Pais e nutricionistas aprovam lei contra má alimentação; crianças torcem o narizA Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou na quinta-feira passada um projeto de lei que proíbe a comercialização de lanches e bebidas de alto teor calórico e que contenham gordura trans nas lanchonetes das escolas públicas e privadas do estado de São Paulo. O projeto de lei é da deputada Patrícia Lima (PR) e aguarda sanção do governador José Serra (PSDB).
Na prática, as crianças não poderão comprar coxinhas, chocolates, refrigerantes, salgadinhos, chicletes e outras "tranqueirinhas" na escola. Pais e nutricionistas aprovaram a nova lei, mas as crianças não gostaram.
A lei afeta radicalmente os hábitos alimentares delas. Seus alimentos mais desejados são o alvo direto da lei. Doces, refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos, sucos artificiais, balas, pirulitos e gomas de mascar são nominalmente citados e proibidos. A multa para quem não respeitar a proibição está prevista em 3 mil Unidades Fiscais de Referência (Ufirs).
"Acho muito chato porque a gente que é criança já está acostumada a comer porcaria desde pequena. É muito gostoso! Acho que vou ter dificuldade para me adaptar", protestou a pequena Francine, de 10 anos. Larissa, de 11 anos, já começou a se programar. "Vou ter que ir na loja de R$ 1,90 comprar tranqueiras. Gosto de salgadinho, hambúrguer, X-salada e batata frita."
Com opiniões completamente opostas, todas as mães e pais entrevistados pelo Último Segundo foram favoráveis à nova lei. Maria Angel achou "maravilhosa" a nova lei. "Não vão ter problemas de estômago e nem de obesidade." Roselene, que tem 4 filhos, inclusive, já fez as contas. "Elas vão comer coisas melhores e vai ficar mais barato!" Mais enfática, Severina disse que "isso já devia ter sido aprovado há muito tempo. Essas tranqueiras não deviam nem existir. Minha neta adora".
Gordura TransTrês nutricionistas que conversaram com nossa reportagem não apenas aprovaram a nova lei como defenderam que a gordura trans fosse proibida em todos os alimentos. Eles explicam que este tipo de gordura não é processada pelo organismo e se acumula nas artérias e veias, o que pode provocar infarto e derrame cerebral, além de engordar e reduzir o colesterol bom.
Por quê, então, se a gordura trans faz tanto mal, ela é tão produzida? Adriana Piva Lach, Coordenadora de Nutrição do hospital estadual Mario Covas, explica que a gordura melhora a 'palatividade", a textura e amplia o prazo de validade dos alimentos. "Por isso, as crianças adoram."
Essa substância existe praticamente só em produtos industrializados. Trata-se de uma gordura produzida. E, se houver disposição, pode ser eliminada dos alimentos, afirma Daniel Henrique Bandoni, nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da USP. Bandoni indica um exemplo de progresso. "As margarinas, que eram tidas como "referência" em colesterol ruim, passaram a ser produzidas sem gordura trans."
Alimentação saudávelA autora do projeto de lei e líder do PR na Assembleia Legislativa, Patrícia Lima, afirma que "estudos atuais comprovam que é na infância e na adolescência que se forma o hábito alimentar, e é na escola que elas dispõem de maior liberdade na escolha de seus alimentos. Dessa forma, a limitação de certos produtos comprovadamente nocivos à saúde é uma forma de auxiliar as famílias na educação alimentar de seus filhos e de zelar pela sua integridade ao longo da vida inteira".
Para ter uma alimentação adequada, a nutricionista Piva Lach orienta que as crianças substituam alimentos industrializados, como sorvete, batata frita, bolos e biscoito recheados, por alimentos assados, frutas, sucos e lanches naturais. "É uma questão de cultura. Os pais também precisam conscientizar os filhos. Não basta a lei."
O pediatra nutrólogo Fábio Ancona Lopez concorda com o argumento. "Proibir é uma coisa, mas, ao lado disso, deveria haver educação nutricional em sala de aula." Ele entende que, isolada, a lei deve gerar um resultado muito fraco. "Se a cantina da escola não tem coxinha, mas, no sábado, ele vai no aniversário do amigo onde tem gordura trans nos salgadinhos, ele vai querer comer."
Ancona Lopez acredita que, embora as crianças prefiram comidas mais gordurosas, se entrarem em contato com outras comidas, passaram a gostar. "É uma questão de hábito e de contato." Difícil? Ele explica como. "Eu indico para as mães que levem as crianças no supermercado, que mostrem como escolhem as frutas e que mostrem levem as crianças para a cozinha para ver como os alimentos são temperados. Não adianta dizer, tem que haver o contato entre a criança e a comida."
Bandoni, da USP, fala que "tem gente que fala que o filho não gosta de comida saudável. Mas muitas vezes o desinteresse do filho provém da formação de paladar que o próprio pai deu. Tem criança que recebe coca-cola na mamadeira com seis meses de idade."
Bons exemplosRaquel, de 11 anos, disse que aprova a medida. "Com essas comidas, as pessoas engordam e ficam doentes. Prefiro fruta a chocolate." A mãe, orgulhosa, disse que, na sua casa, sempre acostumou a filha a comer alimentos saudáveis. "Minha filha já se adaptou a comidas saudáveis. Ela só come chocolate na páscoa."
Davidson, de 9 anos, disse que achou "legal" a proibição. "Gosto de coxinha e salgadinho, mas não faço questão de comer todo dia. Prefiro suco a refrigerante." "Eles ficam mais saudáveis e nós gastamos menos", completa a mãe.
A lei "anticoxinha"O projeto de lei nº 1356, aprovado nesta quinta-feira (16) por acordo de liderança na Alesp, aguarda agora aprovação do governador de São Paulo, José Serra. Como Serra aprovou recentemente a polêmica lei "antifumo" e como foi ministro da Saúde, espera-se que sancione a nova lei. O gabinete da deputada Patrícia Lima acredita, porém, que escolas privadas pressionem o governador para que a lei recaia apenas sobre colégios públicos.
Além de proibir a comercialização de lanches, bebidas ou similares, de alto teor calórico e que contenham gordura trans, a lei nomeia exemplos: salgados de massas ou massas folhadas; frituras em geral; biscoitos recheados; salgadinhos e pipocas industrializados; refrigerantes e sucos artificiais; balas, pirulitos e gomas de mascar.
O texto cobra, ainda, que as lanchonetes coloquem à disposição dos alunos, no mínimo, dois tipos de frutas e que fixe um mural com informações dos benefícios da alimentação saudável. O não-cumprimento da lei pode gerar fechamento temporário do local e multa de 3 mil Unidades Fiscais de Referência (Ufirs). Uma vez aprovada, as escolas terão 90 dias para se adequarem.
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