DUAS LIÇÕES DE MORAL
Jornal do Comércio, 26/07/2005
Percival Puggina
"Neste país está para nascer alguém que venha discutir ética comigo". Esta frase do presidente Lula não me sai da cabeça. Não que eu tenha tempo a perder numa debate com Sua Excelência sobre o elevado tema. Mas pela surpresa que me causam as picaretas, cunhas e cordas que ele afirma ter usado, nas escarpas da vida, para escalar e cravar sua bandeira no cume da moralidade nacional. Ele as explicitou: "Sou filho de pai e mãe analfabetos, minha mãe não era capaz de fazer o "o" com um copo. E o único legado que deixaram, não apenas para mim mas para a família, era que andar de cabeça erguida é a coisa mais importante que pode acontecer com um homem e uma mulher".
Pronto! Eis aí, entre as discordâncias de tempos verbais, o certificado de garantia da própria idoneidade que nos fornece o esclarecido chefe de Estado. A mãe não sabia fazer o "o" com um copo (que indelicadeza, presidente!) e, junto com o marido, o ensinou a andar de cabeça erguida.
Fiquei numa situação complicada pelos dois lados. Meus pais não eram analfabetos e nunca me deram lições sobre andar com o queixo apontando para a lua. Seus ensinamentos morais tinham vertente e conteúdo bem diverso desses que servem como pedestal ao presidente. Eles me falavam de outras coisas. Lembro-me bem delas e cito algumas: a) deves buscar o bem e evitar o mal; b) não faz aos outros o que não gostarias que te fosse feito; c) exerce tua liberdade com responsabilidade; d) não justifica teus erros com os erros alheios; e) não assumas tarefas para as quais não estejas preparado; f) diz sempre a verdade; g) evita as más companhias.
Meus pais foram estudar e deu nisso. Aprenderam e ensinaram tudo errado. Chequei a lista deles e enquadrei o presidente como infrator de todos esses princípios. Mas isso não o impede de se exibir como referência para a nação. Realmente não dá para discutir ética com esse homem imaculado, que já se proclamou sem pecados, santificado por um fio de prumo. Talvez seja por essa empinação toda, de tanto olhar para cima, que seu governo ande aos tropeções.