Geotecton, eu não aguento mais ouvir falar que esse número de terremoto indica que Ele está voltando, fim do mundo e bla bla bla. Eu gostaria de pedir um favor que você falasse um pouco mais sobre isso, se não for incomodo.
Caro Calberto.
Vamos começar por saber o que é um terremoto. Ele é, em essência, uma agitação pontual na crosta terrestre seguida da liberação de energia mecânica sob a forma de ondas e com algum calor subordinado. Eles são produzidos pela mudança no campo de tensão na crosta terrestre, cujos principais motivos decorrem de: impactos de corpos exoplanetários, explosões vulcânicas, deslizamentos, induzidos por atividades humanas e por tectonismo, sendo este último, de longe, o mais importante, tanto pelas magnitudes como pela frequência de ocorrências.
Os terremotos tectônicos ocorrem sempre na superfície de uma descontinuidade estrutural ('plano de falha'), como as fraturas e, principalmente, nas falhas, nas quais há um deslizamento de um maciço rochoso em relação a outro. Os terremotos deste tipo tem uma história quase tão antiga quanto a própria Terra, sendo plausível admitir que eles são produzidos desde o momento que a primeira crosta se formou e fraturou há mais de 4,4 bilhões de anos.
Nos primeiros 100 milhões de anos do planeta não havia crosta ou ela era muito instável, sendo re-absorvida pelo material mantélico, que aflorava na, então, jovem Terra. Infelizmente não se conhece nenhum fragmento preservado da crosta inicial, sendo que há um consenso entre os geólogos, que de tal crosta nada foi preservado.
O fragmento de crosta mais antigo que se tem conhecimento, é constituído de rochas do tipo
greenstone belt situadas no nordeste do Canadá, e que teve a idade mensurada em 4,2 bilhões de anos. Nestas rochas não há nenhum indício de que tenham sofrido algum tipo de falhamento causado por terremoto. E não poderia ser diferente, pois estas rochas representam porções da crosta que sofreram intensa deformação dúctil e metamorfismo e que obliteraram qualquer estrutura rúptil, típica de terremotos.
Alguns pesquisadores admitem a atuação da Tectônica de Placas já a partir de 4,2 bilhões de anos. As rochas do tipo
greenstone belt estão associadas, em todos os afloramentos conhecidos, às estruturas observáveis na atual Tectônica de Placas. Então é muito razoável a premissa de que tais rochas representam uma evidência da atuação da Tectônica de Placas na porção média do éon Hadeano.
Há um consenso na comunidade geológica, que a atuação da Tectônica de Placas pode ser reconhecida sem qualquer dúvida a partir de 3,4 bilhões de anos, quando ocorreram diversos
Ciclos de Wilson resultando no mais antigo supercontinente, o Kenorano, que teve a sua crosta continental consolidada com idade estimada em cerca de 2,6 bilhões de anos AP.

Figura esquemática de um Ciclo de Wilson.
Desde então foram formados pelo menos mais quatro supercontinentes, a saber: Colúmbia (2,4 bilhões de anos AP), Rodínia (1,1 bilhões de anos AP), Pannotia (630 milhões de anos AP) e Pangéa (237 milhões de anos AP). Em todos estes supercontinentes, subprodutos de diversos ciclos tectônicos, ocorreram terremotos de magnitude elevadíssima. O mesmo ocorreu, é claro, nas margens ativas de todos os continentes que existiram em cada intervalo do tempo geológico.
Pois bem Calberto.
Até este ponto eu relatei alguns aspectos de evidências indiretas de que grandes terremotos ocorrem desde o início do processo que levou à formação do primeiro supercontinente há cerca de 3,4 bilhões de anos. Eu considero esta retrospectiva importante para uma discussão com os criacionistas, embora eu avalie que 99,9% deles não entendam “lhufas” do que foi escrito até aqui.
Agora vindo do final do Mioceno (5,3 milhões de anos AP) até o presente, há bons indícios de que não houve um aumento de atividade sísmica tectônica, embora tenham ocorrido períodos de maior ajuste e alívio de tensões tanto nas margens ativas (zonas de subducção) como nas regiões intra-placas.
Por exemplo, não se conhece nenhuma nova estrutura tectônica de porte significativo que tenha se formado do Mioceno até hoje, o que demonstra que os maiores acúmulos de tensão estão sendo absorvidos nas atuais estruturas. Este é um dado científico e não um “achismo” de criacionistas apedeutas em Geologia.
Outros dois aspectos importantes já descritos pelo Contini, Derfel e Gigaview são: a nossa
percepção do fenômeno e a melhora substancial na capacidade de coleta e rapidez de análise dos dados sismológicos.
O primeiro aspecto está intimamente ligado tanto à instalação de comunidades humanas em locais de alta incidência de terremotos, quanto à atual imensa capacidade de transmissão de notícias sobre eventos naturais humanamente catastróficos. Isto sugere para a população, que hoje estaria ocorrendo mais terremotos do que antes, suposição esta sem base científica.
Eis um trecho de um interessante texto do USGS que aborda exatamente estes problemas:
Why are we having so many earthquakes? Has earthquake activity been increasing? Does this mean a big one is going to hit? OR We haven't had any earthquakes in a long time; does this mean that the pressure is building up?
Although it may seem that we are having more earthquakes, earthquakes of magnitude 7.0 or greater have remained fairly constant throughout this century and, according to our records, have actually seemed to decrease in recent years.
There are several reasons for the perception that the number of earthquakes, in general, and particularly destructive earthquakes is increasing.
[…]
a) The population at risk is increasing. While the number of large earthquakes is fairly constant, population density in earthquake-prone areas is constantly increasing. In some countries, the new construction that comes with population growth has better earthquake resistance; but in many it does not. So we are now seeing increasing casualties from the same sized earthquakes.
b) Better global communication. Just a few decades ago, if several hundred people were killed by an earthquake in Indonesia or eastern China, for example, the media in the rest of the world would not know about it until several days, to weeks, later, long after such an event would be deemed �newsworthy�. So by the time this information was available, it would probably be relegated to the back pages of the newspaper, if at all. And the public Internet didn't even exist. We are now getting this information almost immediately.
c) Earthquake clustering and human psychology. While the average number of large earthquakes per year is fairly constant, earthquakes occur in clusters. This is predicted by various statistical models, and does not imply that earthquakes that are distant in location, but close in time, are causally related. But when such clusters occur, especially when they are widely reported in the media, they are noticed. However, during the equally anomalous periods during which no destructive earthquakes occur, no one deems this as remarkable.
[…]
Fonte: USGS.
O segundo aspecto está relacionado ao expressivo aumento na nossa capacidade de estudar os terremotos, tectônicos ou não. Nos anos de 1930 existiam menos de 400 estações sismológicas ao passo que em 2008 já existiam mais de 4.100. Até 1978 não existiam nem estações de GPS e nem sensores à
laser para medir os deslocamentos e deformações crustais associados aos terremotos, equipamentos que hoje são abundantes em diversas instituições de pesquisa.
Eis outro trecho do texto do USGS que aborda o aspecto supra:
Why are we having so many earthquakes? Has earthquake activity been increasing? Does this mean a big one is going to hit? OR We haven't had any earthquakes in a long time; does this mean that the pressure is building up?
[…]
A partial explanation may lie in the fact that in the last twenty years, we have definitely had an increase in the number of earthquakes we have been able to locate each year. This is because of the tremendous increase in the number of seismograph stations in the world and the many improvements in global communications.
In 1931, there were about 350 stations operating in the world; today, there are more that 4,000 stations and the data now comes in rapidly from these stations by telex, computer and satellite. This increase in the number of stations and the more timely receipt of data has allowed us and other seismological centers to locate many small earthquakes which were undetected in earlier years, and we are able to locate earthquakes more rapidly.
[…]
Fonte: USGS.
Por fim, Calberto, eis mais duas informações importantes do USGS.
Primeira. Repare no quadro abaixo, que o número anual médio de grandes terremotos registrados é menor que 20, desde o ano de 1900. Observe também na atual imensa capacidade de detecção, demonstrada pelo número de terremotos registrados, condição esta inexistente há menos de 100 anos.
Magnitude Average Annually
8 and higher 1
7 - 7.9 17
6 - 6.9 134
5 - 5.9 1319
4 - 4.9 13,000 (estimated)
3 - 3.9 130,000 (estimated)
2 - 2.9 1,300,000 (estimated)
Fonte: USGS.
Segunda. Entre 1969 e 2010 apenas em quatro anos (1992, 1995, 1997 e 2004) o número de grandes terremotos excedeu a média histórica iniciada em 1900.
Estes são sólidos argumentos para desmontar as afirmações místicas e religiosas criacionistas de que “estaria havendo um maior número e uma maior intensidade dos terremotos e por isto o final dos tempos está próximo”.
É clara, suficiente e satisfatória esta explicação, caro Calberto?