E infelizmente, ainda tem marido por aí que acha que isso é atribuição feminina, mas quando o salário dela entra em casa aí ela é uma igual. A verdade é que muitas mulheres ainda fazem jornada dupla. A grande maioria. Aqui é comum que vão pra roça juntos... agora é época de colher café. Mas quando chegam em casa, quem vai fazer janta, lavar roupa e louça e preparar a marmita para o outro dia é ela. Ele toma uma cachacinha e deita para assitir ao jornal.
(...)mulheres trabalhadoras trabalham mais nas atividades domésticas...
......porque seus maridos e irmãos em geral trabalham fora mais horas por semana, em locais mais distantes (gastam mais tempo e esforço para se locomoverem de casa para o trabalho e vice-versa) e em atividades mais laboriosas.
Nina, dê uma olhada na síntese dos indicadores da PNAD que está linkado. Se você fizer uma leitura global e não direcionada e se olhar os dados com isenção vai ver quão claramente esta estória da meia-jornada é uma das meias verdades de que eu estava falando.
Eu acho que cheguei a abrir um tópico falando específicamente deste tema mas ele não saiu do post inicial. Quando lemos a manchete no jornal
"Maioria das mulheres trabalhadoras tem dupla jornada, constata IBGE" nós criamos uma imagem mental que definitivamente não condiz com a verdade, por quê?
Basicamente porque o conceito do IBGE para "trabalhadores" é bem diferente daquele que nós temos e de igual modo quando lemos "serviços domésticos" temos uma visão menos ampla do que a que o Instituto adota.
Quando nós lemos esta matéria somos levados a visualizar a seguinte (e macabra) cena:
Quadro 1:Maria Fulana, 37 anos, 2 filhos, balconista, trabalha 44 horas por semana em um Shopping em Botafogo, mora no Chapéu Mangueira, recebe 650 reais por mês líquidos, quando chega em casa vai lavar, passar, cozinhar e dar banho nos filhos que estavam na casa da mãe.
João Ciclano, 32 anos, repositor de mercadorias, 44 horas semanais, mesmos filhos de Maria, casado com ela, 510 reais mensais, chega em casa, pega uma breja, faz um strip entre a cozinha e a sala, põe os pés na mesinha de centro, liga a tv. Se fosse esta a cena seria uma clara prova de que as mulheres são escravizadas em seus lares, eu não discutiria com você. Mas as informações que também estão lá nos resultados da PNAD (juntinhas com a carga horária de trabalho doméstico feminino) e que incrivelmente passam despercebidas são tantas que me irrita ver alguém falar em opressão por dupla-jornada de trabalho.
Vamos a elas:
1- O conceito de "trabalhador" para o IBGE é mais amplo do que o que se forma de imediato em nossas cabeças: a moça que vende sacolé na própria casa, a professora de catecismo da paróquia da praça, o técnico de eletrônicos que colocou uma plaquinha na porta de casa "
consserta-ce bissiclétas" mas que não recebeu nenhum cliente durante as duas últimas semanas, o sujeito que planta mandioca nos fundos do quintal pra deixar a dona Maria gordinha, o balconista de loja de conveniência, o funcionário público do paletó na cadeira e o advogado famoso com escritório no Humaitá são igualmente ocupados pelos critérios do IBGE.
2- Muito em função do critério acima descrito a média de carga horária de trabalho não doméstico feminina é muitíssimo inferior à média de carga de trabalho não doméstico masculina. De memória eu me lembro por exemplo que em 2006 enquanto 12% das mulheres ocupadas (segundo os critérios do IBGE) trabalhavam menos de 14 horas semanais entre os homens este percentual era de 3%. No outro extremo 25 por cento dos homens ralavam mais do que 49 horas por semana fora de casa, contra 12 por cento das mulheres.
3-Assim como ocupação para o IBGE não é só carteira assinada com jornada de 40 horas, trabalho doméstico para o IBGE não é só lavar pratos e preparar a sopa de legumes com carne (que aliás, é o que o machista troglodita aqui acabou de fazer

). O IBGE considera algumas atividades tipicamente masculinas e que não vêm à nossa mente naquela imagem imediata que nós criamos lá em cima: capinar o quintal, limpar a piscina, carregar as bolsas de compra...
4- Existe uma clara e inequívoca proporcionalidade entre o tempo de serviço não doméstico feminino e a assunção masculina de atividades domésticas. Isto é visto claramente quando se percebe que quanto maior for o nível educacional maior o índice de mulheres empregadas e maiores as suas jornadas semanais e, ao mesmo tempo, quanto maior a escolaridade dos homens, mais tempo eles gastam em atividades domésticas.
5- Homens gastam mais tempo com deslocamento de casa para o trabalho (por conta de trabalharem geralmente na indústria e na agricultura que têm postos de atividade menos espalhados) que as mulheres (que por trabalharem nos setores de serviço e comércio geralmente atuam mais próximo da residência, quando não na própria)
6-Homens são maioria nas atividades mais cansativas (indústria, extração) e mulheres nas menos cansativas (comércio, serviços, funcionalismo público)...
7- Et cetera, et cetera...
Revendo estes pontos nós somos obrigados a tirar aquela imagem equivocada do quadro 1 por diversas outras imagens possíveis e que expressam muito melhor e muito menos tendenciosamente o que verdadeiramente acontece nos lares brasileiros:
Quadro 2:Maria Fulana, 37 anos, 2 filhos, balconista, trabalha 44 horas por semana em um Shopping em Botafogo, mora no Chapéu Mangueira, recebe 650 reais por mês líquidos, quando chega em casa vai lavar, passar, cozinhar e dar banho nos filhos que estavam na casa da mãe.
João Ciclano, 32 anos, ajudante de obras, 40 horas semanais, mesmos filhos de Maria, casado com ela, 510 reais mensais, chega em casa, e divide todas as tarefas domésticas com Maria em condições de igualdade ou próximo a isso. Quadro 3:Maria Fulana, 37 anos, 2 filhos, desempregada, beata evangélica, trabalha voluntariamente 4 horas por semana como ministra de louvor da Igreja Metodista do Jardim Botânico, mora no Largo do Machado, lava, passa, cozinha e da banho nos filhos, faz a feira.
João Ciclano, 32 anos, tenente do Corpo de Bombeiros, regime de 24 por 72 horas, mesmos filhos de Maria, casado com ela, 4000 reais mensais, chega em casa, pega uma breja, faz um strip entre a cozinha e a sala, põe os pés na mesinha de centro, liga a tv. Vez por outra cuida das plantas. Nos domingos gosta de preparar a própria carne assada, receita de família aprendida com a vó turca.Quadro 4:Maria Fulana, 37 anos, 2 filhos, auxiliar de enfermagem, trabalha 30 horas por semana em um posto de saúde em Madureira, mora em Rocha Miranda, recebe 650 reais por mês líquidos lava, passa, cozinha e dá banho nos filhos, faz a feira.
João Ciclano, 32 anos, repositor de mercadorias, 48 horas semanais, mesmos filhos de Maria, casado com ela, 510 reais mensais, todo dia chega em casa, pega uma breja, faz um strip entre a cozinha e a sala, põe os pés na mesinha de centro, liga a tv. Entretanto, nos dias de folga sempre cuida do quintal e dá uma folga para Maria na cozinha.Quadro 4:Maria Fulana, 37 anos, 2 filhos, vende sacolé na própria casa, planta uns pés de couve no fundo do quintal pra consumo próprio, também cria umas galinhas que botam ovos para a gemada dos filhos, mora em Queimados (onde Judas perdeu as...), tem lucros mensais de cerca de 100 reais, lava, passa, cozinha e dá banho nos filhos, faz a feira.
João Ciclano, 32 anos, repositor de mercadorias, 48 horas semanais, mesmos filhos de Maria, casado com ela, 510 reais mensais, todo dia chega em casa, pega uma breja (quando tem), faz um strip entre a cozinha e a sala, põe os pés na mesinha de centro, liga a tv. Entretanto, nos dias de folga ajuda Maria a cuidar das galinhas, faz as compras do mês...É claro que aquele cenário do quadro 1 pode existir em uma ou outra casa, como também pode existir um quadro 5 onde a mulher só coce o dia inteiro enquanto o marido rala para dar a ela do bom do melhor, mas ao contrário do que está fixo no imaginário coletivo a regra é que a dupla-jornada de trabalho atinja homens e mulheres na mesma proporção, com a única diferença que mulheres vão trabalhar menos (em geral muito menos) fora de casa e trabalhar mais dentro dela enquanto os homens vão trabalhar mais (em geral muito mais) fora dela para trabalharem menos dentro... é isso que todos os dados da PNAD ser analizados em conjunto e não de forma tendenciosa indicam.
Se isto está certo? Eu acho que não. Eu acho que o ideal é que homens e mulheres tivessem papeis menos diferentes , que as mulheres trabalhassem mais fora de casa, que dividissem melhor a obrigação do sustento econômico... e que em contrapartida os homens dividisssem melhor as atividades domésticas, o cuidado dos filhos... mas com certeza a cena real não é tão horrível quanto o discurso fantasioso das mulheres escravizadas pela dupla-jornada de trabalho enquanto seus maridos coçam o saco.