Aviso 1: post longo.
Aviso 2: quando eu falar "sistema", entendam "sistema atual de educação".
Criticando o cara:
0a. A crítica dele do horário "industrial" usado nas escolas, é, ao meu ver, pertinente. E o fato do professor ser visto como um patrão cujo objetivo é treinar disciplina, idem. Mas aí ele cai em falsa dicotomia, "ou reforma ou substitui" (sim, falsa: descartou o "e se deixarmos como está?"*). Então, ele meio que ignora também o "e se reformarmos?", que só citou pra dizer que citou. E diz, triunfante: "é, precisamos substituir".** Há algo de muito errado na lógica desse cara.
0b. Ele falha em embasar as afirmações dele. Quais são os problemas do sistema de educação atual? Quais são os trunfos do mesmo? Ainda que a gente analise sob a ótica do mantra "mercado de trabaaaaaalhoooo", qual o problema em embutir horários nas crianças? Ele não diz, apenas diz que é reminiscente de um modo antigo de produção (fordismo***) dentro do capitalismo.
0c. A esposa de certa forma contradiz a opinião dele sobre obediência, ao falar do Japão e dos pais pedindo por "mais obediência". Ué, mas o sistema escolar atual não falha justamente nisso, pelo fato dos professores serem vistos como patrões?
0d. Finalmente, notaram que nenhuma das vezes ele falou da interação do indivíduo com a sociedade, da formação cultural do indivíduo, nem de nada que fosse útil apenas fora do mantra do mercado?
Acho que criticar apenas por criticar é algo que, embora válido, com o tempo torna-se vazio. Então, vou colocar aqui o que acho que deve ser feito no que se refere ao sistema de educação - não só o brasileiro ou o estado-unidense, mas no geral.
Em primeiro lugar, a produção de bens de consumos e serviços pode até ser importante, mas o ser humano não se resume a isso, nós não somos engrenagens e sim seres humanos. A escola, com seu papel central na formação de seres humanos, deve também: estimular o pensamento crítico e racional, a compreensão do meio em que vivemos (da vila ao Universo), embutir valores de convívio social, ensinar aos estudantes sobre cultura (a própria e as alheias)... bom, no tópico ../forum/topic=22009.0.html , resumi tudo isso em sete pontos que considero essenciais.
Em segundo lugar, devemos apontar quais são os erros da escola atual e suas conseqüências. Só porque algo é velho não quer dizer que seja ruim, tampouco que seja bom.
1. Critico no sistema:
1a. Os alunos são obrigados a decorar, ao invés de assimilar conceitos e saber empregá-los. Por exemplo, ninguém deveria decorar a fórmula de Bhaskara - e sim, saber como usá-la.
1b. O que se vê de cultura geral nas escolas é pífio. Mais uma vez, não estou falando de decorar os nomes das capitais do mundo, mas entender como as culturas variam e interagem entre si. Aborda-se um pouco em História, aborda-se um quase nada em Sociologia, e pronto, "vamos para a aula de Matemática, sim?".
1c. As explicações ficam muitas vezes só no teórico. Determinados conceitos (ainda que decorados) são utilíssimos, mas não é dado ao aluno que aplique no dia-a-dia, falta a conexão do teórico com o prático. Usando outro exemplo: o aluno sabe que cloreto+amônio = cloreto de amônio, sabe que é um sal sólido facilmente sublimável, sabe que ele é tóxico, mas ninguém ensina pra ele que é por isso que não se mistura Ajax com Q-Boa!
1d. Muito mais é feito atualmente pela punição e pelo castigo que pelo incentivo. O behaviourismo já adverte que isso gera aversão ao ambiente escolar.
1e. As normas morais da escola se metem no que não devem e não se metem no que devem. Se entupir de salgadinhos com alto teor de sódio e gorduras durante o intervalo pode, mas casalzinho, aaaah, não!*⁴
1f. O Ensino Médio agora só sabe repetir o mantra, "passar no vestibular", que combina absurdamente bem com o mantra mais conhecido, "mercado de trabalho". EM virou cursinho.
1g. Por último, mas não menos importante: há um grau generalizado de frustração quanto ao ensino em diversos alunos. Os que são mais avançados em determinado campo acabam se vendo entediados, tendo que esperar o resto; os que demoram mais a compreender determinado campo sente-se excluído, como se o professor "tratorasse" a matéria.
2. Tendo enumerado alguns problemas, vamos agora às raízes desses problemas.
2a. É fato conhecido que professor trabalha muito e recebe pouco. "Graças" a isso, muitos acabam obrigados a pegar vários turnos para dar aula (em alguns casos, manhã+tarde+noite). Agora, considerem que cada turno equivale a 20h/semana somente de aulas. Contem também o tempo que demora para montar uma aula, para corrigir provas e listas de exercícios, etc., e verão esse tempo subir para 30h/semana. Mesmo para "apenas" dois turnos, já é trabalho demais, não dá pra programar uma aula decente assim.
2b. Falta infra-estrutura nas escolas. Laboratórios, ginásios, entre outras diversas coisas que considero essenciais ao ensino estão ausentes na maioria das escolas. As salas são superlotadas, não pode-se dar uma aula para 40 ou 15 pessoas com a mesma qualidade, e é esse um dos motivos do decoreba - embora entender seja mais valioso, decorar itens específicos é mais rápido ao professor, já que a capacidade do aluno não precisa ser levada tão em conta.
2c. O sistema é pouco flexível, os alunos raramente têm opções de interferir nos próprios currículos escolares - aliás, nem os pais têm. Isso também gera parte da frustração no ensino: devo aprender aritmética junto a todo mundo, mesmo se eu já ensaio meus primeiros passos na álgebra? Devo repetir a matéria inteira (ou, em casos piores, todas as matérias) de um ano só porque não assimilei alguns conteúdos? Posso trocar de professor de História, pois me adapto melhor ao método do outro? Posso deixar Sociologia para o 3o ano, e estudar Filosofia agora no 1o?*⁵ Não, não, não, e não! Sem contar que, além dos estudantes aprenderem em ritmos diferentes, o método ótimo varia de estudante para estudante - auditivos, visuais, sinestetas*⁶.
2d. Os problemas do Ensino Superior alastram-se para o EM: os colégios foram transformados em cursinhos por causa do vestibular, que nem deveria existir*⁷, e os professores não recebem ES adequada para ministrarem aulas.
2e. As normas morais da escola não são definidas por estudantes, pais e mestres; mas sim, pela direção. Isso porque reunições da APM normalmente são fastidiosas, monótonas e carregadas de masturbação mental, ao invés de ir ao ponto.
Acho que as soluções que defendo são bastante óbvias pra todo mundo, então deixo-as em aberto.
Observações ("asteriscos"):
* - não que eu
defenda o sistema; como podem ver, critico o sistema tanto ou mais que ele. Entretanto, ele cometeu uma falácia lógica aqui,
em um ponto que deve ser analisado.
** - Sim, ele tá citando Bill Gates, mas e daí? A partir do momento que ele se apropria da idéia, deve defendê-la também.
*** - Sei que o fordismo só surgiu depois do modelo escolar atual, entretanto, o período do qual ele fala já ensaiava seus passos em direção à linha de montagem fordiana.
*4 - Não falo em nenhum momento para proibir salgadinhos e comidas insalubres; e sim, que
algo deve ser feito em relação à alimentação. Sugiro três coisas quanto a isso: informação, informação e mais informação.
*5 - No meu tempo, a gente só tinha aula de Filosofia, e não de Socio; mas, mesmo que o exemplo esteja defasado (não sei como anda a grade curricular atual), continua perfeitamente inteligível.
*6 - Sinestetas: aqueles assimilam mais em contato com a prática. Auditivos: aqueles que assimilam mais com explicações verbais. Visuais: aqueles que assimilam mais com infográficos e texto escrito.
*7 -
No lugar do vestiba, linha de corte+capacidade nas universidades para mais estudantes já seria de bom grado.
Rambo: o cara é escritor e futurista; não é pedagogo, nem psicólogo, nem sequer professor, ao que entendi. E tem cara de ser toyotista.
Posso estar errado nas três afirmações.