Se você mente e engana numa coisa, o que impede de enganar em outras? Como acreditar que o jóquei de jegue fazia milagres, ressurreição, cuspindo no olho de cego, etc., se nem a cidade de onde ele veio é certo de ter existido?
Antes de qualquer coisa, me parece que você está tentando me dar o tratamento que daria a um teísta, lançe suas perguntas sobre milagres, ressurreições e cuspis para um teísta não para mim, eu tenho interesse na evidência não estou aqui pra desfazer da religião alheia visto que eles tem o direito de crerem no que quiserem, entretanto é fato que nazaré existiu, porém não foi contemporânea à vida de Gizuis, portanto espero que se tem dúvidas sobre ele ter ressucitado, vá a quem acredita para perguntar.
Seria mais interessante se a honestidade em querer conhecer os fatos é uma caracteristica desejável neste fórum e não o ateismo dogmático que tenho visto por aqui, parecem mais religiosos do que ateus.
Cordialmente, Dr. Jekyll.
Não entendo, Dr.
Não estou te contradizendo, pelo contrário. São estou tentando te refutar, agradeço as informações. O que estou dizendo é que a arqueologia mostra que a cidade NÃO é onde Gizuis cresceu, e se até mesmo esta informação é falsa, como acreditar em atividades sobrenaturais.
É muito interessante estas informações, adoro arqueologia, principalmente nesta região. E tudo o que aparece desdiz praticamente que é escrito na Bíblia. E o pouco que se admite como possível de ser verdadeiro, está distorcido.
E este livro é o guia espiritual de bilhões de pessoas.
Caro Zeichner
Penso que as refutações a minha pessoa são desnecessárias visto que até onde me é permitido conjecturar você é um ateu, portanto teoricamente estamos do mesmo lado, devido a isso não há razões para divergências. Eu sou um agnóstico que se permite reconhecer muitas das qualidades existentes na arqueologia bíblica, ela tem lançado luz sobre uma série de questões que são indistintamente úteis para a compreensão do contexto em que se emula o Novo Testamento. É fato que muitas das proposições do ateismo tem partido de uma má vontade voluntária que geralmente se entrelaça no diatribes de uma retórica que clama por racionalismo quando em realidade per-passa o irracionalismo ofegante. Entretanto não estou preocupado com as asserções levantadas por nossos amigos ateus, estou interessando na evidência que cada um deles levanta em prol da alegação que é pronunciada por eles.
Quero aproveitar esse tempo para dizer que existem motivos muito mais interessantes pelos quais o novo testamento não é e não pode ser histórico e essas razões explicam porque ocorre uma troca entre o epiteto (apelido) N'ZRNI (Nazarini ou guardado da lei) e o vulgar, nazareno ou compreendido hoje como nazaré ou alguém que veio de nazaré.
Toda essa selêuma em que estamos envolvidos aqui neste tópico tem que ver com a busca de um Jesus histórico, entretanto os maiores teólogos do século XX já afirmavam de maneira categórica que uma busca pelo Jesus histórico era um grande tempo perdido e tentaremos mostrar isso na visão daquele que é considerado o maior nome da teologia do século XX, Paul Tillich.
Ocorreu uma coisa curiosa com a pesquisa da vida de Jesus. Ela partiu em busca do Jesus histórico, imaginando que depois poderia trazê-lo para a nossa época como mestre e salvador. Desvencilhou-se dos laços que desde séculos mantinham-na acorrentada ao rochedo da doutrina eclesiástica e exultou quando voltou a perceber vida e movimento em sua figura, quando viu o homem histórico Jesus caminhando ao seu encontro. Mas ele não se deteve, passou largo da nossa época e retornou para sua. Isto constituiu motivo de estranheza e de espanto para a teologia das últimas décadas: que apesar de todas as tentativas de interpretação forçada, ela não conseguiu prendê-lo em nosso tempo, e teve que deixá-lo partir. Ele retornou ao seu tempo com a mesma necessidade com que o pêndulo retorna à sua posição original depois de libertado.
Com estas palavras que se tornaram clássicas, Schweitzer descreveu em 1913 o esforço das assim chamadas pesquisas sobre a vida de Jesus, que haviam empolgado o século XIX. Esta descrição é também a declaração de seu fracasso. As pesquisas sobre Jesus haviam partido de pressupostos falsos.
Tillich diz que os motivos dessa pesquisa eram concomitantemente religiosos e científicos. Em muitos aspectos essa tentativa era corajosa, nobre e extremamente significativa. Suas conseqüências teológicas foram inúmeras e bastante importantes. Mas, se pensarmos em sua intenção básica, a tentativa da crítica histórica de encontrar a verdade empírica sobre Jesus de Nazaré foi um fracasso. O Jesus histórico, isto é, o Jesus que está por trás dos símbolos de sua recepção como o Cristo, não só não apareceu, mas também se distanciou cada vez mais à medida que a avançava a crítica histórica.
A pesquisa sobre o Jesus histórico se iniciou com os trabalhos de H. S. Reimarus (1694-1768). Reimarus era professor de línguas orientais de Hamburgo e foi durante a vida um pioneiro literário da religião da razão proposta pelo deísmo inglês. No entanto, ele tornou acessível apenas a amigos próximos o fundamento histórico-crítico de suas idéias, Apologia ou escrito de defesa para os adoradores racionais de Deus. Foi o poeta, filósofo e teólogo G. E. Lessing que publicou a obra de Reimarus após a morte deste. [37] Segundo as palavras de Tillich, Lessing “suscitou uma das maiores tempestades na história da teologia protestante, quando na qualidade de bibliotecário de uma pequena cidade alemã, editou uma obra escrita pelo historiador Reimarus.”
Conforme vimos, Reimarus iniciou a moderna pesquisa a respeito do Jesus histórico. Apesar das reações da ortodoxia, após Reimarus nenhum teólogo poderia, daí para frente, examinar os documentos da história de Jesus ignorando as questões levantadas por Reimarus sobre a confiabilidade dos evangelhos sinóticos.
Segundo Raymond Brown, Reimarus “foi o primeiro a desenvolver uma imagem de Jesus distinta da do Cristo descrita nos evangelhos. No caso do primeiro, trata-se de um judeu revolucionário que tentou malogradamente estabelecer um reino messiânico sobre a Terra, enquanto no caso do segundo, tratava-se de uma projeção fictícia posterior daqueles que roubaram seu corpo e reivindicavam que ele ressuscitara dos mortos.”
Após Reimarus vieram outros nomes não menos importantes, como os de F. C. Baur (1792-1869), David Friedrich Strauss (1808-1874), Ernest Renan (1823-1892), H. H. Holtzmann (1832-1910) e Johannes von Weiss (1863-1914). Tillich fala muito pouco sobre eles, entretanto, examinaremos mais profundamente a contribuição deles para o desenvolvimento da pesquisa acerca do Jesus histórico.
Baur era discípulo de Hegel e desenvolveu as idéias deste. Foi ele também quem fundou a escola de Tübingen, destinada especialmente à pesquisa sobre o Novo Testamento. Procurou aplicar os conceitos hegelianos de tese, antítese e síntese ao desenvolvimento do cristianismo primitivo. A tese representava as primeiras comunidades judeu-cristãs; a antítese, a linha de pensamento pagão, cristão e paulino (acentuava bastante a luta entre Pedro e Paulo sobre a circuncisão, com o triunfo de Paulo e a conseqüente conquista do mundo pagão pelo cristianismo); e a síntese, diante dos tipos paulino e petrino de cristianismo, era o pensamento paulino. Nesse ponto Baur colocava-se bem na tradição da filosofia clássica alemã.
Comenta Tillich que “a interpretação que Baur fez do cristianismo era muito importante e influente, não importando o grau de correção que sua teoria possa ter alcançado do ponto de vista histórico. Em face do ponto de vista ortodoxo que aceitava a inspiração verbal da Bíblia, Baur demonstrou como esses escritos bíblicos haviam sido criados de maneira histórica. A idéia de um desenvolvimento processado na igreja, responsável pela produção das Escrituras, mudava a relação dos cristãos com a Bïblia.”
Strauss foi aluno de F. C. Baur. Publicou em 1835 sua Vida de Jesus que provocou uma avalanche de tentativas de refutação e rendeu a seu autor proscrição social por toda a vida. Segundo Tillich, “Strauss demonstrou que os autores dos evangelhos não eram os tradicionalmente conhecidos como tais. Além disso, tentou mostrar que as histórias do nascimento e da ressurreição de Jesus eram símbolos destinados a expressar a identidade eterna dos elementos essenciais em Jesus e Deus. Suas descobertas produziram tremendo choque. Por muitas décadas, os estudiosos tentaram refutar a Vida de Jesus e, naturalmente, conseguiram encontrar idéias inválidas à luz de novas pesquisas. Mas o problema levantado por Strauss permaneceu perante a vida dos acadêmicos das igrejas até hoje.”
O autor de maior sucesso de um romance sobre Jesus, se bem que não o mais inteligente, talvez tenha sido Ernest Renan. Como aluno de D. F. Strauss, e como um antigo católico que voltou as costas à sua igreja, com seu livro, que chegou à oitava edição dentro de três meses, ele introduziu no mundo latino e católico o novo ponto de vista sobre Jesus. Sobre a massa dos leitores pode ter tido influência sua linguagem sentimental, que não poupa descrições vistosas e coloridas da paisagem marítima, das aldeias e das cidades. Merece uma menção especial sua tentativa de dividir em épocas a atividade de Jesus, embora esta se estendesse por apenas 18 meses, para desta maneira esboçar um desenvolvimento interior. Para Renan, no começo se encontra o Jesu manso e meigo, que se empenha na Galiléia para pôr em prática o Reino de Deus na terra. Motivado não em último lugar por sua permanência em Jerusalém, este Jesus teria evoluído para um revolucionário, que passa a interpretar o reino de Deus apocalipticamente, e que agora está pronto a dar a vida por suas idéias. Embora os críticos tenham acusado Renan de haver vendido “arte cristã” barata da pior espécie, e de haver furtado seus personagens das vitrines das lojas de arte cristã da Praça de São Sulpício, seu livro nos impele à questão do Reino de Deus na vida de Jesus e à tentativa de com auxílio da idéia do reino de Deus encontrarmos uma ruptura em sua atuação.
Quanto a H. J. Holtzmann ajudou a teoria das duas fontes. Do evangelho de Marcos, Holtzmann retirou o esboço da vida de Jesus, lendo nele uma evolução biográfica com o ponto crucial em Mc 8: na Galiléia formou-se a consciência messiânica de Jesus, em Cesaréia de Filipe ele se revelou aos discípulos como Messias. No quadro biográfico derivado de Marcos foram inseridas as palavras autênticas de Jesus reconstruídas da Fonte do Ditos.
Johannes von Weiss concentrou-se no significado da expressão “reino de Deus” no ensinamento de Jesus, dando um passo importante ao valorizar o apocalipticismo judaico da época e sua expectativa sobre o final dos tempos. Quando falamos em reino de Deus, estamos mencionando um conceito central da atividade de Jesus. Aqui nos encontramos diante do tema em que, provavelmente, as discussões foram mais excitantes. Elas nos levaram ao resultado positivo de que o reino de Deus em Jesus teria que ser visto como algo apocalíptico e escatológico. Por mais evidente que esta visão pareça hoje para os crentes, foi necessário tempo para que ela ganhasse terreno.
Importante é falarmos também de Albert Schweitzer o qual se tornou um marco na história da pesquisa do Jesus histórico com seu livro A Busca do Jesus Histórico o qual já citamos aqui no começo.
Sobre ele Tillich diz:
A história de todas as tentativas de escrever uma “vida de Jesus”, elaborada por Albert Schweitzer em sua obra do seu período inicial, The Quest of the Historical Jesus, ainda é válida. Sua própria tentativa construtiva, contudo, foi corrigida. Eruditos, tanto conservadores quanto radicais, mostram-se agora mais cautelosos, mas a situação metodológica não mudou.
Schweitzer desenvolveu a teoria da escatologia coerente. A compreensão do caráter escatológico do reino de Deus parece ter-se constituído num traço familiar da vida de Jesus. Para ele a escatologia passa a ser não apenas a base do esboço biográfico da atuação de Jesus, mas com sua ajuda ele consegue também distinguir dois períodos. A ruptura é constituída pelo envio dos discípulos. Jesus, que se considera o Messias e que esperava ser estabelecido como o Filho do Homem, estaria imbuído de uma intensa expectativa da proximidade do reino de Deus. O segredo do reino de Deus, de que fala Mc 4.11, estaria relacionado com esta expectativa. A rejeição em Nazaré o teria motivado a enviar os discípulos. A seqüência das perícopes em Mc 6.1-13 é aqui, como também em outras passagens, considerada por Schweitzer como sendo rigorosamente histórica. Quando Jesus enviou seus discípulos à missão em Israel, estava convencido de que eles não retornariam mais para ele aqui na Terra. Desta maneira adquire importância central a passagem de Mt 10.23:
“Quando forem perseguidos num lugar, fujam para outro. Eu lhes garanto que vocês não terão percorrido todas as cidades de Israel antes que venha o Filho do homem.”
Esta profecia, que Schweitzer entende no sentido de um prazo determinado, não se realizou. Os discípulos retornaram a Jesus, e o aparecimento do Filho do Homem não se cumprira. Mas o segundo período, que se iniciava com uma decepção, não viu Jesus desistindo de sua obra, mas sim com mais disposição e com maior prontidão para marchar rumo a Jerusalém a fim de lá morrer (coisa de gente doida). Ele teria chegado à conclusão de que sua morte era necessária para a vinda definitiva do reino de Deus. Desta maneira, o problema da chamada protelação da parusia, para Schweitzer, teria sido responsável por tudo quanto veio a ocorrer em seguida.
Antes de falarmos da nova fase da busca pelo Jesus histórico, acho importante refletirmos um pouco sobre a importância de Adolf von Harnack para essa pesquisa. Apesar de não escrever uma Vida de Jesus, Harnack é importante para o exame que estamos empreendendo.
Segundo Tillich, Harnack (1851-1930) é “o pensador mais importante da escola ritschliana”. O teólogo em suas aulas dizia aos alunos que Harnack . . .
"era uma figura impressionante; basicamente, um historiador da igreja. Sua obra, História do dogma, tornou-se clássica. Qualquer estudante de história do pensamento cristão a reconhece. Todos os que vêm de tradições conservadoras sentem, sem admiti-lo, que os dogmas caíram, de certa forma, do céu. Se vocês lerem a História do Dogma de Harnack verão como os grandes credos – o apostólico, o niceno e o de Calcedônia – foram feitos. Para que eles fossem aprovados desenrolou-se tremendo drama histórico, vieram à tona intensas paixões humanas e sentiu-se a orientação divina providencial por detrás de tudo. Vocês sabem que os concílios de Nicéia e Calcedônia empregaram grande número de termos tirados da filosofia grega para formular os dogmas cristológico e trinitário. Harnack via nesse procedimento uma segunda onda de helenização. A primeira fora o gnosticismo. A segunda, a formulação do dogma antigo. A primeira fora rejeitada pela igreja. A segunda aceita e utilizada."
Tillich avalia o pensamento de Harnack e diz que “a pesquisa histórica de Harnack levantou uma série de problemas que ainda estão sendo discutidos hoje em dia na teologia. Ainda se fala na relação entre o cristianismo e o gnosticismo.
Tillich afirma que o cristianismo rejeitou o gnosticismo por uma razão. Os gnósticos não aceitavam o Antigo Testamento. Não lhes agradava a idéia de criação nem tampouco de bondade do mundo criado. Não acreditavam numa libertação do pecado etc. Para o cristianismo a liberação era da finidade e do pecado, e não da matéria com a qual vivemos. Em outras palavras, o cristianismo rejeitava o dualismo do gnosticismo: um dualismo entre um Deus superior e um anti-Deus.
Falemos agora sobre a “segunda onda de helenização”. Tillich reconhece que a igreja usava conceitos do mundo helênico (grego). A mensagem cristã tinha que ser proclamada por meio de categorias compreensíveis aos ouvintes. A igreja cristã se empenhou destemidamente nesta tarefa. Harnack criticou essa atitude, alegando que, dessa forma, o cristianismo se intelectualizava. Mas se enganou. Tillich critica a posição de Harnack:
"Minha crítica a Harnack fere precisamente esse aspecto. Quanto mais conhecemos a respeito do gnosticismo e da cultura helênica, nestes últimos cinqüenta anos, mais percebemos o engano de Harnack. Ele achava que helenismo e intelectualização eram a mesma coisa. Mas não eram. Nem mesmo se poderia fazer uma afirmação dessas sobre Platão, Aristóteles ou aos estóicos. As grandes filosofias se baseiam em exigências existenciais, oriundas de questionamentos para os quais representam respostas salvadoras. [...] Harnack estava certo ao identificar o processo de helenização, mas errado ao defini-lo como intectualização."
Qual a importância de Harnack para a pesquisa do Jesus histórico? A cristologia. Segundo Harnack, o uso de termos como ousia e hypostasis na construção dos dogmas oficiais trouxe elementos estranhos para o cristianismo. Segundo Tillich, esse processo não se originou nos concílios dos séculos quarto e quinto, pois já se manifestara entre os pais apostólicos, na geração contemporânea dos últimos escritos bíblicos. Sua importância aumentou com a elaboração, pelos apologistas, do conceito do logos.
O mais importante, contudo, é que Harnack julgou poder alcançar uma descrição razoavelmente acurada do homem empírico, Jesus de Nazaré, por meio dos métodos da ciência histórica. Para ele, seria possível chegar a uma definição do cristianismo original deixando-se de lado todos os acréscimos das congregações primitivas, de Paulo e de João.
Como reação a esse otimismo da crítica histórica surgiu o ceticismo histórico de R. Bultmann. Ceticismo não significa, aqui, dúvida de Deus, do mundo e do homem, mas dúvida sobre a possibilidade de alcançar o Jesus histórico por meio de métodos históricos. Assim passamos a examinar a segunda fase da pesquisa sobre o Jesus histórico.
Martin Kähler (1835-1912) não pertence propriamente à segunda fase da busca, mas exerceu forte influência em dois dos teólogos mais importantes do século XX: Karl Barth e Rudolf Bultmann.
A frase mais conhecida proferida por Kähler, “O Jesus histórico retratado pelos estudiosos modernos oculta de nós o Cristo vivo [...] o Cristo real é aquele que é pregado”, mostra que há uma tendência cada vez maior em se acentuar a separação do Jesus histórico do Jesus querigmático (ou da proclamação ou conhecido também como o cristo da fé).
Que relação existe entre o Jesus histórico e o Cristo da fé? Podemos separá-los? Deveremos aceitar a idéia de que o Cristo só pode ser alcançado pela fé? Podemos reagir de alguma forma em face das dúvidas produzidas pela pesquisa histórica aplicada aos escritos bíblicos? Kähler achava que os dois não podiam se separar: o Jesus histórico é o mesmo Cristo da fé. A certeza a respeito do Cristo da fé independe dos resultados históricos oriundos dos estudos críticos do Novo Testamento. A fé garante o que a pesquisa histórica jamais vai nos dar. De que modo a fé pode ter tanta certeza? Que, realmente, pode garantir? Esse é o problema.
Quem vai dar muita ênfase à solução desse problema é Bultmann (1884-1976). R. Bultmann, M. Dibelius e Karl Ludwig Schmidt foram os proponentes da Crítica da Forma. Esta nova visão está ligada à descoberta das leis, das formas e dos gêneros de narrativa que foram adotados no processo da gênese, formação e fixação dos evangelhos e das tradições neles incluídas.
Tillich diz que Bultmann combinava a pesquisa histórica radical com certa tentativa de sistematização. Chamava-a de “desmitologização”. Achava que deveríamos libertar a mensagem bíblica da linguagem mitológica em que se expressava para que o homem moderno que não aceita a visão de mundo da Bíblia possa, honestamente, aceitar a mensagem bíblica.
Tillich faz uma avaliação do programa desmitologizante de Bultmann que é importante citarmos na íntegra:
"Considerando que vocês todos conhecem o que Bultmann está tentando fazer, permitam-me mostrar-lhes minha crítica bastante amena a essa obra. Sinto que na maioria dos casos, estou ao lado de Bultmann. Mas ele não conhece o significado do mito. Tampouco sabe que a linguagem religiosa é e sempre deverá ser mitológica. Até mesmo quando afirma a ação de Deus em Jesus, confrontando-nos com a possibilidade de decidirmos a favor ou contra a existência autêntica, ainda assim emprega linguagem simbólica e mitológica. Ele não quer admitir uma coisa dessas. Mas é, de fato, o que faz. Já lhe sugeri que seria melhor falar de desliteralização do que de desmitologização, para dizer que os símbolos não podem ser tomados como expressões literais de eventos no tempo e no espaço. Essa tarefa precisa realmente ser feita porque dela depende a possibilidade da comunicação da mensagem cristã aos pagãos de nosso tempo, incluindo nós mesmos em virtude de pelo menos metade de nossa educação. Vivemos todos na fronteira entre o cristianismo e o humanismo. Nem mais somos capazes de falar de nós mesmos honestamente em termos bíblicos a não ser que os desliteralizemos."
A crítica que Tillich faz é perfeita. Esse teólogo também aborda um outro problema: a relação da teologia sistemática e a pesquisa do Jesus histórico. Em uma de suas aulas disse aos seus alunos:
"Se vocês lerem a sua [Bultmann] History of the Synoptic Tradition, perceberão o radicalismo de seu ceticismo e porque não pode chegar a resultados conservadores. Mas a teologia sistemática não quer saber se os resultados são conservadores ou radicais. Os historiadores que se opõem à Bultmann porque são mais conservadores empregam o mesmo método dele. Esses dois pólos, conservadorismo e radicalismo, na crítica de um lado como do outro não poderão ir além de meras probabilidades em questões históricas. E se as probabilidades forem mais positivas ou mais negativas em nada interferirão no problema fundamental da teologia sistemática."
Devido a isso, Tillich se mostra indiferente sobre a Nova Busca que estava sendo empreendida pelos discípulos de Bultmann: E. Käsemann e G. Bornkamm. Comenta o teólogo:
“São, obviamente, mais otimistas a respeito das probabilidades, mas os resultados de suas pesquisas não afetam a teologia sistemática.”
A única coisa que Tillich fala da Nova Busca é a deficiência dos seus critérios de historicidade. Ernst Käsemann achava que não era seguro afirmar a autenticidade de uma passagem que concordasse com o judaísmo daquela época ou com a comunidade pós-pascal. Esse era chamado de critério da dissimilaridade. Tillich critíca esse critério:
O fato de a maioria destas palavras de Jesus possuir um paralelo na literatura judaica contemporânea não constitui um argumento contra sua validez. Nem sequer é um argumento contra a sua singularidade e poder, quando aparecem em coleções como o Sermão da Montanha, as parábolas e as discussões com seus inimigos e seus seguidores.
Tillich está correto, pois esse critério é bastante equivocado. Não se pode conceber a separação de Jesus tanto do antigo judaísmo quanto do cristianismo primitivo. Esse critério ignora a interação entre o Jesus histórico e as antigas tradições sobre sua figura, além de ser um critério que dá ampla margem à subjetividade do investigador.
A crítica de Tillich à pesquisa acerca do Jesus histórico
Para Tillich a pesquisa acerca do Jesus histórico é problemática em face não das “deficiências passageiras da pesquisa histórica que um dia talvez sejam superadas”, mas em razão da natureza das próprias fontes, ou seja, a natureza dos evangelhos.
Segundo o teólogo, “os que nos falam sobre Jesus de Nazaré são os mesmos que nos falam sobre Jesus como o Cristo, ou seja, as pessoas que o receberam como o Cristo. Portanto, se tentarmos encontrar o Jesus real que está por trás da imagem de Jesus como o Cristo, é necessário separar criticamente os elementos que pertencem ao lado factual do evento e os elementos que pertencem à recepção. Ao fazer isso, esboça-se apenas uma “Vida de Jesus” – e fizeram-se muitos desses esboços. Em muitos deles colaboraram a honestidade científica, a devoção amorosa e o interesse teológico. Em outros são visíveis o distanciamento crítico e inclusive a rejeição malévola. Mas nenhum deles pode reivindicar ser uma imagem provável em que tenha desembocado o tremendo esforço científico dedicado a esta tarefa durante 200 anos. No máximo, eles são resultados mais ou menos prováveis, incapazes de fornecer uma base para a aceitação ou para a rejeição da fé cristã.”
Diante de tudo isso que Tiilich falou devo esclarecer alguns pontos. Primeiro devemos examinar qual a natureza dos evangelhos. Os evangelhos não são biografias de Jesus de Nazaré. Günther Bornkamm, nos concede um parecer muito satisfatório:
"Não existe uma segurança matemática na exposição de uma simples história de Jesus sem qualquer espécie de “retoque” da crença, embora seja tarefa da pesquisa fazer a diferenciação crítica dos estratos mais antigos e mais recentes da tradição. Não possuímos uma única sentença de Jesus nem uma única história de Jesus que não inclua, ao mesmo tempo – por mais intangível e autêntica que seja –, a profissão de fé da comunidade crente ou que, pelo menos, nela não esteja baseada. Isso torna difícil a busca de simples fatos históricos e não lhe dá grande perspectivas."
Os evangelhos são reflexões pós-pascais sobre Jesus, portanto, o material histórico contido nele está engolfado de tal forma no quérigma que torna impossível, agora, tal desmembramento. Portanto, correto está Bornkamm quando disse:
“Ninguém mais está em condições de escrever uma vida de Jesus.”
“Diante dessa situação”, diz Tillich, “tentou-se reduzir a descrição do Jesus histórico a seus traços “essenciais”; tentou-se elaborar uma Gestalt, uma forma estrutural, deixando seus traços particulares sujeitos à dúvida”. Entretanto, Tillich também não acredita ser possível a Gestalt. Para ele, “a pesquisa histórica não pode traçar uma imagem essencial depois eliminar todos os traços particulares, por serem questionáveis. Ela permanece dependente dos traços particulares. Conseqüentemente, as descrições do Jesus histórico em que se evita prudentemente a forma de uma ‘Vida de Jesus’ diferem tanto entre si quanto aquelas em que não se aplica tal auto-restrição.”
Mais à frente Tillich mostra porque se mantém cético quanto à procura do Jesus histórico:
A busca do Jesus histórico foi uma tentativa de descobrir um mínimo de fatos confiáveis sobre o ser humano Jesus de Nazaré, para que pudessem proporcionar um fundamento seguro à fé cristã. Essa tentativa fracassou. A pesquisa histórica apenas forneceu probabilidades maiores ou menores sobre Jesus. À base dessas probabilidades, esboçaram-se algumas “Vidas de Jesus”. Mas eram mais romances do que biografias e certamente não podiam conferir um fundamento sólido à fé cristã. O cristianismo não se baseia na ceitação de um romance histórico, mas no testemunho sobre o caráter messiânco de Jesus dado por pessoas que não tinham o menor interesse em uma biografia.
Novamente mostramos o ceticismo histórico de Tillich. Esse ceticismo está fudamentado sob a natureza dos próprios evangelhos que, segundo Tillich, não são crônicas históricas. Meier, renomado pesquisador do Novo Testamento, concorda:
"Os Evangelhos não são essencialmente obras de história, no sentido moderno da palavra. Seu objetivo, antes de tudo, é proclamar e reforçar a fé em Jesus como Filho de Deus, Senhor e Messias. Sua representação, do início ao fim, baseia-se na fé em que o Jesus crucificado ressuscitou dos mortos e retornará em glória para julgar o mundo. Ademais, os Evangelhos não pretendem nem afirmam proporcionar algo como uma narrativa completa ou mesmo um sumário da vida de Jesus. "
Tudo isso nos leva a concluir que nem mesmo teólogos cristãos que estão imbuidos da pesquisa acadêmica sobre o Jesus histórico acreditam que realmente os evangelhos são romances biograficos e históricos sobre Jesus designado como "o cristo".
Findo aqui minhas razões pessoais para tal.
Um Cordial abraço a todos que participam deste tópico.
Dr. Jekyll.