A história é a seguinte: duas colegas minhas perderam as mães recentemente. Compreensivelmente ficaram mortificadas de luto e naturalmente recorreram à religião. O que me colocou para pensar é que a colega cuja perda é mais recente postou uma mensagem enigmática no 'Conte algo para seus amigos' do Orkut que dizia "Mãe, NEOQEAV." Fui pesquisar o que essa sigla estranha queria dizer e encontrei facilmente no Google um texto extremamente sentimental sobre dois velhinhos que se amavam de dar nojo que viviam dizendo NEOQEAV um pro outro e pra lá e pra cá. No final se revelava que a sigla queria dizer "nunca esqueça o quanto eu amo você."
Claro que me senti triste pela situação, mas não pude evitar o pensamento de que só fazia sentido ela dizer isso para si mesma, para nunca se esquecer de seu amor por sua mãe, já que sua mãe não existia mais naquele momento e não podia mais não se esquecer do que quer que fosse. E claro que depois de pensar isso eu me senti um jumento insensível, e ainda bem que não havia ninguém por perto para a minha boca grande e cheia de bactérias não denunciar essa verdade da vida para mais ninguém.
O fato é que uma coisa que sempre me causou algum estranhamento nos meus colegas de faculdade é a aparente devoção que eles cultivam pela família. Não apenas essas colegas que perderam as mães, mas também os colegas com pais bem vivos parecem ter uma ligação bem maior com seus pais do que eu com os meus, por exemplo, muitos deles parece que ficam doentes se passam um mísero mês sem voltar a suas casas para visitar os seus pais, enquanto que para mim (até por estudar longe de onde meus pais moram), aguentar um semestre ou até um ano inteiro sem ver meus pais não é nenhum sacrifício. E geralmente são eles que ligam para mim, pois se não estiver faltando dinheiro na conta eu esqueço de falar com eles (eu sei, eu sou horrível

)
Ah, sim, e mais de um colega meu tem aquelas comunidade breguíssimas do Orkut "Eu amo muito os meus pais" e "Eu amo os meus irmãos."
Enfim, em cima de tudo isso eu pensei uma coisa. Eu me imaginei discutindo com essa colega cuja mãe faleceu, eu a imaginei proferindo aquele clássico argumento: "Você não crê em Deus porque nunca perdeu ninguém que ame, se isso acontecer com você eu aposto que você vai recorrer a Ele." De tanto ouvir isso e variações, eu já tenho meia-dúzia de boas respostas para dar. Mas pensando um pouco além das palavras prontas e ensaiadas, eu descobri que há um motivo que na verdade me torna imune a esse argumento: eu não amo ninguém assim. Nem meus pais, nem avós, nem irmão, nem namorada, ninguém. Não que eu não goste de ninguém, eu respeito os meus pais e até gosto do meu irmão, tenho muitos amigos, mas eu não posso dizer que
amo alguém assim em negrito. A morte de quem quer que seja não vai abalar meu ateísmo, porque não existe ninguém que eu ame tanto assim a ponto de eu me ver caindo em negação, fantasiando que essa pessoa não morreu de verdade, que ela está viva em algum lugar, me olhando e esperando para me reencontrar. Eu entendo perfeitamente que alguma pessoa se sinta assim, mas eu não me vejo sendo essa pessoa.
É lugar comum aqui que a religião tem ligação com o medo da morte. Mas que morte? Se a gente pensar bem, na maior parte das vezes a gente não pensa na morte. Para continuarmos vivos, parece que na maior parte do tempo temos que esquecer que um dia vamos morrer. Só assim conseguimos focar nas coisas pequenas que nos preocupam... tipo as contas a pagar, a prova que vou fazer na faculdade, se meu time vai ganhar no Domingo ou se vou conseguir transar com aquela menina ali. Mas é claro que um dia a morte acaba alcançando a gente. E geralmente não somos nós mesmos que morremos, primeiro morre aquele avô que estava velhinho ou aquela tia que estava doente, a morte vai nos cercando aos pouquinhos e é quase certo que bem antes de ela nos levar, ela vai levar alguém que você ame (isto é, se você é o tipo de pessoa que ama alguém...)
Então me perguntei, se a religião surge do medo da morte, será que antes de ser do medo da nossa própria morte, ela não vem do medo de perdermos quem amamos? Da nossa vontade de nunca perdê-los, da vontade de ter segurança que nada vai nos separar deles? Será as pessoas não creem em vida após a morte um pouco mais pelo desejo de conservar esses laços de amor? E será que esse meu desapego não tem alguma relação com meu ateísmo? Será que para mim, por não ter essa enorme barreira, seria mais fácil chegar ao ateísmo? Eu fico imaginando as minhas amigas que perderam suas mães, renunciar à fé para elas equivale a renunciar ao amor que elas têm pela pessoa mais querida de suas vidas. Para mim, renunciar à fé equivale a não precisar mais acordar cedo no Domingo e a me masturbar com mais privacidade.
Eu pergunto então aos meus colegas aqui... será que entre outros ateus eu faço parte da regra ou da exceção? Por isso a pergunta sobre a relação com a família. Na verdade eu falei família de forma meio genérica, pode ser seus amigos mais próximos, namorada, esposa... o que eu quero saber mesmo é: qual era o tamanho dessa sua barreira de amor, dessa sua vontade de nunca, jamais perder a pessoa que você mais amava na vida quando você se descoverteu?
Que tópico emo...
