Economia ainda resiste, mas se o crédito seguir a conta-gotas nada evitará demissões em massaDesemprego menos acentuado, renda ainda estável e resiliência do comércio seguram a atividadeA baciada de indicadores sobre a saúde da economia divulgados na quinta-feira permite diagnósticos para todos os gostos. Otimistas e pessimistas têm números à vontade para defender suas convicções.
Os que admitem que o baque econômico é global, duradouro e contra o qual as ações anticíclicas dos governos em todo mundo podem, na melhor das hipóteses, amortecer as sequelas do retorno à realidade do crédito, jamais resgatar a febre anterior, porém, encontram em tais indicadores motivos para não se afobar. O bicho é menos feio.
Tudo depende de como forem analisados os dados de fevereiro sobre o desemprego monitorado pelo IBGE, o volume de crédito acompanhado pelo Banco Central, vendas nos supermercados apuradas pela Abras, associação do setor, e a atividade industrial em São Paulo medida pela FIESP, a federação das indústrias do estado. Eles revelam um panorama que lembra a imagem do copo meio cheio ou meio vazio.
Desempata-se a dúvida ao se considerar que a retração da economia é inevitável, já que boa parte da efervescência anterior se devia ao giro acelerado do dinheiro em escala global, impulsionado pelos instrumentos de crédito bancados por ativos de alto risco.
A banca ruiu (nos EUA, na Europa) porque criou crédito divorciado de fluxos de caixa e de resultados oriundos da economia produtiva. Mas, ao mesmo tempo, canalizou a riqueza artificial, meramente de papel, para dar crédito a atividades reais, como financiar a venda de carros, a construção e expansão de fábricas, e, sobretudo, para tomadores sem nenhuma condição de adimplência, empresas e pessoas.
Isso induziu os governos mundo afora, aqui inclusive, a achar que o crescimento econômico, portanto, as receitas tributárias, fossem permanentes, levando-os a assumir compromissos que nunca poderiam custear em situação de normalidade dos mercados financeiros.
Essa é a crise: as dores do retorno da economia à sanidade, e dói mais para quem se recusa a aceitar que boa parte do crescimento de ontem era fruto da especulação financeira, não da genialidade dos governantes, da clarividência de empresários, ou dos “senhores dos mercados”, segundo o sarcasmo de Wall Street.
É como cair do 10º andar de um prédio e só quebrar as pernas. Todos os países também despencaram. Vários de andares até mais altos, como os asiáticos. Alguns foram atropelados depois da queda, caso dos EUA, Alemanha, Inglaterra, Japão, Argentina, exportadores de commodities etc.
É neste sentido que o ajuste da economia brasileira poderia ser pior. Com o adicional de que os indicadores refletem mais a força das empresas que as medidas anticíclicas acionadas pelo governo.
A variável relevanteO desemprego é a variável relevante na prospecção do curto prazo. Eles “surpreendem positivamente”, segundo reflexão do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, Iedi. A taxa cresceu de 6,8% em dezembro para 8,2% em janeiro e 8,5% em fevereiro nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE.
Mas a queda da taxa da população ocupada, de 0,3% em termos ajustados contra janeiro, similar à redução de 0,2% anterior, está a indicar resistência do mercado de trabalho em relação à forte queda do PIB e da produção industrial no último trimestre de 2008. É um quadro de estagnação.
Resistência da rendaTambém chama atenção o nível de rendimentos pagos, praticamente estável em fevereiro sobre janeiro (queda de 0,1%). Na comparação interanual, recuou do pico de 12,7% em janeiro para 11,3%, ainda assim, segundo o economista Fernando Montero, uma taxa expressiva, que fez a massa de rendimentos pagos crescer 12,8% sobre fevereiro de 2008, ou 6%, abatida a inflação.
A sustentação da renda real é o componente-chave para a manutenção do consumo. Nos supermercados a crise ainda não bateu. As vendas reais em fevereiro sobre igual mês de 2008 cresceram 4,16%. Sobre janeiro recuaram 5,37%, mas há menos dias em fevereiro, além do Carnaval.
Banca agrava a criseOs dados da Abras e índices antecedentes do varejo projetam para o comércio restrito, fora carros, em fevereiro, na pesquisa mensal do IBGE, avanço de 1% sobre janeiro e de 2,7% na base interanual. Isso fará o comércio ajustado, segundo Montero, superar as vendas do pré-crise de setembro de 2008.
Então está tudo bem? Nada. Os dados do BC revelam que concessões de novos créditos continuam encolhendo, 30% no bimestre sobre dezembro para as empresas, menos 7% sobre janeiro. Ao agravar a situação, a banca está criando uma nova crise.
Miolo do PIB em riscoO resumo da ópera é claro: a economia se ajustou rápido à menor demanda e crédito externos. É o que mostram o desemprego não tão acentuado diante do forte corte da produção e a resiliência do comércio. Mas está à mercê da magnificação dos receios da banca com a inadimplência.
O crédito a conta-gotas fará o ajuste à menor atividade econômica no mundo se converter numa recessão de largo alcance sem que isso seja inevitável. Essa é a emergência do governo, que, no entanto, ainda contorna o problema principal: o fôlego dos setores intermediários da economia.
Se o miolo do PIB desmaiar, nada, nem PAC ao cubo, segura o desemprego em massa.
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