de um investigador da polícia preste a se aposentar. Um casal de detetives particulares contratados pela tia da vítima para ajudar as investigações da polícia descobre tudo. A mulher acredita que a menina está muito melhor com a nova "família" e que ela está feliz; mas o homem, com rígidos valores morais, acredita que a coisa certa a fazer é expor a verdade e denunciar a armação para as autoridades, mesmo que isso leve a menina a voltar para a mãe (além disso, cabe lembrar que a vontade do raptor de dar à criança um futuro melhor não era totalmente desinteressada, ele e sua esposa perderam a filha de 12 anos assassinada anos antes e lhes trazia um grande conforto ter a menina para criar). E é isso que ele faz. Os conspiradores são presos, sua namorada o abandona e na cena final do filme a mãe vai sair para um encontro e sequer se lembra de procurar alguém para cuidar da criança enqanto está fora; perguntada pelo protagonista, ela se lembra disso e resolve chamar sua amiga, que não é nem um pouco melhor do que ela. O filme não dá a entender que a menina esteja mais ou menos feliz com sua verdadeira mãe ou com a família que a roubou.

A pergunta é: a decisão do protagonista de denunciar o esquema foi correta? Há somente duas opções porque não existe a opção "Não sei" do ponto de vista do personagem. Se omitir já é tomar uma posição.

Pessoalmente, senti um nó moral em minha consciência, mas, mesmo tendo por alguns segundos discordado do protagonista, acreditando que sua decisão foi a pior para a menina, discordar dele seria:

1) Acreditar que os fins justificam os meios. Por pior mãe que a mãe da menina fosse, existem meios legais para tirar dela a guarda da criança. Os raptores optaram por meios ilegais que causaram sofrimento a pessoas inocentes e puseram a vida da criança em risco. A farsa ainda custou a vida de muitas pessoas, embora a maioria deles não fossem exatamente inocentes.

2) Negar a liberdade (e, portanto, também a responsabilidade) dos indivíduos de fazer escolhas. Como o protagonista menciona na discussão que tem com sua parceira sobre qual seria a atitude certa, a mãe drogada poderia mudar. A sua parceira é cética, não acredita que a mãe mude, e ao final do filme tudo indica que estava certa. Mas por melhor investigadora que ela seja, a moça não pode realmente prever o futuro. Você não pode dizer sem sombra de dúvidas a mãe drogada vai continuar se drogando e sendo irresponsável com a criança, pois (teoricamente) ela é um ser humano dotado de livre-arbítrio, ela tem, portanto, a capacidade de fazer boas escolhas no futuro, da mesma forma que tem responsabilidade por fazer más escolhas. O corolário disso é que não se pode punir uma pessoa por erros que ela ainda não cometeu. Para julgar e eventualmente punir os erros que ela já cometeu, porém, existem meios legais, como mencionado em 1).

Poderiam questionar se não seria a mesma coisa que entregar a menina a um pedófilo que gostaria de abusar dela, pois ele também não pode ser responsabilizado por um erro que ainda vai cometer. A diferença no caso é que a mãe não tem intenção de fazer mal à criança, ao contrário do pedófilo. A mãe faz mal à filha por ser incompetente como mãe, e não por sadismo.

3) Falta de ética profissional. Eu reconheço que essa é uma razão menos forte que as outras, esse argumento pode até soar mesquinharia diante do futuro de uma criança, mas nem por isso ele deixa de ser verdade: os investigadores estavam sendo pagos pela família da vítima para decobrir o paradeiro da menina, não para julgar a mãe. Tendo descoberto a verdade, ocultá-la deliberadamente é faltar com a palavra.

Offline gogorongon

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #1 Online: 27 de Dezembro de 2008, 19:48:01 »
Vai por mim, tentar ajudar alguém à força não dá certo. Um erro não justifica o outro, e no final da história quem sai prejudicado é você.

Mesmo tirar a guarda da criança da mãe por meios legais dá trabalho demais às vezes.

Offline Moro

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #2 Online: 27 de Dezembro de 2008, 23:49:26 »
excelente tópico Uili

Eu gostaria de colocar apenas uma coisa na discussão, o contexto em que se vive no país.
É muito mais fácil condenar o sequestro porque estamos falando de um país onde existem regras estabelecidas e oportunidade efetiva de que uma pessoa preocupada com a integridade de alguém possa se expressar judicialmente.

Não quero dizer que a questão estaria fechada a favor do sequestro caso não houvesse essa condição, quero dizer que está fechado contra o sequestro pois a condição existe.
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Offline Luis Dantas

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #3 Online: 01 de Janeiro de 2009, 22:00:48 »
Eu votei "Não".  E discordo quanto ao protagonista ter rígidos valores morais.  Ele tem medo de tomar decisões, o que é bem diferente.
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Offline uiliníli

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #4 Online: 01 de Janeiro de 2009, 22:11:51 »
Interpretação interessante... Mas eu acho que chamar a polícia foi uma decisão e tanto, não? Se ele somente tivesse medo de tomar decisões, seria mais fácil se omitir.

Offline Luis Dantas

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #5 Online: 01 de Janeiro de 2009, 22:18:00 »
Achei a situação do filme um tanto inverossímil, principalmente porque não haveria condição do policial aposentado manter tanto sigilo sobre sua decisão.   De resto:


1) Acreditar que os fins justificam os meios.

E há um grau de verdade nessa afirmação.  Desde, é claro, que se esteja pronto para lidar com as consequências dos meios empregados.  Na minha opinião foi o caso.

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Por pior mãe que a mãe da menina fosse, existem meios legais para tirar dela a guarda da criança.

Meios esses que via de regra não funcionam, e neste tipo de assunto, acabam causando muito dano desnecessário.

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Os raptores optaram por meios ilegais que causaram sofrimento a pessoas inocentes e puseram a vida da criança em risco. A farsa ainda custou a vida de muitas pessoas, embora a maioria deles não fossem exatamente inocentes.

Todas essas pessoas que morreram sabiam dos riscos e decidiram que valia a pena.  Penso mesmo que nenhuma delas se arrependeu.  Motivo para se arrepender, não acho que tinham.

Quanto ao risco para a criança, acho que o filme foi até bem claro em mostrar que não era menor ao ser criada com a mãe biológica.

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2) Negar a liberdade (e, portanto, também a responsabilidade) dos indivíduos de fazer escolhas. Como o protagonista menciona na discussão que tem com sua parceira sobre qual seria a atitude certa, a mãe drogada poderia mudar. A sua parceira é cética, não acredita que a mãe mude, e ao final do filme tudo indica que estava certa. Mas por melhor investigadora que ela seja, a moça não pode realmente prever o futuro.

Não concordo.  No meu entender, tomar decisões morais é essencialmente prever as consequências futuras de nossos atos; algo que todos nós temos de fazer, por mais aflitivo que possa ser.

Citar
Você não pode dizer sem sombra de dúvidas a mãe drogada vai continuar se drogando e sendo irresponsável com a criança, pois (teoricamente) ela é um ser humano dotado de livre-arbítrio, ela tem, portanto, a capacidade de fazer boas escolhas no futuro, da mesma forma que tem responsabilidade por fazer más escolhas.

Acima de qualquer dúvida, certamente não.  Por outro lado, não tenho tampouco o direito de exigir toda essa certeza.  A responsabilidade é minha mesmo que eu me omita.  

Certeza absoluta não é necessária, nem é razoável pedi-la.

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O corolário disso é que não se pode punir uma pessoa por erros que ela ainda não cometeu.

Não sei se concordo.  De qualquer forma, penso que no caso trata-se de erros que já foram cometidos; a mãe de Amanda estava comprovadamente sendo negligente além de qualquer parâmetro razoável.  É justo que haja consequências.

Citar
Para julgar e eventualmente punir os erros que ela já cometeu, porém, existem meios legais, como mencionado em 1).

E a Lei, como eu sempre digo, não é mais do que uma pálida sombra, quase uma caricatura, da Moral.  Não por estar mal implementada, mas porque é essa a sua natureza por definição.

Claro, violar a Lei tem de ter consequências também.  Mas nem por isso o que é ilegal é errado, imoral ou anti-ético necessariamente.

Citar
Poderiam questionar se não seria a mesma coisa que entregar a menina a um pedófilo que gostaria de abusar dela, pois ele também não pode ser responsabilizado por um erro que ainda vai cometer. A diferença no caso é que a mãe não tem intenção de fazer mal à criança, ao contrário do pedófilo. A mãe faz mal à filha por ser incompetente como mãe, e não por sadismo.

Irrelevante.  Não se concede carteiras de habilitação a alguém para só se retirar depois que ela venha a demonstrar incapacidade de conduzir um veículo.  Por motivos similares, e muito mais prementes, não se deveria tampouco conceder guarda de crianças a quem dá motivo para duvidar de sua capacidade de criá-las.

Aliás, o pedófilo do filme também não parecia ser sádico, pelo que pude entender.  Ele certamente mostrou mais arrependimento do que a mãe de Amanda, por menos que isso o desculpe.  

Não importa se a pessoa agiu por sadismo, e sim se causou dano ou tem probabilidade suficiente de causá-lo.

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3) Falta de ética profissional. Eu reconheço que essa é uma razão menos forte que as outras, esse argumento pode até soar mesquinharia diante do futuro de uma criança, mas nem por isso ele deixa de ser verdade: os investigadores estavam sendo pagos pela família da vítima para decobrir o paradeiro da menina, não para julgar a mãe. Tendo descoberto a verdade, ocultá-la deliberadamente é faltar com a palavra.

Ética é exatamente o motivo decisivo para que ele faça a coisa certa.  A ética profissional não pode se sobrepor à ética maior e mais fundamental que seres humanos devem cultivar uns para com os outros.  Simples.


No entanto, é claro que a questão não é tão simples e fechada assim.  Por isso gostei do filme.  Ele oferece um vislumbre do tipo de questionamento que precisamos ter com abertura e urgência.  

A saída pronta e acomodada de valorizar a parentalidade biológica acima dos fatos e atitudes não pode continuar sendo adotada praticamente sem questionamento; crianças são algo importante demais para que nos permitamos esse descuido.
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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #6 Online: 01 de Janeiro de 2009, 22:21:16 »
Interpretação interessante... Mas eu acho que chamar a polícia foi uma decisão e tanto, não? Se ele somente tivesse medo de tomar decisões, seria mais fácil se omitir.

No meu entender, ele se omitiu.  Teve a oportunidade de assumir a responsabilidade pela decisão (reconhecidamente angustiante) que se apresentou à sua frente, e preferiu, por assim dizer, "entregar a Deus".

Acontece que Deus é apenas um conceito conveniente para representar nossas decisões e esperanças coletivas.  E no contexto do filme, a Lei assume um papel completamente similar. 

Faltou a ele o brio de tomar a decisão mais correta e assumir a responsabilidade por ela, como Benny e os outros fizeram.
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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #7 Online: 01 de Janeiro de 2009, 22:23:27 »
Faço até certo paralelo com a questão do casamento homosexual: mesmo hoje, a maior parte das legislações não o reconhece como válido, o que traz inclusive questões espinhosas envolvendo a guarda de crianças.

Nesse caso, a lei e a moral entram em conflito direto.  O que não deveria chocar ninguém, já que a lei é feita por pessoas, para pessoas, e por processos demorados, complexos e comprovadamente imperfeitos.
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Offline uiliníli

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #8 Online: 02 de Janeiro de 2009, 17:57:34 »
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Por pior mãe que a mãe da menina fosse, existem meios legais para tirar dela a guarda da criança.

Meios esses que via de regra não funcionam, e neste tipo de assunto, acabam causando muito dano desnecessário.

Acredito que no caso específico do filme não seria difícil tirar a guarda da mãe por vias legais, uma vez que a própria família da criança estaria disposta a testemunhar contra a mãe. Mas gostaria de saber por que você acredita que via de regra os meios legais para resolver casos de guarda familiar não funciona e causa dano desnecessário. Por mais que isso seja verdade, o crime também não costuma ser muito eficiente.

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Os raptores optaram por meios ilegais que causaram sofrimento a pessoas inocentes e puseram a vida da criança em risco. A farsa ainda custou a vida de muitas pessoas, embora a maioria deles não fossem exatamente inocentes.

Todas essas pessoas que morreram sabiam dos riscos e decidiram que valia a pena.  Penso mesmo que nenhuma delas se arrependeu.  Motivo para se arrepender, não acho que tinham.

Não acredito que pessoas que optam por agir contra a lei realmente pesem os riscos. O criminoso não considera a possibilidade de ser pego. Ainda assim, o fato de terem decidido segundo suas próprias consciências que o risco valia à pena é irrelevante, pois continua sendo um problema moral usar da força para fazer valer seus próprios interesses a despeito da liberdade de outra pessoa.

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2) Negar a liberdade (e, portanto, também a responsabilidade) dos indivíduos de fazer escolhas. Como o protagonista menciona na discussão que tem com sua parceira sobre qual seria a atitude certa, a mãe drogada poderia mudar. A sua parceira é cética, não acredita que a mãe mude, e ao final do filme tudo indica que estava certa. Mas por melhor investigadora que ela seja, a moça não pode realmente prever o futuro.

Não concordo.  No meu entender, tomar decisões morais é essencialmente prever as consequências futuras de nossos atos; algo que todos nós temos de fazer, por mais aflitivo que possa ser.

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Você não pode dizer sem sombra de dúvidas a mãe drogada vai continuar se drogando e sendo irresponsável com a criança, pois (teoricamente) ela é um ser humano dotado de livre-arbítrio, ela tem, portanto, a capacidade de fazer boas escolhas no futuro, da mesma forma que tem responsabilidade por fazer más escolhas.

Acima de qualquer dúvida, certamente não.  Por outro lado, não tenho tampouco o direito de exigir toda essa certeza.  A responsabilidade é minha mesmo que eu me omita.  

Certeza absoluta não é necessária, nem é razoável pedi-la.

De nossos atos, Dantas, não dos atos alheios. Uma pessoa não pode tomar decisões por outra pessoa livre. Eu não posso decidir que amanhã você vai agredir ou deixar de agredir uma pessoa aleatoriamente na rua. Também não posso puni-lo pela possibilidade de vir a agredir alguém, isso é fazer das pessoas culpadas a priori, invertendo a lógica do direito democrático. A questão não é se a mãe merece ser punida por poder ser irresponsável no futuro, mas se ela merece ser punida por ter sido irresponsável no passado.

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O corolário disso é que não se pode punir uma pessoa por erros que ela ainda não cometeu.

Não sei se concordo.  De qualquer forma, penso que no caso trata-se de erros que já foram cometidos; a mãe de Amanda estava comprovadamente sendo negligente além de qualquer parâmetro razoável.  É justo que haja consequências.

Sem dúvida. Mas aí voltamos para o item 1), se os fins justificam os meios.

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Para julgar e eventualmente punir os erros que ela já cometeu, porém, existem meios legais, como mencionado em 1).

E a Lei, como eu sempre digo, não é mais do que uma pálida sombra, quase uma caricatura, da Moral.  Não por estar mal implementada, mas porque é essa a sua natureza por definição.

Claro, violar a Lei tem de ter consequências também.  Mas nem por isso o que é ilegal é errado, imoral ou anti-ético necessariamente.

Ah, agora entendo que estamos falando de coisas diferentes! Sim, eu admito que um ato ilegal não necessariamente será imoral - embora não concorde que esse seja o caso do seqüestro.

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Poderiam questionar se não seria a mesma coisa que entregar a menina a um pedófilo que gostaria de abusar dela, pois ele também não pode ser responsabilizado por um erro que ainda vai cometer. A diferença no caso é que a mãe não tem intenção de fazer mal à criança, ao contrário do pedófilo. A mãe faz mal à filha por ser incompetente como mãe, e não por sadismo.

Irrelevante.  Não se concede carteiras de habilitação a alguém para só se retirar depois que ela venha a demonstrar incapacidade de conduzir um veículo.  Por motivos similares, e muito mais prementes, não se deveria tampouco conceder guarda de crianças a quem dá motivo para duvidar de sua capacidade de criá-las.

A habilidade de dirigir um veículo é adquirida, ao contrário da de cuidar de sua própria prole, que é inata. Até uma cadela é capaz de cuidar de seus filhotes, mas eu não arriscaria passar a direção de um veículo para uma. E como fazer filhos, por enquanto, não é uma atividade controlada pelo estado, mas pela própria liberdade individual, essa comparação simplesmente não faz sentido. Além disso, os motivos para se duvidar da capacidade de alguém criar um filho só podem ser identificados após a pessoa começar a criá-los, naturalmente, o estado não pode escolher conceder o direito à guarda de uma criança, somente retirá-lo se a pessoa tiver demonstrado essa incapacidade.

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Aliás, o pedófilo do filme também não parecia ser sádico, pelo que pude entender.  Ele certamente mostrou mais arrependimento do que a mãe de Amanda, por menos que isso o desculpe.  

E o próprio ato sexual com uma criança não tem uma componente de sadismo? E não acredito que o suposto arrependimento por afogar uma criança na banheira após violentá-la seja moralmente mais virtuoso que o comportamento negligente da mãe.

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Não importa se a pessoa agiu por sadismo, e sim se causou dano ou tem probabilidade suficiente de causá-lo.

Estou no pólo oposto da moral. Entendo que a responsabilidade moral do ser humano depende de sua liberdade de escolha, sendo assim importa muito se a pessoa agiu por sadismo, ainda que não tenha causado dano. E como se calcula a probabilidade de alguém atentar contra a ética no futuro, a não ser no filme Minority Report? Ainda que isso fosse possível, o ser humano não é determinado pela probabilidade, sempre haverá uma probabilidade de ela não fazer o que você espera dela, pois o ser humano é livre. Se não fosse não teria responsabilidade.

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3) Falta de ética profissional. Eu reconheço que essa é uma razão menos forte que as outras, esse argumento pode até soar mesquinharia diante do futuro de uma criança, mas nem por isso ele deixa de ser verdade: os investigadores estavam sendo pagos pela família da vítima para decobrir o paradeiro da menina, não para julgar a mãe. Tendo descoberto a verdade, ocultá-la deliberadamente é faltar com a palavra.

Ética é exatamente o motivo decisivo para que ele faça a coisa certa.  A ética profissional não pode se sobrepor à ética maior e mais fundamental que seres humanos devem cultivar uns para com os outros.  Simples.

Contanto que você devolva o dinheiro da sua empregadora, não é ::)  Ou você estaria literalmente roubando, o que viola a ética maior e mais fundamental. Só que aí você vai ter o problema de explicar a razão disso depois.

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No entanto, é claro que a questão não é tão simples e fechada assim.  Por isso gostei do filme.  Ele oferece um vislumbre do tipo de questionamento que precisamos ter com abertura e urgência.  

A saída pronta e acomodada de valorizar a parentalidade biológica acima dos fatos e atitudes não pode continuar sendo adotada praticamente sem questionamento; crianças são algo importante demais para que nos permitamos esse descuido.

Sem dúvida, a questão levantada pelo filme é um forte dilema moral em minha opinião, eu mesmo me senti inclinado a defender o ponto de vista utilitarista.

Entretanto não estou defendendo que a parentalidade biológica é um valor indiscutível, somente que os meios para questionar o direito da mãe sobre a criança devem ser legítimos.

Interpretação interessante... Mas eu acho que chamar a polícia foi uma decisão e tanto, não? Se ele somente tivesse medo de tomar decisões, seria mais fácil se omitir.

No meu entender, ele se omitiu.  Teve a oportunidade de assumir a responsabilidade pela decisão (reconhecidamente angustiante) que se apresentou à sua frente, e preferiu, por assim dizer, "entregar a Deus".

Acontece que Deus é apenas um conceito conveniente para representar nossas decisões e esperanças coletivas.  E no contexto do filme, a Lei assume um papel completamente similar. 

Faltou a ele o brio de tomar a decisão mais correta e assumir a responsabilidade por ela, como Benny e os outros fizeram.

Qualquer que fosse a decisão que ele tomasse, ele estaria assumindo responsabilidade, a decisão de comunicar as autoridades é tão dura quanto a de deixar tudo como está, não acredito que se possa qualificar como omissão. Sua acusação de que faltou brio para ele tomar a decisão mais correta só é válida se assumirmos que secretamente ele tinha consciência de que essa era de fato a decisão mais correta. Se ele acreditava realmente que a decisão de mandar a criança de volta para mãe era a correta, você pode acusá-lo no máximo de estar errado, não de covardia ou omissão.

Faço até certo paralelo com a questão do casamento homosexual: mesmo hoje, a maior parte das legislações não o reconhece como válido, o que traz inclusive questões espinhosas envolvendo a guarda de crianças.

Nesse caso, a lei e a moral entram em conflito direto.  O que não deveria chocar ninguém, já que a lei é feita por pessoas, para pessoas, e por processos demorados, complexos e comprovadamente imperfeitos.

Verdade. Mas felizmente existem mecanismos dentro da democracia para alterar a lei, e os gays, assim como boa parte da sociedade, estão lutando para que seus direitos sejam reconhecidos. Já há inclusivie precedentes favoráveis aos homossexuais, como o caso do filho da falecida cantora Cássia Eller, cuja guarda foi entregue à ex-parceira lésbica dela.

Offline Luis Dantas

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #9 Online: 02 de Janeiro de 2009, 18:32:06 »
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Acredito que no caso específico do filme não seria difícil tirar a guarda da mãe por vias legais, uma vez que a própria família da criança estaria disposta a testemunhar contra a mãe. Mas gostaria de saber por que você acredita que via de regra os meios legais para resolver casos de guarda familiar não funciona e causa dano desnecessário. Por mais que isso seja verdade, o crime também não costuma ser muito eficiente.

Na situação do filme há um complicador sério, que é a situação original ter sido uma chantagem oportunista; o cunhado e um dos policiais queriam proteger Amanda, sim, mas também queriam extorquir o dinheiro (duplamente criminoso) da mãe.

Meios legais são o que há na prática para resolver problemas de guarda, mas são uma ferramenta claramente grosseira para tal: envolvem confrontações sob o peso da autoridade legal, despesas consideráveis, testemunhos ao mesmo tempo suspeitos e com consequências sérias. 
É como eu costumo dizer: o Direito é acionado depois que o estrago já está feito, por isso dificilmente resolve algum problema real.

Update: acabei de lembrar que também acabam criando a necessidade de trocas de acusações que envenenam as atitudes e futuros das partes envolvidas.

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Não acredito que pessoas que optam por agir contra a lei realmente pesem os riscos. O criminoso não considera a possibilidade de ser pego. Ainda assim, o fato de terem decidido segundo suas próprias consciências que o risco valia à pena é irrelevante, pois continua sendo um problema moral usar da força para fazer valer seus próprios interesses a despeito da liberdade de outra pessoa.

Como assim irrelevante?!?  A moral trata exatamente das decisões e de suas consequências, afinal de contas.
É um problema moral, sim, porque é uma situação de decisão moral.  Como tantas outras situações desse tipo, de fato envolve algum tipo de confronto entre a própria vontade e o espaço de outras pessoas.  Não vejo nada particularmente notável aí.

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De nossos atos, Dantas, não dos atos alheios.

Nossa responsabilidade claramente se estende também aos atos alheios com que compactuamos por omissão.  A própria idéia de "ato alheio" é mais artificial do que geralmente se admite, aliás.

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Uma pessoa não pode tomar decisões por outra pessoa livre. Eu não posso decidir que amanhã você vai agredir ou deixar de agredir uma pessoa aleatoriamente na rua. Também não posso puni-lo pela possibilidade de vir a agredir alguém, isso é fazer das pessoas culpadas a priori, invertendo a lógica do direito democrático. A questão não é se a mãe merece ser punida por poder ser irresponsável no futuro, mas se ela merece ser punida por ter sido irresponsável no passado.

Não acho esse um pensamento particularmente recomendável, nem particularmente representativo quer do que de fato acontece, quer do que se deva buscar.
Democracia não é (no meu entender) esperar o melhor das pessoas a despeito de qualquer evidência ou histórico existentes.  Acho uma ingenuidade perigosa tentar tratar as pessoas como se elas não tivessem qualquer continuidade de atitude ou de mentalidade.

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A habilidade de dirigir um veículo é adquirida, ao contrário da de cuidar de sua própria prole, que é inata. Até uma cadela é capaz de cuidar de seus filhotes, mas eu não arriscaria passar a direção de um veículo para uma. E como fazer filhos, por enquanto, não é uma atividade controlada pelo estado, mas pela própria liberdade individual, essa comparação simplesmente não faz sentido. Além disso, os motivos para se duvidar da capacidade de alguém criar um filho só podem ser identificados após a pessoa começar a criá-los, naturalmente, o estado não pode escolher conceder o direito à guarda de uma criança, somente retirá-lo se a pessoa tiver demonstrado essa incapacidade.

A capacidade de cuidar da prole, entre os humanos, não tem tanto assim de inato.  É adquirida o bastante para que o governo francês, por exemplo, chegue a pagar servidores públicos especificamente para treinar mães de primeira viagem.
Note também que nosso assunto não é a concepção de filhos, que de fato não é tão regulada pelo Estado, mas a criação dos mesmos, que também não é, mas provavelmente deveria ser.  E mesmo hoje já existem Conselhos Tutelares, ainda que incipientes.

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E o próprio ato sexual com uma criança não tem uma componente de sadismo? E não acredito que o suposto arrependimento por afogar uma criança na banheira após violentá-la seja moralmente mais virtuoso que o comportamento negligente da mãe.

Felizmente eu não sei responder com segurança, mas pelo que entendo, não, pedofilia é uma doença completamente diferente de sadismo.   E eu não estou, obviamente, defendendo que o pedófilo deveria ter a guarda de alguma criança, portanto a comparação não procede.

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Estou no pólo oposto da moral. Entendo que a responsabilidade moral do ser humano depende de sua liberdade de escolha, sendo assim importa muito se a pessoa agiu por sadismo, ainda que não tenha causado dano. E como se calcula a probabilidade de alguém atentar contra a ética no futuro, a não ser no filme Minority Report? Ainda que isso fosse possível, o ser humano não é determinado pela probabilidade, sempre haverá uma probabilidade de ela não fazer o que você espera dela, pois o ser humano é livre. Se não fosse não teria responsabilidade.

Aparentemente estamos sim com abordagens bem constrastantes de moral.  Você parece focalizar a intenção, o discernimento e o castigo, eu prefiro definir moral em função das consequências e danos.

Não há nenhum grande mistério em avaliar comportamento moral provável das pessoas.  Aparentemente você acredita bem mais em livre-arbítrio do que eu.

Respondendo à sua última frase, eu simplesmente discordo.  Todos nós temos um grau limitado de liberdade (se tanto), mas nem por isso deixamos de ser responsáveis pelo que fazemos.

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Contanto que você devolva o dinheiro da sua empregadora, não é. Ou você estaria literalmente roubando, o que viola a ética maior e mais fundamental. Só que aí você vai ter o problema de explicar a razão disso depois.
Há esse complicador, sem dúvida, e bem espinhoso.  No entanto, não vejo como ou por que roubo seria um crime mais fundamental do que abuso ou negligência grave parentais.

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Entretanto não estou defendendo que a parentalidade biológica é um valor indiscutível, somente que os meios para questionar o direito da mãe sobre a criança devem ser legítimos.

Touché.  Concordo plenamente.

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Qualquer que fosse a decisão que ele tomasse, ele estaria assumindo responsabilidade, a decisão de comunicar as autoridades é tão dura quanto a de deixar tudo como está, não acredito que se possa qualificar como omissão. Sua acusação de que faltou brio para ele tomar a decisão mais correta só é válida se assumirmos que secretamente ele tinha consciência de que essa era de fato a decisão mais correta. Se ele acreditava realmente que a decisão de mandar a criança de volta para mãe era a correta, você pode acusá-lo no máximo de estar errado, não de covardia ou omissão.
Mas manter a criança longe da mãe biológica ERA a decisão mais correta.  Não vejo margem para dúvida pelo que o filme mostrou.  O que vi foi um rapaz que não conseguia sustentar nos ombros essa responsabilidade, não um que estava em dúvida sincera.  Aliás, nem vejo como ele poderia ter tal dúvida.

Talvez se possa alegar que ele já havia se dado o poder de decidir no caso do pedófilo, e não tinha condição de fazê-lo de novo.  Por outro lado, esse mesmo episódio mostra que ele não tem (ou não tinha na ocasião) toda essa confiança na Lei.
« Última modificação: 02 de Janeiro de 2009, 18:48:00 por Luis Dantas »
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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #10 Online: 02 de Janeiro de 2009, 19:16:55 »
Meios legais são o que há na prática para resolver problemas de guarda, mas são uma ferramenta claramente grosseira para tal: envolvem confrontações sob o peso da autoridade legal, despesas consideráveis, testemunhos ao mesmo tempo suspeitos e com consequências sérias. 
É como eu costumo dizer: o Direito é acionado depois que o estrago já está feito, por isso dificilmente resolve algum problema real.

Isso é da própria natureza da lei, e é o que estamos discutindo mais à frente sobre a legitimidade de se aplicar a punições a priori. De outra forma, o direito realmente só pode ser acionado após ocorrer um delito.

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Não acredito que pessoas que optam por agir contra a lei realmente pesem os riscos. O criminoso não considera a possibilidade de ser pego. Ainda assim, o fato de terem decidido segundo suas próprias consciências que o risco valia à pena é irrelevante, pois continua sendo um problema moral usar da força para fazer valer seus próprios interesses a despeito da liberdade de outra pessoa.

Como assim irrelevante?!?  A moral trata exatamente das decisões e de suas consequências, afinal de contas.
É um problema moral, sim, porque é uma situação de decisão moral.  Como tantas outras situações desse tipo, de fato envolve algum tipo de confronto entre a própria vontade e o espaço de outras pessoas.  Não vejo nada particularmente notável aí.

Veja que explico que a razão de essa decisão ser irrelevante quando digo que continua sendo outro problema moal usar a força para levar adiante essa decisão. Ou seja, eles decidem que o fim "retirar a menina da mãe" é justo, mas a forma como eles tentam alcançar esse objetivo é injusta. Qualquer confrontação que envolve a própria vontade e o espaço de outra pessoa é delicada, é para arbitrar esse tipo de problema que existe a lei.

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Nossa responsabilidade claramente se estende também aos atos alheios com que compactuamos por omissão.  A própria idéia de "ato alheio" é mais artificial do que geralmente se admite, aliás.

Sem dúvida temos responsabilidade quando nos omitimos de interromper atos alheios claramente imorais. Mas vamos lembrar que não estamos falando de atos iminentes e nem certos, estamos falando de atos potenciais, atos a longo prazo que nem temos certeza de que serão efetuados realmente.

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Uma pessoa não pode tomar decisões por outra pessoa livre. Eu não posso decidir que amanhã você vai agredir ou deixar de agredir uma pessoa aleatoriamente na rua. Também não posso puni-lo pela possibilidade de vir a agredir alguém, isso é fazer das pessoas culpadas a priori, invertendo a lógica do direito democrático. A questão não é se a mãe merece ser punida por poder ser irresponsável no futuro, mas se ela merece ser punida por ter sido irresponsável no passado.

Não acho esse um pensamento particularmente recomendável, nem particularmente representativo quer do que de fato acontece, quer do que se deva buscar.
Democracia não é (no meu entender) esperar o melhor das pessoas a despeito de qualquer evidência ou histórico existentes.  Acho uma ingenuidade perigosa tentar tratar as pessoas como se elas não tivessem qualquer continuidade de atitude ou de mentalidade.

Nem eu disse que democracia é esperar o melhor das pessoas. Apenas tenho afirmado que se as pessoas tem culpa por atos passados, elas devem ser punidas por eles, não por atos futuros que apenas supomos que elas seriam capazes de fazer. O pensamento contrário é que considero mais perigoso.

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A capacidade de cuidar da prole, entre os humanos, não tem tanto assim de inato.  É adquirida o bastante para que o governo francês, por exemplo, chegue a pagar servidores públicos especificamente para treinar mães de primeira viagem.

As mães desses próprios servidores públicos também foram treinadas? E as mães das mães deles? Se os cuidados dos pais com a prole não são inatos, como nossa espécie sobreviveu dois milhões de anos? Aliás, como a vida animal sobreviveu meio bilhão de anos?

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Note também que nosso assunto não é a concepção de filhos, que de fato não é tão regulada pelo Estado, mas a criação dos mesmos, que também não é, mas provavelmente deveria ser.  E mesmo hoje já existem Conselhos Tutelares, ainda que incipientes.

Os Conselhos Tutelares são acionados somente quando uma família claramente se mostra ncapaz de cuidar de uma criança, mas felizmente esses são casos excepcionais, não são a regra. E de qualquer forma, o estado já tem um grande papel na criação das crianças hoje, já que ele participa em sua educação formal.

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Estou no pólo oposto da moral. Entendo que a responsabilidade moral do ser humano depende de sua liberdade de escolha, sendo assim importa muito se a pessoa agiu por sadismo, ainda que não tenha causado dano. E como se calcula a probabilidade de alguém atentar contra a ética no futuro, a não ser no filme Minority Report? Ainda que isso fosse possível, o ser humano não é determinado pela probabilidade, sempre haverá uma probabilidade de ela não fazer o que você espera dela, pois o ser humano é livre. Se não fosse não teria responsabilidade.

Aparentemente estamos sim com abordagens bem constrastantes de moral.  Você parece focalizar a intenção, o discernimento e o castigo, eu prefiro definir moral em função das consequências e danos.

Deontologia x Utilitarismo. Até hoje não há um vencedor claro do debate.

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Não há nenhum grande mistério em avaliar comportamento moral provável das pessoas.  Aparentemente você acredita bem mais em livre-arbítrio do que eu.

O conceito de livre-arbítrio tem seus problemas, claro, mas eu não vejo como a ética pode ser dissociada da ideia de que o ser humano tenha no mínimo alguma liberdade para tomar decisões, mesmo as mais difíceis. Sem essa liberdade o ser humano é um autômato, punir um homem por matar outro seria como punir um leão por matar uma zebra, ou punir uma faca por cortar a garganta de alguém.

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Respondendo à sua última frase, eu simplesmente discordo.  Todos nós temos um grau limitado de liberdade (se tanto), mas nem por isso deixamos de ser responsáveis pelo que fazemos.

Concordo que há limites para a liberdade humana. Mas se a liberdade de decisão não existe, acho que um cérebro tão volumoso para possibilitar a faculdade da razão é um desperdício.

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Há esse complicador, sem dúvida, e bem espinhoso.  No entanto, não vejo como ou por que roubo seria um crime mais fundamental do que abuso ou negligência grave parentais.

E não é. Como eu disse, a questão da ética profissional é menos forte do que as outras duas.

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Mas manter a criança longe da mãe biológica ERA a decisão mais correta.  Não vejo margem para dúvida pelo que o filme mostrou.  O que vi foi um rapaz que não conseguia sustentar nos ombros essa responsabilidade, não um que estava em dúvida sincera.  Aliás, nem vejo como ele poderia ter tal dúvida.

Provavelmente porque ele partiu de um sistema moral mais parecido com o meu do que com o seu. Tanto que minha conclusão é a mesma. Eu admito que você acredite que eu estou errado, mas ficaria ofendido se você acreditar que estou sendo leviano ou usando de má-fé.

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Talvez se possa alegar que ele já havia se dado o poder de decidir no caso do pedófilo, e não tinha condição de fazê-lo de novo.  Por outro lado, esse mesmo episódio mostra que ele não tem (ou não tinha na ocasião) toda essa confiança na Lei.

Realmente, o caso da execução sumária do pedófilo parece contraditório com a decisão que ele tomou quanto à menina. Entretanto não me parece que ele tenha refletido realmente sobre se era moral ou não matá-lo, muito menos se a justiça merecia confiança, ele agiu por impulso, tanto que se arrepende depois e alega que matar uma pessoa é simplesmente errado, não importa o motivo. A partir daí fica claro que ele tem um sistema moral deontológico.

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #11 Online: 02 de Janeiro de 2009, 21:12:43 »
Isso é da própria natureza da lei, e é o que estamos discutindo mais à frente sobre a legitimidade de se aplicar a punições a priori. De outra forma, o direito realmente só pode ser acionado após ocorrer um delito.

Esse é um dos motivos por que essa questão não é de Direito, e sim de Moral e Ética.

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Veja que explico que a razão de essa decisão ser irrelevante quando digo que continua sendo outro problema moral usar a força para levar adiante essa decisão. Ou seja, eles decidem que o fim "retirar a menina da mãe" é justo, mas a forma como eles tentam alcançar esse objetivo é injusta. Qualquer confrontação que envolve a própria vontade e o espaço de outra pessoa é delicada, é para arbitrar esse tipo de problema que existe a lei.

Nope.  Para isso existe a Ética.  A Lei e o Direito servem apenas para resolver situações concretas, sem abordar os méritos das questões morais subjacentes (embora muitas vezes pensem que sim).

Impressão minha, ou você acredita que a finalidade do Direito é resolver dilemas morais?

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Nossa responsabilidade claramente se estende também aos atos alheios com que compactuamos por omissão.  A própria idéia de "ato alheio" é mais artificial do que geralmente se admite, aliás.

Sem dúvida temos responsabilidade quando nos omitimos de interromper atos alheios claramente imorais. Mas vamos lembrar que não estamos falando de atos iminentes e nem certos, estamos falando de atos potenciais, atos a longo prazo que nem temos certeza de que serão efetuados realmente.

Atos prováveis, claramente indicados pela história e circunstâncias das pessoas envolvidas, e com consequências irreversíveis sobre a vida de uma criança inocente. 

Não esqueça que ela inclusive já havia sido exposta a riscos consideráveis pela própria mãe. 

Realmente não sei que motivo adicional se poderia pedir.

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Uma pessoa não pode tomar decisões por outra pessoa livre. Eu não posso decidir que amanhã você vai agredir ou deixar de agredir uma pessoa aleatoriamente na rua. Também não posso puni-lo pela possibilidade de vir a agredir alguém, isso é fazer das pessoas culpadas a priori, invertendo a lógica do direito democrático. A questão não é se a mãe merece ser punida por poder ser irresponsável no futuro, mas se ela merece ser punida por ter sido irresponsável no passado.

Não acho esse um pensamento particularmente recomendável, nem particularmente representativo quer do que de fato acontece, quer do que se deva buscar.
Democracia não é (no meu entender) esperar o melhor das pessoas a despeito de qualquer evidência ou histórico existentes.  Acho uma ingenuidade perigosa tentar tratar as pessoas como se elas não tivessem qualquer continuidade de atitude ou de mentalidade.

Nem eu disse que democracia é esperar o melhor das pessoas. Apenas tenho afirmado que se as pessoas tem culpa por atos passados, elas devem ser punidas por eles, não por atos futuros que apenas supomos que elas seriam capazes de fazer. O pensamento contrário é que considero mais perigoso.

Esse modelo não se aplica, já que a questão em foco é se devemos permitir que a criança continue exposta a riscos inaceitáveis ou em vez disso cercear os direitos da mãe biológica.

It's a no-brainer, really.

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A capacidade de cuidar da prole, entre os humanos, não tem tanto assim de inato.  É adquirida o bastante para que o governo francês, por exemplo, chegue a pagar servidores públicos especificamente para treinar mães de primeira viagem.

As mães desses próprios servidores públicos também foram treinadas? E as mães das mães deles?

Sim, costuma-se treinar mães.  Há cursos para isso, inclusive, em instituições como a Seicho-No-Ie. 

Espera-se que uma mãe tenha algum tipo de orientação prévia sobre como lidar com essa responsabilidade em vez de simplesmente confiar nos instintos... não?

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Se os cuidados dos pais com a prole não são inatos, como nossa espécie sobreviveu dois milhões de anos? Aliás, como a vida animal sobreviveu meio bilhão de anos?

No início, com muitos infortúnios, calculo.  Como tantas outras coisas antes da civilização começar a se estruturar.

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Os Conselhos Tutelares são acionados somente quando uma família claramente se mostra incapaz de cuidar de uma criança,

Case in point.

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mas felizmente esses são casos excepcionais, não são a regra.

Sinceramente, tenho minhas dúvidas.  Regra talvez não sejam, mas com certeza são um percentual nada desprezível.

Ou eu é que tenho tendência a conhecer gente suspeita, quem sabe? :)

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E de qualquer forma, o estado já tem um grande papel na criação das crianças hoje, já que ele participa em sua educação formal.

O que não adianta de muita coisa sem a estrutura afetiva e social básica.  Tanto que as escolas públicas tem se visto obrigadas a suprir também essas necessidades, com muitas dificuldades.

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Aparentemente estamos sim com abordagens bem constrastantes de moral.  Você parece focalizar a intenção, o discernimento e o castigo, eu prefiro definir moral em função das consequências e danos.

Deontologia x Utilitarismo. Até hoje não há um vencedor claro do debate.

Mas... tal conflito aqui?!?  Sinceramente não o vejo.

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Não há nenhum grande mistério em avaliar comportamento moral provável das pessoas.  Aparentemente você acredita bem mais em livre-arbítrio do que eu.

O conceito de livre-arbítrio tem seus problemas, claro, mas eu não vejo como a ética pode ser dissociada da ideia de que o ser humano tenha no mínimo alguma liberdade para tomar decisões, mesmo as mais difíceis.

Alguma, sim.  Mas isso é o de menos, já que são os fatos e não as intenções que definem o valor moral dos atos.

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Sem essa liberdade o ser humano é um autômato, punir um homem por matar outro seria como punir um leão por matar uma zebra, ou punir uma faca por cortar a garganta de alguém.

Falsa dicotomia; não se deixa de punir um ser humano por ele não ter tido escolha razoável.

Como aliás também não se deixa de punir um gato por ser um gato e precisar arranhar coisas, mas essa já é outra questão.

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Respondendo à sua última frase, eu simplesmente discordo.  Todos nós temos um grau limitado de liberdade (se tanto), mas nem por isso deixamos de ser responsáveis pelo que fazemos.

Concordo que há limites para a liberdade humana. Mas se a liberdade de decisão não existe, acho que um cérebro tão volumoso para possibilitar a faculdade da razão é um desperdício.

O cérebro trata dos processos cognitivos; não tem poder sobre liberdade de decisão.  Que eu saiba, pelo menos.

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(...)

Mas manter a criança longe da mãe biológica ERA a decisão mais correta.  Não vejo margem para dúvida pelo que o filme mostrou.  O que vi foi um rapaz que não conseguia sustentar nos ombros essa responsabilidade, não um que estava em dúvida sincera.  Aliás, nem vejo como ele poderia ter tal dúvida.

Provavelmente porque ele partiu de um sistema moral mais parecido com o meu do que com o seu. Tanto que minha conclusão é a mesma. Eu admito que você acredite que eu estou errado, mas ficaria ofendido se você acreditar que estou sendo leviano ou usando de má-fé.[/quote]

Talvez nos sentidos mais técnicos.

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Talvez se possa alegar que ele já havia se dado o poder de decidir no caso do pedófilo, e não tinha condição de fazê-lo de novo.  Por outro lado, esse mesmo episódio mostra que ele não tem (ou não tinha na ocasião) toda essa confiança na Lei.

Realmente, o caso da execução sumária do pedófilo parece contraditório com a decisão que ele tomou quanto à menina. Entretanto não me parece que ele tenha refletido realmente sobre se era moral ou não matá-lo,

De acordo, tanto que ele praticamente se arrependeu depois.  Foi um ato bastante visceral e irrefletido.  Eu diria mesmo que ele literalmente não conseguiu parar para pensar no que fazer.

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muito menos se a justiça merecia confiança, ele agiu por impulso, tanto que se arrepende depois e alega que matar uma pessoa é simplesmente errado, não importa o motivo. A partir daí fica claro que ele tem um sistema moral deontológico.

Ah, bem lembrado.  Tempos atrás concluí que ele está errado nesse particular.  Poucos atos (ou nenhum) são inerentemente imorais.  O que lhes empresta um significado moral são as consequências prováveis, ajustadas pelo nosso grau de capacidade de prever e discernir essas consequências.  Até mesmo matar pode ser moralmente necessário (por exemplo, para a defesa de inocentes).
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Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #12 Online: 02 de Janeiro de 2009, 22:58:24 »
Esse é um dos motivos por que essa questão não é de Direito, e sim de Moral e Ética.

Tudo bem. Mas em que medida um sequestro é uma atitude moral? A menina não parece ter sido consultada sobre sua preferência, se bem que provavelmente nem tem idade para decidir uma coisa dessas ainda, além disso, e o sofrimento causado às familiares da menina, desesperadas por saber seu paradeiro, imaginando que ela poderia estar sofrendo as piores violências?

Outra coisa: nós só supomos que o chefe de polícia aposentado e sua esposa dariam uma família melhor para a criança do que a própria mãe, mas isso é necessariamente verdade? Sabemos muito pouco sobre a vida privada dele para tirar essa conclusão, aliás, tudo o que sabemos sobre ele ouvimos de sua própria boca. O que nós sabemos sobre seus valores morais é que é uma pessoa capaz de planejar e executar o sequestro de uma criança - será que ele seria um exemplo tão bom assim?

Você não acha suspeito que ele tenha precisado recorrer a métodos ilegais para conseguir cuidar de uma criança? Não poderia ter tentado uma adoção, por exemplo? Se tentou, o fato de não ter conseguido não pode acender um sinal de alerta? Você se responsabilizaria por deixar uma criança nas mãos de alguém sobre quem sabe tão pouco? Não concorda que um processo judicial de transferência de guada, no qual a justiça tivesse amplas condições de avaliar famílias candidatas e decidir pela melhor seria muito mais adequado?

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Nope.  Para isso existe a Ética.  A Lei e o Direito servem apenas para resolver situações concretas, sem abordar os méritos das questões morais subjacentes (embora muitas vezes pensem que sim).

Impressão minha, ou você acredita que a finalidade do Direito é resolver dilemas morais?

Alguns dilemas morais são insolúveis. Dependem de visões de mundo muito particulares, por exemplo, a questão do aborto, cuja polêmica toda está em decidir se um embrião é um ser humano ou não. Uma vez que uma pessoa firma uma posição sobre se é ou não é, não haverá como ela se entender com quem tenha a posição contrária.

Cabe à lei estabelecer que regras serão seguidas pelas pessoas e ela deve se orientar na ética ao máximo possível, mas é claro que nem sempre "o máximo possível" é o suficiente.

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Atos prováveis, claramente indicados pela história e circunstâncias das pessoas envolvidas, e com consequências irreversíveis sobre a vida de uma criança inocente. 

Não esqueça que ela inclusive já havia sido exposta a riscos consideráveis pela própria mãe. 

Realmente não sei que motivo adicional se poderia pedir.

Acredito que a mãe deveria ser responsabilizada por seus atos passados de negligência (mas não pelos futuros, claro), concordo que ela deu motivos suficientes para ter a guarda da criança questionada. Só não acredito que seja válido resolver essa situação com um sequestro.

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Esse modelo não se aplica, já que a questão em foco é se devemos permitir que a criança continue exposta a riscos inaceitáveis ou em vez disso cercear os direitos da mãe biológica.

It's a no-brainer, really.

Seu argumento até faz sentido do ponto de vista do Direito, mas não do ponto de vista da Lógica. O argumento "criança foi exposta a riscos inaceitaveis pela mãe no passado, logo ela será exposta a riscos inaceitáveis no futuro" é um caso de indução, e acredito que você tenha conhecimento de que indução lógica é uma falácia, a conclusão não segue das premissas. Nesse caso você não pode invocar a Ética para pedir a perda de guarda da mãe.

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Sim, costuma-se treinar mães.  Há cursos para isso, inclusive, em instituições como a Seicho-No-Ie.

Espera-se que uma mãe tenha algum tipo de orientação prévia sobre como lidar com essa responsabilidade em vez de simplesmente confiar nos instintos... não?

Minha mãe nunca ouviu falar disso. Nem a mãe dela, e nem a mãe da mãe dela... Embora eu não reprove iniciativas de oferecer um treinamento mais "científico" de mães, ainda acredito que a maternidade é uma característica inata dos mamíferos em geral, afinal, confiamos nos instintos por quase a totalidade de nossa história evolutiva e ainda não fomos extintos...

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No início, com muitos infortúnios, calculo.  Como tantas outras coisas antes da civilização começar a se estruturar.

As mães mais desafortunadas não deixaram muitos descendentes, de forma que a maioria das pessoas vivas hoje descendem de uma linhagem de mães, se não perfeitas, pelo menos boas o bastante. Claro que uma ajudinha da razão, hoje em dia que a temos disponível, é muito bem vinda, mas daí a você propor que as pessoas precisem fazer um curso e ter autorização do governo para ter filhos, eu acho um grande exagero.

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mas felizmente esses são casos excepcionais, não são a regra.

Sinceramente, tenho minhas dúvidas.  Regra talvez não sejam, mas com certeza são um percentual nada desprezível.

Ou eu é que tenho tendência a conhecer gente suspeita, quem sabe? :)

Quem sabe aulas sobre paternidade responsável, junto com as de orientação sexual nas escolas não seriam uma boa idéia?
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E de qualquer forma, o estado já tem um grande papel na criação das crianças hoje, já que ele participa em sua educação formal.

O que não adianta de muita coisa sem a estrutura afetiva e social básica.  Tanto que as escolas públicas tem se visto obrigadas a suprir também essas necessidades, com muitas dificuldades.

De qualquer forma, como você espera que o Estado dê afeto em massa a milhões de crianças? E mesmo que ele tente, você espera que ele tenha resultados melhores do que as próprias famílias?

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Deontologia x Utilitarismo. Até hoje não há um vencedor claro do debate.

Mas... tal conflito aqui?!?  Sinceramente não o vejo.[/quote]

A mim me parece que, grosso modo, você julga o valor moral de uma ação pelos seus resultados - utilitarismo; enquanto eu pelo dever moral - deontologia.

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O conceito de livre-arbítrio tem seus problemas, claro, mas eu não vejo como a ética pode ser dissociada da ideia de que o ser humano tenha no mínimo alguma liberdade para tomar decisões, mesmo as mais difíceis.

Alguma, sim.  Mas isso é o de menos, já que são os fatos e não as intenções que definem o valor moral dos atos.

Aí, tá vendo? Eu penso o contrário, as intenções são mais importantes que os atos ao se julgar um valor moral. Caso importantes fossem os fatos, independente das intenções, você poderia atribuir valor moral a uma jaca que cai na cabeça de um ladrão.

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Falsa dicotomia; não se deixa de punir um ser humano por ele não ter tido escolha razoável.

Acho que você está errado. Tanto que não se pune uma pessoa que mata por legítima defesa ou que rouba para não morrer de fome.

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Como aliás também não se deixa de punir um gato por ser um gato e precisar arranhar coisas, mas essa já é outra questão.

Aí já é com razões de adestramento. Mas se seu gato arranha suas coisas você não vai julgar o seu caráter, não é? Se seu gato ataca o seu aquário e come seu peixinho, você o acusa de assassinato? Se fosse eu a matar o seu peixinho, isso não seria mais grave?

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Concordo que há limites para a liberdade humana. Mas se a liberdade de decisão não existe, acho que um cérebro tão volumoso para possibilitar a faculdade da razão é um desperdício.

O cérebro trata dos processos cognitivos; não tem poder sobre liberdade de decisão.  Que eu saiba, pelo menos.

Tomar uma decisão não é um processo cognitivo? Se não é com nosso cérebro que tomamos decisões, então é com quê?

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Ah, bem lembrado.  Tempos atrás concluí que ele está errado nesse particular.  Poucos atos (ou nenhum) são inerentemente imorais.  O que lhes empresta um significado moral são as consequências prováveis, ajustadas pelo nosso grau de capacidade de prever e discernir essas consequências.  Até mesmo matar pode ser moralmente necessário (por exemplo, para a defesa de inocentes).

Não discordo, mas deve-se levar em conta que a intenção do sujeito é importante para dar valor moral à ação. Uma pessoa que acidentalmente atropela um psicopata que ia matar dez pessoas não é um herói. O Dexter, daquele seriado de um psicopata que mata psicopatas também não é uma pessoa boa.

Offline Luis Dantas

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #13 Online: 03 de Janeiro de 2009, 00:08:25 »
O Dever moral não é definido pela moral

Por isso o conflito entre utilitarismo e deontologia me parece mais aparente do que real.
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Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #14 Online: 03 de Janeiro de 2009, 00:44:48 »
Tudo bem. Mas em que medida um sequestro é uma atitude moral? A menina não parece ter sido consultada sobre sua preferência, se bem que provavelmente nem tem idade para decidir uma coisa dessas ainda, além disso, e o sofrimento causado às familiares da menina, desesperadas por saber seu paradeiro, imaginando que ela poderia estar sofrendo as piores violências?

De fato, os sentimentos da tia (e até certo ponto da mãe, que é negligente mas não é perversa) são argumentos contra.  Não creio que sejam decisivos, porém.

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Outra coisa: nós só supomos que o chefe de polícia aposentado e sua esposa dariam uma família melhor para a criança do que a própria mãe, mas isso é necessariamente verdade? Sabemos muito pouco sobre a vida privada dele para tirar essa conclusão, aliás, tudo o que sabemos sobre ele ouvimos de sua própria boca. O que nós sabemos sobre seus valores morais é que é uma pessoa capaz de planejar e executar o sequestro de uma criança - será que ele seria um exemplo tão bom assim?

Considerando os riscos que correu, seu histórico, e a forma como aceitou ter sua pensão de aposentadoria reduzida à metade para levar adiante o plano, eu diria que temos todos os motivos razoáveis para crer nisso, sim.

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Você não acha suspeito que ele tenha precisado recorrer a métodos ilegais para conseguir cuidar de uma criança?

O filme deixou claro que ele não queria simplesmente adotar uma criança, e sim oferecer um lar melhor para uma criança que tinha toda probabilidade de ser atingida seriamente pela negligência da mãe.

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Não poderia ter tentado uma adoção, por exemplo? Se tentou, o fato de não ter conseguido não pode acender um sinal de alerta? Você se responsabilizaria por deixar uma criança nas mãos de alguém sobre quem sabe tão pouco?

Eu aceito passivamente que tantas crianças fiquem com pessoas que sei que não as merecem.  Por que me oporia em uma situação dessas?

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Não concorda que um processo judicial de transferência de guarda, no qual a justiça tivesse amplas condições de avaliar famílias candidatas e decidir pela melhor seria muito mais adequado?

Talvez.  Ou talvez não.  A Lei raramente é capaz de decidir com sabedoria assuntos de família.

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Nope.  Para isso existe a Ética.  A Lei e o Direito servem apenas para resolver situações concretas, sem abordar os méritos das questões morais subjacentes (embora muitas vezes pensem que sim).

Impressão minha, ou você acredita que a finalidade do Direito é resolver dilemas morais?

Alguns dilemas morais são insolúveis. Dependem de visões de mundo muito particulares, por exemplo, a questão do aborto, cuja polêmica toda está em decidir se um embrião é um ser humano ou não. Uma vez que uma pessoa firma uma posição sobre se é ou não é, não haverá como ela se entender com quem tenha a posição contrária.

A questão do aborto tem solução.  Só que essa solução não pode ser limitada à esfera da decisão de abortar ou evitar o aborto simplesmente; é preciso atuar nas causas sociais e econômicas.

Penso que é essa a finalidade prática da moral e da ética: oferecer soluções práticas para dilemas morais, apontando medidas concretas.  Não necessariamente restritas ao problema originalmente enunciado, mas ainda assim medidas concretas.

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Cabe à lei estabelecer que regras serão seguidas pelas pessoas e ela deve se orientar na ética ao máximo possível, mas é claro que nem sempre "o máximo possível" é o suficiente.

A Lei não é a Ética; não pode substituí-la sem que haja distorção.  E distorção, para certos assuntos de interesse humano maior, não é algo que possa ser tolerado.

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Acredito que a mãe deveria ser responsabilizada por seus atos passados de negligência (mas não pelos futuros, claro), concordo que ela deu motivos suficientes para ter a guarda da criança questionada. Só não acredito que seja válido resolver essa situação com um sequestro.

Sequestro dificilmente é a melhor solução, concordo.  Só não posso te dizer que acredito sinceramente que disputa judicial seja em algum sentido melhor.

Não questionamos atos futuros prováveis com frequência?  Não é por isso que há, por exemplo, ordens judiciais para que certas pessoas se mantenham longe de outras?

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Esse modelo não se aplica, já que a questão em foco é se devemos permitir que a criança continue exposta a riscos inaceitáveis ou em vez disso cercear os direitos da mãe biológica.

It's a no-brainer, really.

Seu argumento até faz sentido do ponto de vista do Direito, mas não do ponto de vista da Lógica. O argumento "criança foi exposta a riscos inaceitaveis pela mãe no passado, logo ela será exposta a riscos inaceitáveis no futuro" é um caso de indução, e acredito que você tenha conhecimento de que indução lógica é uma falácia, a conclusão não segue das premissas. Nesse caso você não pode invocar a Ética para pedir a perda de guarda da mãe.

Como OUSA me acusar de ter mais simpatia pelo Direito do que pela Ética e pela Lógica?!? :)     Vou contar para minha mãe :(

Falando sério agora, acho que vou ter de concordar em discordar neste ponto.  Acho sim que seria a decisão lógica, ética e natural.

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As mães mais desafortunadas não deixaram muitos descendentes, de forma que a maioria das pessoas vivas hoje descendem de uma linhagem de mães, se não perfeitas, pelo menos boas o bastante.

A evidência anedótica que tenho para oferecer aponta no sentido oposto, infelizmente :(

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Quem sabe aulas sobre paternidade responsável, junto com as de orientação sexual nas escolas não seriam uma boa idéia?

Não é das piores :)  embora eu ache que esse tipo de assunto tem de ser mobilizado pela população, mais do que pelo Estado.

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De qualquer forma, como você espera que o Estado dê afeto em massa a milhões de crianças? E mesmo que ele tente, você espera que ele tenha resultados melhores do que as próprias famílias?

Não, claro que não espero. 

Acredito e espero que eventualmente surgirão movimentos sociais para a paternidade responsável, independentes do Estado e provavelmente em algum grau conflitantes com este.   Movimentos que entre outras coisas questionem e fiscalizem a qualidade e o alcance da atividade do Ensino Público, das instituições carcerárias voltadas aos adolescentes, dos Conselhos Tutelares.

Eu nunca confiaria apenas no Estado para algo tão importante.

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O conceito de livre-arbítrio tem seus problemas, claro, mas eu não vejo como a ética pode ser dissociada da ideia de que o ser humano tenha no mínimo alguma liberdade para tomar decisões, mesmo as mais difíceis.

Alguma, sim.  Mas isso é o de menos, já que são os fatos e não as intenções que definem o valor moral dos atos.

Aí, tá vendo? Eu penso o contrário, as intenções são mais importantes que os atos ao se julgar um valor moral.[/quote]

Para avaliar possíveis punições, provavelmente são mesmo.

Para definir metas desejáveis para a sociedade, não, não acho que sejam.

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Caso importantes fossem os fatos, independente das intenções, você poderia atribuir valor moral a uma jaca que cai na cabeça de um ladrão.

Se houvesse como influenciar a chance da jaca cair, imagino que sim :)

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Falsa dicotomia; não se deixa de punir um ser humano por ele não ter tido escolha razoável.

Acho que você está errado. Tanto que não se pune uma pessoa que mata por legítima defesa ou que rouba para não morrer de fome.

Tem certeza de que não?


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Como aliás também não se deixa de punir um gato por ser um gato e precisar arranhar coisas, mas essa já é outra questão.

Aí já é com razões de adestramento. Mas se seu gato arranha suas coisas você não vai julgar o seu caráter, não é? Se seu gato ataca o seu aquário e come seu peixinho, você o acusa de assassinato? Se fosse eu a matar o seu peixinho, isso não seria mais grave?

Seria mais grave, mas apenas porque a sua bagagem cultural lhe dá motivos para evitar tal ato.  O gato não tem essa capacidade, e nesse sentido não tem caráter algum.  Outra pessoa, de outra cultura, poderia (por exemplo) achar que comer o peixe do aquário é algum tipo de bom sortilégio.

Nem por isso o dano deixaria de ser real.  E portanto, o valor moral do ato não mudaria significativamente, mas a forma de encorajar uma mudança de rumo, essa sim poderia mudar.

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Concordo que há limites para a liberdade humana. Mas se a liberdade de decisão não existe, acho que um cérebro tão volumoso para possibilitar a faculdade da razão é um desperdício.

O cérebro trata dos processos cognitivos; não tem poder sobre liberdade de decisão.  Que eu saiba, pelo menos.

Tomar uma decisão não é um processo cognitivo? Se não é com nosso cérebro que tomamos decisões, então é com quê?[/quote]

Eu me referia ao órgão biológico em si.  Ele processa informação e gerencia muitas funções do organismo, mas não há evidências conclusivas sobre até que ponto ele nos capacita a decidir livremente.  Muitas das nossas decisões, talvez a esmagadora maioria, se devem muito mais a condicionamentos e idiosincracias do que à lógica.

Aliás, culturalmente o ser humano é um tanto avesso à lógica, talvez mais do que outros animais.

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Não discordo, mas deve-se levar em conta que a intenção do sujeito é importante para dar valor moral à ação. Uma pessoa que acidentalmente atropela um psicopata que ia matar dez pessoas não é um herói. O Dexter, daquele seriado de um psicopata que mata psicopatas também não é uma pessoa boa.

Um ato acidental não tem valor moral exceto, é claro, por acidente, concordo.

Dexter é outra história.  Ele flerta constantemente com o próprio apreço pelo homicídio, sim.  Em uma situação real ele dificilmente conseguiria ficar muito tempo sem se deixar levar por racionalizações e perder o rumo de vez.  Mas é teoricamente possível matar intencionalmente "virtuosamente", pelo menos em condições bem específicas.  Vem daí o mito dos heróis de guerra, inclusive.
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Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #15 Online: 03 de Janeiro de 2009, 14:03:52 »
Considerando os riscos que correu, seu histórico, e a forma como aceitou ter sua pensão de aposentadoria reduzida à metade para levar adiante o plano, eu diria que temos todos os motivos razoáveis para crer nisso, sim.

Na verdade ele pôs a menina em risco, inclusive o risco de sofrer traumas psicológicos pela separação da mãe. Acho que a garota tinha idade suficiente para saber quem era sua mãe de verdade, quem sabe quando crescesse mais, ela não entenderia que foi vítima de seqüestro?

E tudo o que sabemos do histórico do policial ouvimos da boca dele ou de seus cúmplices, ou seja, não são julgamentos imparciais. Esse tipo de dúvida quanto ao caráter dele seria dissipada em um processo judicial transparente.

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O filme deixou claro que ele não queria simplesmente adotar uma criança, e sim oferecer um lar melhor para uma criança que tinha toda probabilidade de ser atingida seriamente pela negligência da mãe.

E por que não oferecer um lar a uma criança sem nenhum? Essa desculpa não me convence, ele tinha a opção de fazer a coisa certa e escolheu criar toda uma farsa, simular um sequestro e deixar as parentes da vítima em desespero. Isso não justifica preferir um sequestro a uma adoção.

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Eu aceito passivamente que tantas crianças fiquem com pessoas que sei que não as merecem.  Por que me oporia em uma situação dessas?

Falsa bifurcação. Por que não um processo transparente na justiça?

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A questão do aborto tem solução.  Só que essa solução não pode ser limitada à esfera da decisão de abortar ou evitar o aborto simplesmente; é preciso atuar nas causas sociais e econômicas.

Não é esse o mérito da questão, não questiono se a necessidade de abortar pode ser evitada, mas se o ato em si é ético ou não. Aí reside a polêmica.

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Penso que é essa a finalidade prática da moral e da ética: oferecer soluções práticas para dilemas morais, apontando medidas concretas.  Não necessariamente restritas ao problema originalmente enunciado, mas ainda assim medidas concretas.

Funciona se ambas as partes, após um diálogo, chegarem a um acordo. Se não chegarem, aí vão precisar recorrer a uma instância superior, que é a Justiça.

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A Lei não é a Ética; não pode substituí-la sem que haja distorção.  E distorção, para certos assuntos de interesse humano maior, não é algo que possa ser tolerado.

Ética não é Matemática. Você não pode oferecer uma demonstração irrefutável de que a sua conclusão é a correta, e não a minha. Onde você vê uma distorção, eu posso não ver. Como resolver o dilema então? Passando por cima da Lei e fazendo o que você bem entender? Ou resolver o problema de forma civilizada através das instituições democráticas?

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Sequestro dificilmente é a melhor solução, concordo.  Só não posso te dizer que acredito sinceramente que disputa judicial seja em algum sentido melhor.

Caramba, você não dá o menor valor à Justiça, não é mesmo? :o

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Não questionamos atos futuros prováveis com frequência?  Não é por isso que há, por exemplo, ordens judiciais para que certas pessoas se mantenham longe de outras?

Verdade. Mas isso é conseqüência de o Direito nem sempre se ater à lógica. Agora caímos de novo na diferença entre a Lei e a Ética.

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Como OUSA me acusar de ter mais simpatia pelo Direito do que pela Ética e pela Lógica?!? :)     Vou contar para minha mãe :(

Falando sério agora, acho que vou ter de concordar em discordar neste ponto.  Acho sim que seria a decisão lógica, ética e natural.

Sinto muito, mas vou ter que insistir: não é lógico tirar conclusões por indução.

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Acho que você está errado. Tanto que não se pune uma pessoa que mata por legítima defesa ou que rouba para não morrer de fome.

Tem certeza de que não?

:?:

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Aí já é com razões de adestramento. Mas se seu gato arranha suas coisas você não vai julgar o seu caráter, não é? Se seu gato ataca o seu aquário e come seu peixinho, você o acusa de assassinato? Se fosse eu a matar o seu peixinho, isso não seria mais grave?

Seria mais grave, mas apenas porque a sua bagagem cultural lhe dá motivos para evitar tal ato.  O gato não tem essa capacidade, e nesse sentido não tem caráter algum.  Outra pessoa, de outra cultura, poderia (por exemplo) achar que comer o peixe do aquário é algum tipo de bom sortilégio.

E o poder de eu decidir se vou matar ou não o seu peixinho, não conta nadinha?

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Tomar uma decisão não é um processo cognitivo? Se não é com nosso cérebro que tomamos decisões, então é com quê?

Eu me referia ao órgão biológico em si.  Ele processa informação e gerencia muitas funções do organismo, mas não há evidências conclusivas sobre até que ponto ele nos capacita a decidir livremente.  Muitas das nossas decisões, talvez a esmagadora maioria, se devem muito mais a condicionamentos e idiosincracias do que à lógica.[/quote]

Mas a lógica não tem poder de influenciar? Não podemos decidir logicamente se quisermos e nos esforçarmos?

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Aliás, culturalmente o ser humano é um tanto avesso à lógica, talvez mais do que outros animais.

Duvido que outros animais sequer conheçam a lógica.

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Um ato acidental não tem valor moral exceto, é claro, por acidente, concordo.

Dexter é outra história.  Ele flerta constantemente com o próprio apreço pelo homicídio, sim.  Em uma situação real ele dificilmente conseguiria ficar muito tempo sem se deixar levar por racionalizações e perder o rumo de vez.  Mas é teoricamente possível matar intencionalmente "virtuosamente", pelo menos em condições bem específicas.  Vem daí o mito dos heróis de guerra, inclusive.

Não concordo que matar em guerras seja um ato de heroísmo. Eu poderia absolver um soldado pensando que ele matou por legítima defesa, mas matar por uma nação não é melhor do que matar por outro motivo qualquer.

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #16 Online: 03 de Janeiro de 2009, 16:24:36 »
Na verdade ele pôs a menina em risco, inclusive o risco de sofrer traumas psicológicos pela separação da mãe. Acho que a garota tinha idade suficiente para saber quem era sua mãe de verdade, quem sabe quando crescesse mais, ela não entenderia que foi vítima de seqüestro?

Isso não me parece verossímil, muito menos sustentado pelo que o filme mostrou.  O que, aliás, é minha maior frustração diante desse filme: a menina parecia mal se dar conta de que havia mudado de lar, seja quando foi, seja quando voltou.

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E tudo o que sabemos do histórico do policial ouvimos da boca dele ou de seus cúmplices, ou seja, não são julgamentos imparciais. Esse tipo de dúvida quanto ao caráter dele seria dissipada em um processo judicial transparente.

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O filme deixou claro que ele não queria simplesmente adotar uma criança, e sim oferecer um lar melhor para uma criança que tinha toda probabilidade de ser atingida seriamente pela negligência da mãe.

E por que não oferecer um lar a uma criança sem nenhum?

Aparentemente porque o personagem pensa como eu: uma mãe negligente é bem pior do que nenhuma.

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Essa desculpa não me convence, ele tinha a opção de fazer a coisa certa e escolheu criar toda uma farsa, simular um sequestro e deixar as parentes da vítima em desespero. Isso não justifica preferir um sequestro a uma adoção.

Sem dúvida há um grau de interesse próprio atuando.  Não se segue necessariamente que ele deva ser frustrado. 

A adoção, na situação em questão, parece improvável, devido aos obstáculos legais: tecnicamente falando a menina teria uma mãe - mais ainda, um casal de tios vivendo na mesma casa - que tornam a adoção praticamente impossível.

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Eu aceito passivamente que tantas crianças fiquem com pessoas que sei que não as merecem.  Por que me oporia em uma situação dessas?

Falsa bifurcação. Por que não um processo transparente na justiça?

Porque dificilmente seria bem-sucedido, e a Lei não deve se sobrepor à Justiça, claro.

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A questão do aborto tem solução.  Só que essa solução não pode ser limitada à esfera da decisão de abortar ou evitar o aborto simplesmente; é preciso atuar nas causas sociais e econômicas.

Não é esse o mérito da questão, não questiono se a necessidade de abortar pode ser evitada, mas se o ato em si é ético ou não. Aí reside a polêmica.

É claramente impossível julgar a validade ética do ato de aborto sem considerar o contexto maior.  Principalmente o contexto familiar e sócio-econômico da gestante, mas também a mentalidade cultural predominante.

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Penso que é essa a finalidade prática da moral e da ética: oferecer soluções práticas para dilemas morais, apontando medidas concretas.  Não necessariamente restritas ao problema originalmente enunciado, mas ainda assim medidas concretas.

Funciona se ambas as partes, após um diálogo, chegarem a um acordo. Se não chegarem, aí vão precisar recorrer a uma instância superior, que é a Justiça.

Superior, não.  Final, definitiva, legalmente sustentada, o que seja. 

Mas "superior", só nos sonhos mal orientados de alguns e em nomenclaturas mal escolhidas... :)

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A Lei não é a Ética; não pode substituí-la sem que haja distorção.  E distorção, para certos assuntos de interesse humano maior, não é algo que possa ser tolerado.

Ética não é Matemática. Você não pode oferecer uma demonstração irrefutável de que a sua conclusão é a correta, e não a minha. Onde você vê uma distorção, eu posso não ver. Como resolver o dilema então? Passando por cima da Lei e fazendo o que você bem entender? Ou resolver o problema de forma civilizada através das instituições democráticas?

Levando a questão para o seu verdadeiro foro, que é a mentalidade e o discernimento da sociedade.  É nos corações e mentes das várias camadas da sociedade que se define o que é ou não válido.  Sim, é um saco de gatos, mas é também a única maneira.

E sim, de fato isso envolve "passar por cima" da Lei, questioná-la incessantemente, cobrar dela o reconhecimento dos valores reais e, por que não dizer, violá-la seguidamente como a uma vadia barata se preciso for.  Sempre, é claro, entendendo que violar a lei pode e deve ter consequências... mas também que essas consequências podem e devem ser amplamente discutidas pela sociedade e guiar a revisão da Lei.

É o que acontece na prática com tantas questões controversas, inclusive o uso de drogas (lamentavelmente) e o próprio aborto.  Infelizmente falta a maturidade cultural de assumir as primeiras etapas e se parte direto para a última, enfraquecendo mais ainda a legitimidade da Lei.

Lei não deve jamais ser tratada como referencial de certo e errado.  Ela não tem essa função, e não se presta para tal a não ser de forma caricatural.

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Sequestro dificilmente é a melhor solução, concordo.  Só não posso te dizer que acredito sinceramente que disputa judicial seja em algum sentido melhor.

Caramba, você não dá o menor valor à Justiça, não é mesmo? :o

À Justiça, dou sim, muito.  E por isso mesmo não aceito que a Lei se travesta como tal. 

Justiça é patrimônio do discernimento e boa-vontade coletivos da humanidade, não de um punhado de figuras com poder político.

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Não questionamos atos futuros prováveis com frequência?  Não é por isso que há, por exemplo, ordens judiciais para que certas pessoas se mantenham longe de outras?

Verdade. Mas isso é conseqüência de o Direito nem sempre se ater à lógica. Agora caímos de novo na diferença entre a Lei e a Ética.

Não é antes um exemplo do Direito reconhecendo que logicamente faz sentido supor que uma pessoa que importunou outra no passado tem razoável probabilidade de voltar a fazê-lo? 

Pessoas tem uma certa continuidade de conduta, principalmente quando não são comunicadas de forma clara que devem mudá-la.  O que é um problema quando esbarramos em tabus sociais como o dos direitos dos pais biológicos sobre os filhos.

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(...)
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Acho que você está errado. Tanto que não se pune uma pessoa que mata por legítima defesa ou que rouba para não morrer de fome.

Tem certeza de que não?

:?:

Não tenho um exemplo à mão agora (posso procurar se você quiser), mas aquele velho ditado de que "no Brasil ladrão só vai preso se for ladrão de galinha" tem algum fundamento.  Há casos de pessoas que roubaram, digamos, duas latas de alimento em um supermercado e foram presas por isso.

É complicado avaliar esses casos, até porque não são exatamente raras as comunidades miseráveis a ponto de ser difícil saber o que elas poderiam fazer em defesa da própria subsistência.

Quanto à primeira parte, não acho que se possa afirmar que não se pune quem mata em legítima defesa em afirmar também, implicitamente, que a legítima defesa sempre é corretamente reconhecida.  O que dificilmente será verdade, você há de concordar.

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(...) E o poder de eu decidir se vou matar ou não o seu peixinho, não conta nadinha?

Conta, mas não muito.  O seu caráter só entra em questão se eu tiver motivos para crer que você valoriza a vida do peixe, o que por sua vez depende quase completamente do tipo de ambiente cultural que você conheceu. 

Um gaúcho da fronteira não vê nada de mais em abater um boi; um hindu tradicional pode ficar escandalizado.  E nada posso afirmar sobre o caráter de qualquer um dos dois em função disso.

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(...)Mas a lógica não tem poder de influenciar? Não podemos decidir logicamente se quisermos e nos esforçarmos?

Em algum grau, sim.  Mas não sei sequer como mensurar esse grau, e suspeito que seja decepcionantemente baixo.

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Aliás, culturalmente o ser humano é um tanto avesso à lógica, talvez mais do que outros animais.

Duvido que outros animais sequer conheçam a lógica.

Oh, não.  Outros animais são capazes inclusive de aprender linguagens abstratas.  É claro que eles tem uma capacidade racional considerável.  O que não tem ainda é uma linguagem verbal efetiva.

Citar
Citar
Um ato acidental não tem valor moral exceto, é claro, por acidente, concordo.

Dexter é outra história.  Ele flerta constantemente com o próprio apreço pelo homicídio, sim.  Em uma situação real ele dificilmente conseguiria ficar muito tempo sem se deixar levar por racionalizações e perder o rumo de vez.  Mas é teoricamente possível matar intencionalmente "virtuosamente", pelo menos em condições bem específicas.  Vem daí o mito dos heróis de guerra, inclusive.

Não concordo que matar em guerras seja um ato de heroísmo. Eu poderia absolver um soldado pensando que ele matou por legítima defesa, mas matar por uma nação não é melhor do que matar por outro motivo qualquer.

Herói de guerra realmente é um conceito no mínimo problemático, a não ser que você esteja se referindo a um Schindler da vida. :)
« Última modificação: 03 de Janeiro de 2009, 16:29:07 por Luis Dantas »
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Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #17 Online: 03 de Janeiro de 2009, 18:03:15 »
Isso não me parece verossímil, muito menos sustentado pelo que o filme mostrou.  O que, aliás, é minha maior frustração diante desse filme: a menina parecia mal se dar conta de que havia mudado de lar, seja quando foi, seja quando voltou.

Provavelmente mentiram para a menina, disseram que a mãe deixou a 'tia' e o 'tio' cuidando dela.

Citar
Sem dúvida há um grau de interesse próprio atuando.  Não se segue necessariamente que ele deva ser frustrado. 

A adoção, na situação em questão, parece improvável, devido aos obstáculos legais: tecnicamente falando a menina teria uma mãe - mais ainda, um casal de tios vivendo na mesma casa - que tornam a adoção praticamente impossível.

Não estava me referindo à adoção dessa menina em particular. Mas sem dúvida seria possível os tios entrarem na justiça para requerer a guarda da criança. Aliás, eles poderiam até agir desonestamente para facilitar isso, o policial interpretado pelo Ed Harris, por exemplo, admite durante o filme ter forjado provas para incriminar um suspeito, seria fácil ele acusar a moça de tráfico de drogas. Eles não pensaram nessa idéia (que também é espúria).

Citar
Porque dificilmente seria bem-sucedido, e a Lei não deve se sobrepor à Justiça, claro.

Justiça com as própria mãos?

Citar
É claramente impossível julgar a validade ética do ato de aborto sem considerar o contexto maior.  Principalmente o contexto familiar e sócio-econômico da gestante, mas também a mentalidade cultural predominante.

Não acredito em relativismo cultural. Ou o ato de abortar é ético ou não é.

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Superior, não.  Final, definitiva, legalmente sustentada, o que seja. 

Mas "superior", só nos sonhos mal orientados de alguns e em nomenclaturas mal escolhidas... :)

:lol: Fico com a segunda opção então.

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Levando a questão para o seu verdadeiro foro, que é a mentalidade e o discernimento da sociedade.  É nos corações e mentes das várias camadas da sociedade que se define o que é ou não válido.  Sim, é um saco de gatos, mas é também a única maneira.

E sim, de fato isso envolve "passar por cima" da Lei, questioná-la incessantemente, cobrar dela o reconhecimento dos valores reais e, por que não dizer, violá-la seguidamente como a uma vadia barata se preciso for.  Sempre, é claro, entendendo que violar a lei pode e deve ter consequências... mas também que essas consequências podem e devem ser amplamente discutidas pela sociedade e guiar a revisão da Lei.

É o que acontece na prática com tantas questões controversas, inclusive o uso de drogas (lamentavelmente) e o próprio aborto.  Infelizmente falta a maturidade cultural de assumir as primeiras etapas e se parte direto para a última, enfraquecendo mais ainda a legitimidade da Lei.

Lei não deve jamais ser tratada como referencial de certo e errado.  Ela não tem essa função, e não se presta para tal a não ser de forma caricatural.

Bom acho que se eu disser que existem mecanismos democráticos para alterar a lei eu estarei me repetindo. Eu concordo que a Lei nem sempre representa o que é eticamente correto, mas também não concordo que atropelar contra a ética em nome dos próprios interesses disfarçados como um suposto bem maior seja válido. Deve haver um limite. Ou será que matar a mãe de Amanda para tomar a guarda dela seria válido?

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À Justiça, dou sim, muito.  E por isso mesmo não aceito que a Lei se travesta como tal. 

Justiça é patrimônio do discernimento e boa-vontade coletivos da humanidade, não de um punhado de figuras com poder político.
Acredito que Justiça com j maiúsculo diz respeito à instituição, não ao ideal.

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Não é antes um exemplo do Direito reconhecendo que logicamente faz sentido supor que uma pessoa que importunou outra no passado tem razoável probabilidade de voltar a fazê-lo? 

Pessoas tem uma certa continuidade de conduta, principalmente quando não são comunicadas de forma clara que devem mudá-la.  O que é um problema quando esbarramos em tabus sociais como o dos direitos dos pais biológicos sobre os filhos.

Por mais que isso faça sentido do ponto de vista da experiência cotidiana e que usemos conclusões por indução em nossa vida prática (e portanto não admira que seja válida no Direito, que se baseia muito no senso comum), logicamente essa conclusão não é válida. Mas, sendo a ética uma disciplina da filosofia, não podemos ignorar a lógica.

Citar
Não tenho um exemplo à mão agora (posso procurar se você quiser), mas aquele velho ditado de que "no Brasil ladrão só vai preso se for ladrão de galinha" tem algum fundamento.  Há casos de pessoas que roubaram, digamos, duas latas de alimento em um supermercado e foram presas por isso.

É complicado avaliar esses casos, até porque não são exatamente raras as comunidades miseráveis a ponto de ser difícil saber o que elas poderiam fazer em defesa da própria subsistência.

De qualquer forma essa é uma distorção na lei. Uma pessoa não diz que no Brasil só vai preso ladrão de galinha, a não ser como expressão de revolta e inconformismo. No senso moral das pessoas, quem rouba para comer é inocente. Mas na verdade, sobre os crimes famélicos, que são esses que ocorrem em caso de extrema necessidade, encontrei este artigo aqui: http://www.ufsm.br/direito/artigos/penal/furtofamelico.htm

Daí tiro a seguinte citação:

Citar
O furto famélico ocorre nas situações em que a pessoa em estado de extrema penúria tem a inadiável necessidade de se alimentar, e com este fito, subtrai algo de terceiro. 

 

O furto famélico não é um crime (TACrimSP, 82:206 e 86:425), pois o agente está subtraindo coisa alheia para que ele ou outrem não morra ou sofra lesão fisiológica decorrente da inanição, de modo que este era o único procedimento que ele poderia dispor.

 

            O agente não será punido, pois a sua conduta não é criminosa, ele age em estado de necessidade, que é uma causa de exclusão de antijuridicidade. As causas de exclusão de antijuridicidade são normas que permitem a prática de um fato descrito na lei como delituoso. Exemplo: Se Brutus furta César, ele será punido, entretanto se Brutus estava passando fome e furtou César com o intuito de se alimentar, não haverá punição, pois o estado de necessidade permite que o ato reputado como ilícito seja praticado.   

Citar
Quanto à primeira parte, não acho que se possa afirmar que não se pune quem mata em legítima defesa em afirmar também, implicitamente, que a legítima defesa sempre é corretamente reconhecida.  O que dificilmente será verdade, você há de concordar.

Acho que o ônus de provar que o réu não agiu por legítima defesa é da acusação, não é?

Citar
Conta, mas não muito.  O seu caráter só entra em questão se eu tiver motivos para crer que você valoriza a vida do peixe, o que por sua vez depende quase completamente do tipo de ambiente cultural que você conheceu. 

Um gaúcho da fronteira não vê nada de mais em abater um boi; um hindu tradicional pode ficar escandalizado.  E nada posso afirmar sobre o caráter de qualquer um dos dois em função disso.

Mas acho que mesmo o gaúcho da fronetira vai pensar duas vezes antes de abater um boi que não é dele sem autorização. E eu não estava comparando culturas diferentes ao mencionar esse exemplo, estava comparando um ser racional de sua mesma cultura (no caso, eu) com um animal irracional e comparando as responsabilidades de cada um. Assim, me parece óbvio que um ser racional, capaz de distingüir o certo do errado, e com liberdade de escolha tem muito mais responsabilidade que um ser irracional que age somente por instnto.

Citar
Em algum grau, sim.  Mas não sei sequer como mensurar esse grau, e suspeito que seja decepcionantemente baixo.

Só examinando algum texto centífico sobre o assunto...

Citar
Oh, não.  Outros animais são capazes inclusive de aprender linguagens abstratas.  É claro que eles tem uma capacidade racional considerável.  O que não tem ainda é uma linguagem verbal efetiva.

O fato de nós termos desenvolvido essa linguagem e eles não terem não diz nada sobre as diferenças cognitivas entre nós e eles?

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #18 Online: 03 de Janeiro de 2009, 19:45:18 »
Provavelmente mentiram para a menina, disseram que a mãe deixou a 'tia' e o 'tio' cuidando dela.

Realmente.  Nem havia me ocorrido essa possibilidade.  Estranho.

Citar
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Sem dúvida há um grau de interesse próprio atuando.  Não se segue necessariamente que ele deva ser frustrado.

A adoção, na situação em questão, parece improvável, devido aos obstáculos legais: tecnicamente falando a menina teria uma mãe - mais ainda, um casal de tios vivendo na mesma casa - que tornam a adoção praticamente impossível.

Não estava me referindo à adoção dessa menina em particular. Mas sem dúvida seria possível os tios entrarem na justiça para requerer a guarda da criança.

Sem condição financeira de se mudar para outro lugar, e vivendo no mesmo teto?  A convivência entre os tios e a mãe já era bastante disfuncional sem esse complicador.  Não acho que seria uma boa idéia, e suponho que os personagens também não achariam.

Citar
Aliás, eles poderiam até agir desonestamente para facilitar isso, o policial interpretado pelo Ed Harris, por exemplo, admite durante o filme ter forjado provas para incriminar um suspeito, seria fácil ele acusar a moça de tráfico de drogas. Eles não pensaram nessa idéia (que também é espúria).

E que também não ajudaria, pelo mesmo motivo.

Citar
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Porque dificilmente seria bem-sucedido, e a Lei não deve se sobrepor à Justiça, claro.

Justiça com as própria mãos?

Até que se prove a existência de alguma divindade, toda justiça é construída a partir das decisões de seres sentientes.  Da mesma forma que a Lei também é.  Não vejo motivo para tanto tabu.

Citar
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É claramente impossível julgar a validade ética do ato de aborto sem considerar o contexto maior.  Principalmente o contexto familiar e sócio-econômico da gestante, mas também a mentalidade cultural predominante.

Não acredito em relativismo cultural. Ou o ato de abortar é ético ou não é.

Não se trata de relativismo cultural, e sim de considerar o valor ético do ato em si.

A idéia de que o ato abortar seja inerentemente, automaticamente dotado de um significado ético específico me parece estranha demais para ser considerada.

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Bom acho que se eu disser que existem mecanismos democráticos para alterar a lei eu estarei me repetindo.

E eles podem e devem ser usados.  Funcionam, inclusive, pelo menos em algum grau.

Nem por isso movimentos como a Underground Railroad foi moralmente equivocada.  Ou, por falar nisso, os movimentos de independência de países como o Brasil - que tecnicamente são apenas violações das leis então vigentes sobre soberania - são necessariamente equivocados tampouco.

O fato é que a lei é um instrumento criado por humanos, que não podem se justificar moralmente simplesmente por respeitá-la, nem por confrontá-la.  A moral é independente da Lei, embora a Lei deva procurar se orientar pela moral.

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Eu concordo que a Lei nem sempre representa o que é eticamente correto, mas também não concordo que atropelar contra a ética em nome dos próprios interesses disfarçados como um suposto bem maior seja válido. Deve haver um limite. Ou será que matar a mãe de Amanda para tomar a guarda dela seria válido?

Em situações suficientemente extremas, seria sim.  No meu entender não houve violação da ética; houve uma situação difícil de natureza ética.

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(...) Por mais que isso faça sentido do ponto de vista da experiência cotidiana e que usemos conclusões por indução em nossa vida prática (e portanto não admira que seja válida no Direito, que se baseia muito no senso comum), logicamente essa conclusão não é válida. Mas, sendo a ética uma disciplina da filosofia, não podemos ignorar a lógica.

Você fala como se fosse preciso provar que alguém apresenta risco para outra pessoa para justificar medidas para proteger esta, e não é esse o caso. 

Não há ofensa alguma à lógica em supor que uma pessoa com histórico pouco recomendável pode continuar com o mesmo tipo de atitude.  O que não há é certeza de que isso acontecerá, o que é completamente diferente.

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(...) Acho que o ônus de provar que o réu não agiu por legítima defesa é da acusação, não é?

Não sei.  Em qualquer caso, não é algo que se possa garantir sempre que preciso.  Até mesmo porque com toda a honestidade, o conceito de legítima defesa não é completamente nítido.

Segue-se portanto que com alguma frequência haverá condenações (e absolvições) injustas.  Reconheço que há um certo apelo na idéia de passar por cima dessa constatação e tentar acreditar que foi o melhor possível.

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Mas acho que mesmo o gaúcho da fronteira vai pensar duas vezes antes de abater um boi que não é dele sem autorização.

Ele especificamente sim.  Já um indígena de uma cultura que não tem o conceito de propriedade privada de animais, não.  Não se segue que ele não tenha bom caráter.

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E eu não estava comparando culturas diferentes ao mencionar esse exemplo, estava comparando um ser racional de sua mesma cultura (no caso, eu) com um animal irracional e comparando as responsabilidades de cada um. Assim, me parece óbvio que um ser racional, capaz de distingüir o certo do errado, e com liberdade de escolha tem muito mais responsabilidade que um ser irracional que age somente por instinto.

Perguntas incômodas:

Quão frequentemente acontece de seres humanos da nossa cultura terem essa capacidade de distinguir o certo do errado e ter essa liberdade de escolha? 

Qualquer que seja a sua resposta à pergunta anterior: essa capacidade explica ou é compatível com a realidade do mundo em que vivemos? 

Se não, a que você atribuiria a diferença?

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Oh, não.  Outros animais são capazes inclusive de aprender linguagens abstratas.  É claro que eles tem uma capacidade racional considerável.  O que não tem ainda é uma linguagem verbal efetiva.

O fato de nós termos desenvolvido essa linguagem e eles não terem não diz nada sobre as diferenças cognitivas entre nós e eles?

Diz que nosso sistema nervoso é melhor especializado para o uso de linguagem verbal do que eles, creio eu.  Mais que isso eu não afirmaria.
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Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

Offline uiliníli

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #19 Online: 03 de Janeiro de 2009, 20:26:51 »
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Não estava me referindo à adoção dessa menina em particular. Mas sem dúvida seria possível os tios entrarem na justiça para requerer a guarda da criança.

Sem condição financeira de se mudar para outro lugar, e vivendo no mesmo teto?  A convivência entre os tios e a mãe já era bastante disfuncional sem esse complicador.  Não acho que seria uma boa idéia, e suponho que os personagens também não achariam.

Complicado de fato. Mas de qualquer forma, com o casal que a sequestrou a menina teria que viver escondida. Não é muito melhor.

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Aliás, eles poderiam até agir desonestamente para facilitar isso, o policial interpretado pelo Ed Harris, por exemplo, admite durante o filme ter forjado provas para incriminar um suspeito, seria fácil ele acusar a moça de tráfico de drogas. Eles não pensaram nessa idéia (que também é espúria).

E que também não ajudaria, pelo mesmo motivo.

Acho que seria menos traumático que o sequestro, mas ainda seria errado.

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Justiça com as própria mãos?

Até que se prove a existência de alguma divindade, toda justiça é construída a partir das decisões de seres sentientes.  Da mesma forma que a Lei também é.  Não vejo motivo para tanto tabu.

Isso seria um regresso à anarquia. A civilização exige que entreguemos o monopólio da força ao Estado.

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Não acredito em relativismo cultural. Ou o ato de abortar é ético ou não é.

Não se trata de relativismo cultural, e sim de considerar o valor ético do ato em si.

A idéia de que o ato abortar seja inerentemente, automaticamente dotado de um significado ético específico me parece estranha demais para ser considerada.

Acho que a pergunta fundamental é se o aborto equivale ao infanticídio.

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E eles podem e devem ser usados.  Funcionam, inclusive, pelo menos em algum grau.

Nem por isso movimentos como a Underground Railroad foi moralmente equivocada.  Ou, por falar nisso, os movimentos de independência de países como o Brasil - que tecnicamente são apenas violações das leis então vigentes sobre soberania - são necessariamente equivocados tampouco.

Não são equivocados, os fins foram válidos. Mas temos que nos perguntar sempre se os meios são válidos também.

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O fato é que a lei é um instrumento criado por humanos, que não podem se justificar moralmente simplesmente por respeitá-la, nem por confrontá-la.  A moral é independente da Lei, embora a Lei deva procurar se orientar pela moral.

Concordo, o desrespeito à lei não é necesariamente imoral. Se bem que no caso que estamos discutindo, a lei nem sequer foi consultada, mesmo ela podendo ser favorável às queixas contra a mãe. Os sequestradores tentaram pegar um atalho por fora da lei agindo de forma perigosa.

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Eu concordo que a Lei nem sempre representa o que é eticamente correto, mas também não concordo que atropelar contra a ética em nome dos próprios interesses disfarçados como um suposto bem maior seja válido. Deve haver um limite. Ou será que matar a mãe de Amanda para tomar a guarda dela seria válido?

Em situações suficientemente extremas, seria sim.  No meu entender não houve violação da ética; houve uma situação difícil de natureza ética.

Na interpretação mais generosa possível da ação dos sequestradores, eles mentiram. E com a mentira eles causaram grande sofrimento às pessoas que se preocupavam com a criança. Portanto, alguma violação da ética ocorreu. Você questina se ela não seria compensada pelo bem feito à criança, tudo bem, a questão é legítima. Eu acredito, porém, que eles deviam ter empregado meios legítimos do ponto de vista jurídico.

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Você fala como se fosse preciso provar que alguém apresenta risco para outra pessoa para justificar medidas para proteger esta, e não é esse o caso. 

Não há ofensa alguma à lógica em supor que uma pessoa com histórico pouco recomendável pode continuar com o mesmo tipo de atitude.  O que não há é certeza de que isso acontecerá, o que é completamente diferente.

Do ponto de vista do Direito, tudo bem, pode-se abrir mão dessa prova conclusiva, mas do ponto de vista da lógica mais elementar sua afirmação é uma falácia, é um non-sequitur. E de qualquer forma, não cabe ao sequestrador decidir isso, cabe sim a um juiz.

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Ele especificamente sim.  Já um indígena de uma cultura que não tem o conceito de propriedade privada de animais, não.  Não se segue que ele não tenha bom caráter.

Nesse caso ele seria absolvido por sua ignorância.

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E eu não estava comparando culturas diferentes ao mencionar esse exemplo, estava comparando um ser racional de sua mesma cultura (no caso, eu) com um animal irracional e comparando as responsabilidades de cada um. Assim, me parece óbvio que um ser racional, capaz de distingüir o certo do errado, e com liberdade de escolha tem muito mais responsabilidade que um ser irracional que age somente por instinto.

Perguntas incômodas:

Quão frequentemente acontece de seres humanos da nossa cultura terem essa capacidade de distinguir o certo do errado e ter essa liberdade de escolha? 

Acredito que frequentemente, mas você não espera que eu dê uma resposta exata, espera?

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Qualquer que seja a sua resposta à pergunta anterior: essa capacidade explica ou é compatível com a realidade do mundo em que vivemos? 

Sim, um ser humano tem capacidade de julgamento, de empatia e de calcular, ainda que precariamente as consequências de seus atos e tem poder de escolher agir conforme a maneira que julgar ser a mais ética. Um animal irracional não tem essas capacidades.

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O fato de nós termos desenvolvido essa linguagem e eles não terem não diz nada sobre as diferenças cognitivas entre nós e eles?

Diz que nosso sistema nervoso é melhor especializado para o uso de linguagem verbal do que eles, creio eu.  Mais que isso eu não afirmaria.

Estou lendo um livro agora, chama-se "Do que é feito o pensamento", de Steven Pinker e o autor leva a crer que a linguagem verbal é mais influenciada pelo cérebro do que o cérebro pela linguagem. Nosso cérebro já tem um software inato para enetnder o mundo, conceitos como tempo, espaço, causalidade, intencionalidade e certas inferências lógicas são faculdades inatas.

Offline Luis Dantas

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #20 Online: 03 de Janeiro de 2009, 22:02:33 »
Entender o mundo todo animal entende de alguma forma.  Não vejo por que a aptidão verbal seria indicador de entendimento necessariamente melhor, ou de maior capacidade de raciocínio lógico. 

Mais especializado para certas coisas, sim. Mais lógico?  Pode até ser, mas não vejo indícios.

De resto, uma coisa ficou bem clara: eu sou sim Utilitarista :)
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Offline uiliníli

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #21 Online: 04 de Janeiro de 2009, 00:12:02 »
Entender o mundo todo animal entende de alguma forma.  Não vejo por que a aptidão verbal seria indicador de entendimento necessariamente melhor, ou de maior capacidade de raciocínio lógico. 

Mais especializado para certas coisas, sim. Mais lógico?  Pode até ser, mas não vejo indícios.

Eu não vejo como aptidão verbal não seria indicador de entendimento melhor :lol: Nosso entendimento do mundo é tão complexo (embora não necessariamente perfeito) que temos capacidade de formular raciocínios abstratos que transcendem em muito as nossas necessidades básicas de sobrevivência, como criar deuses e mitos para explicar a origem de tudo, por exemplo. Acredito que a linguagem tem papel bem importante nisso, pense em como seriadifícil pensar em certos conceitos sem a ajuda de palavras? Como você formularia perguntas como "qual é o sentido da vida, do universo e de tudo mais" sem capacidade verbal?

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De resto, uma coisa ficou bem clara: eu sou sim Utilitarista :)

Nós discordamos em princípios bem básicos sobre o que é moral e qual é o valor das instituições...


Offline Luis Dantas

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #22 Online: 04 de Janeiro de 2009, 00:48:37 »
Eu não vejo como aptidão verbal não seria indicador de entendimento melhor :lol:

É um indicador, sim. Um dentre muitos outros possíveis.  Certos animais tem por exemplo capacidade de percepção visual ou de orientação espacial muito melhor do que a nossa.   Não há como afirmar categoricamente que não raciocinam tão bem ou melhor do que nós.

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Nosso entendimento do mundo é tão complexo (embora não necessariamente perfeito) que temos capacidade de formular raciocínios abstratos que transcendem em muito as nossas necessidades básicas de sobrevivência, como criar deuses e mitos para explicar a origem de tudo, por exemplo.

O que nos garante que cães, que frequentemente parecem mistificar um bocado os seres humanos, não tem a mesma capacidade?

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Acredito que a linguagem tem papel bem importante nisso, pense em como seria difícil pensar em certos conceitos sem a ajuda de palavras? Como você formularia perguntas como "qual é o sentido da vida, do universo e de tudo mais" sem capacidade verbal?

A capacidade verbal é muito útil para passar conhecimento adiante para outros seres, sem dúvida.  Mas não vejo evidência alguma de que seja útil para a capacidade de raciocínio abstrato.  Não duvido que até atrapalhe.

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De resto, uma coisa ficou bem clara: eu sou sim Utilitarista :)

Nós discordamos em princípios bem básicos sobre o que é moral e qual é o valor das instituições...

Sobre o valor das instituições talvez não.  Sobre a origem e natureza desse valor, mais provavelmente.

As intituições são criação humana, e em algum momento precisam ser validadas por algum grupo de seres humanos.  Não vejo qualquer problema em reconhecer essa fato logo de cara.
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Offline uiliníli

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #23 Online: 04 de Janeiro de 2009, 00:56:35 »
Essa discussão sobre cognição humana e animal já entra demais na esfera da ciência, então não podemos discutir em termos de achismos, seria melhor procurar algum artigo sobre o tema e criar um novo tópico.

As intituições são criação humana, e em algum momento precisam ser validadas por algum grupo de seres humanos.  Não vejo qualquer problema em reconhecer essa fato logo de cara.

Não há problema algum. É que você parece pouco inclinado a confiar a essas instituições a arbitragem de conflitos irreconciliáveis entre pessoas.

Offline Luis Dantas

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Re: Medo da verdade: dilema moral
« Resposta #24 Online: 04 de Janeiro de 2009, 00:58:17 »
Guilty as charged, Uili.  Não sei se sempre foi assim, mas o que tenho visto é que realmente nesta cultura pelo menos as instituições tem muito pouca representatividade.

Se bem que... vou te contar, tem cada doido por aí fora do hospício.
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