No cristianismo e no kardecismo Deus é a autoridade moral máxima que existe. Chega-se ao cúmulo de dizer que ele é infinitamente bondoso, seja lá como seja possível medir a bondade ou, pior ainda, medir alguma coisa infinita; pois ao que eu saiba, as únicas coisas consideradas infinitas, as diferentes classes de números e de funções, o são por extrapolação e não porque alguém contou.
Entretanto bondade, assim como beleza, é um juízo de valor muitas vezes fundamentado em cultura, contexto, momento; não é uma grandeza objetiva e mensurável da qual ninguém possa discordar. Caso contrário haveria consenso entre as diversas religiões que se dizem portadoras da mensagem do Deus todo-bondoso, em vez de discordâncias a respeito de coisas tão básicas quanto como, quando e por que se deve fazer sexo.
Aquilo em que as religiões costumam concordar é no que diz respeito a regras absolutamente necessárias para evitar a desintegração da sociedade, como a proibição do assassinato, por exemplo; e ameaças tão práticas e imediatas como essa não carecem de revelação divina para serem coibidas.
Fugindo um pouco da questão sobre se as religiões refletem ou não a sabedoria divina, vamos fingir que acrediamos que existe um Deus bonzinho. Que parâmetros temos para dizer que ele é bom se foi ele quem criou as regras? Precisaríamos de uma ética universal independente dele para podermos avaliá-lo, caso contrário classificar Deus como bom seria classificar Deus como Deus, e ser bom se reduziria simplesmente a tentar ser parecido com ele. Até aí não há nada de errado; só o esvaziamento do conceito de bondade, visto que se Deus fosse um psicopata canibal nós consideraríamos esse comportamento muito gentil.
O que é bem curioso é a incrível coincidência cósmica que faz com que o modelo de comportamento que um Deus único que não precisa se relacionar com nada seja o modelo de comportamento inicial para seres humanos sociais que precisam se relacionar uns com os outros. A idéia de uma ética baseada no "toma-lá-dá-cá" selecionado naturalmente não soa muito mais simples e direta?
Outra coisa é que mesmo os maiores ditadores do nosso mundo real se achavam portadores da moral. Se Deus existisse e fosse um ser mesquinho e egoísta no modelo dos deuses gregos ele também não assumiria esse posto? E como poderíamos julgar o que é certo e o que é errado o momento em que um fanático explode dezenas de inocentes no metrô de Londres porque acha que é a vontade de seu Deus? Em vez de se discutir se é certo matar, deveríamos estar nos questionndo agora se a mensagem que ele recebeu de Deus é genuína ou não.
(P.S.: Sinal dos tempos - hoje em dia até o genoíno é falso...)