Com BB à frente, banca começa a recuperar a razão de ser e reabre o guichê dos empréstimosNão há liberalidades no revival do crédito, apenas o senso de que a economia não deve agravar-seA mudança do sistema de risco de crédito pelo Banco do Brasil com o objetivo de motivar a parcela de sua clientela mais propensa a contrair dívidas, se devidamente estimulada, é um impulso poderoso para a retomada da economia. O “conforto” do BB, como os analistas definem a disposição ao risco dos bancos, tem a mão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, mas também é resultado de uma gestão menos conservadora do crédito que começa a voltar ao sistema financeiro.
O BB cortou juros nas linhas de crédito ao consumo, como à compra de carros, eletrodomésticos, materiais de construção, o consignado e, especialmente, ampliou o limite de crédito para um terço dos 32 milhões de correntistas – aqueles que, pelos critérios de análise de risco mais aprofundada que a conferência de eventuais registros de inadimplência, podem aumentar o endividamento pessoal com menor probabilidade de o fluxo de pagamentos vir a sofrer descompasso.
Em suma, o BB se serviu da aplicação do tal “cadastro positivo” aprovado na Câmara, mostrando a irrelevância do recurso, já que em pleno uso, na prática, para a baixa de juros e aumento do crédito. Bancos privados mais adiantados até que o BB na aplicação de tais instrumentos também foram à luta pelo cliente, começando pelo Itaú Unibanco ao restabelecer o prazo de 72 meses para o financiamento de carros. O Bradesco acompanhou o movimento, mas noutro campo.
De olho na expansão da oferta de imóveis novos e usados de até R$ 120 mil para a faixa com renda mensal de 3 a 10 salários mínimos o Bradesco reduziu de 10% ao ano para 8,9%, equivalentes a 0,71% ao mês, mais TR os juros para esse segmento, e aumentou para 30 anos o prazo máximo do financiamento. Outros bancos estão vindo atrás.
A concorrência funciona quando há os estímulos certos. Segurança é o primeiro fator. A expectativa de menor retorno das aplicações concorrentes ao crédito vem a seguir - no caso, é a tendência de queda da Selic. Por fim, um fato gerador costuma ser eficaz, o que se pode atribuir à pressão do governo para o BB e Caixa Econômica Federal abrir as taxas cobradas e expandir a oferta de crédito.
O Bradesco, por exemplo, deve estar com juro menor que a CEF nas operações para o cliente de baixa renda no mercado imobiliário, um mercado tradicionalmente cativo do banco estatal. Isso é novo.
Não há liberalidadeImportante é que não há liberalidades no revival do crédito pela banca, apenas o senso de que a economia não deve agravar-se, mais aplicação inteligente dos sistemas de avaliação do risco.
Tributação menor e menos tomada compulsória de depósitos ao Banco Central, como a banca reivindica, podem acelerar o crédito. Mesmo à falta de tais condições, porém, há espaço para a banca expandir o crédito sem prejuízo, já que não lhe falta gordura para queimar.
Mau exemplo chinêsEmpréstimo forçado é sempre um mau empréstimo, algo como acontece na China, onde o Banco do Povo, o BC local, tem uma vantagem impar sobre os demais. Como diz Vitality Katsenelson, gestor de recursos nos EUA, o Federal Reserve pode imprimir dólares, e o faz a rodo, mas não pode forçar as empresas e pessoas a se endividar e gastar.
Na China, que é uma ditadura, isso acontece. O governo controla a maior parte da criação de dinheiro e do aparato de despesas. Só em março a base monetária cresceu 25,5%. A banca, toda estatal, está sendo obrigada a emprestar a dinheirama, e as empresas, estatais, também. Elas têm meta para contrair dívidas, gastar e empregar.
Dose alta é venenoO método é ruim. Mais cedo ou mais tarde haverá com os bancos da China o que houve com os japoneses na longa estagnação desde final dos anos 80, e se teme que se repita com os americanos: pilhas de empréstimos insolventes, com o banco central incapaz de levantar a economia nem com o Viagra dos juros negativos, o Tesouro nacional afogado em dívidas e a atividade doméstica dependente da economia global, já que oxigenada basicamente por exportações.
Por ora está funcionando na China. As vendas no varejo cresceram 14,8% em abril em base anual, a produção industrial subiu 7,3% e a de carros, acima de 18%. Mas as exportações caíram 22,6% no mesmo período.
O mercado interno para a China, como ao Brasil, é a opção para a débâcle do comércio global, o que faz do crédito ao consumo o motor de arranque da atividade. A diferença é que as exportações representam 25% do PIB no Brasil. Na China é oxigênio da economia. Mas crédito demais é veneno, e lá parece que já começou a refluir.
Risco de esteróidesA motivação da China para pisar no acelerador do crédito é mais política que técnica. Pequim, segundo Katsenelson, “brinca com o comunismo, socialismo e capitalismo, tudo ao mesmo tempo”, e tem pavor dos protestos populares, crescentes pelo desemprego trazido pelo colapso das exportações e a falta de institucionalidade para a rápida expansão do consumo doméstico.
Motivações políticas são da vida, mas induzem o governante a optar pelos caminhos de menor resistência. Lá, o risco é mais repressão e dirigismo. Aqui, com eleições à vista, crescimento econômico bombado por esteróides sem nexo com as necessidades da economia. A autonomia do BC vai ser testada.
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