O Espiritismo não é uma doutrina tão unificada como muitos possam imaginar. Ao contrário, o espiritismo está dividido em diversas correntes, ramos e seitas, muitas vezes discordantes entre si. É o que afirma o historiador Waldon Volpiceli Alves, que escreveu um livro intitulado Espiritismo de A a Z, um livro em forma de dicionário que retrata não só as crenças básicas do espiritismo como também retrata seus diferentes movimentos. Segundo o historiador o termo “espiritismo” não foi inventado por Allan Kardec, mas já era um dos vários nomes utilizados, no século 19, para se referir ao New Spiritualism, um movimento religioso surgido nesta época nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França de resgate de antigas crenças que tinham na comunicação com os espíritos um dos seus ingredientes. O próprio kardecismo, nome da doutrina que surgiu com Kardec, pode ser considerado um dos muitos ramos que surgiram a partir do movimento do New Spiritualism, embora Kardec considerasse espírita não os que seguiam sua doutrina, mas todos aqueles que acreditassem na comunicação com os espíritos independentemente de sua filiação religiosa. Kardec inovou ao propor a reencarnação como uma das crenças do movimento o que não foi aceito por outros membros do espiritismo (segundo o livro o espiritismo inglês, por exemplo, não tem a reencarnação como uma de suas crenças). O New Spiritualism conseguiu atrair grandes nomes na época como Arthur Conan Doyle (o criador do detetive Sherlock Holmes), o escritor Victor Hugo e o químico inglês, descobridor do tálio, William Crookes, entre outros, cujas biografias, bem como o envolvimento deles com o espiritismo, estão relatadas no livro. Ainda segundo o historiador o próprio kardecismo se dividiu em diversos ramos ao chegar ao Brasil e ele sofreu também a concorrência de outros espiritismos como o Roustainguismo, um movimento espírita que surgiu também na França, criado pelo advogado francês João Batista Roustaing e que teve Bezerra de Menezes como um de seus principais simpatizantes. “Bezerra de Menezes afirmava, por exemplo, que Roustaing veio completar a obra de Kardec”, afirma Waldon. O historiador ainda afirma que nem Chico Xavier, ao contrário do que muitos possam imaginar, é uma figura unânime entre os espíritas. “Muitos não aceitam os seus escritos”, afirma. A seguir as principais correntes do espiritismo segundo o livro (em ordem alfabética):
Armondismo: ramo do espiritismo criado por Edgard Armond, um militar paulista. Adepto do esoterismo e do gnosticismo, chegando a se tornar maçom, Armond tentou unir o kardecismo a estas filosofias, mesclando-as entre si.
Dialéticos: ramo do espiritismo criado pelo argentino Manuel Porteiro. Aceitam as crenças do kardecismo, mas não rejeitam totalmente o fatalismo, afirmando que o livre-arbítrio depende da lei da causa e efeito. Afirmam também que o ser humano é o ápice da evolução.
Espiritismo Cientifico: também chamado espiritismo laico. Grupo de espíritas surgido no Brasil no século 19 liderados por Afonso Angeli Torteroli. Acreditavam que o espiritismo era não uma religião, mas uma doutrina cientifica com as crenças de Allan Kardec passíveis de serem questionadas. Enfrentaram forte oposição na Federação Espírita Brasileira, principalmente quando Bezerra de Menezes a presidiu. Os espíritas científicos criaram o chamado Centro Espírita de Propaganda, distanciando-se dos kardecistas.
Espiritismo Inglês: também conhecido por espiritismo anglo-saxão. É o espiritismo que se expandiu na Inglaterra e nos Estados Unidos, encontrando também entrada no País de Gales. Eles se diferenciam do kardecismo por negarem a reencarnação, embora uma grande parcela dos espíritas ingleses a aceite. Crêem na comunicação com os espíritos e em Deus, acreditando que os espíritos maus, depois de desencarnados, serão punidos por Deus em uma crença parecida com a do Juízo Final.
Kardecismo: é o chamado espiritismo ortodoxo, a crença que se baseia totalmente nas teses de Allan Kardec. (Segundo o livro o kardecismo tem duas principais vertentes: o espiritismo cristão que considera o espiritismo um ramo do cristianismo e o chamado espiritismo pagão, criado por Carlos Imbassahy, que nega a fundamentação cristã do espiritismo)
Racionalismo Cristão: também conhecido por Espiritismo Racional e Cientifico Cristão ou espiritismo redentor, pois seus centros tem sempre o nome redentor em suas fachadas. Ramo do espiritismo criado em 1910 pelo português Luiz José de Matos Chaves Lavrador que morava no Brasil. Apesar de ter o nome “cristão” o Racionalismo Cristão rejeita a bíblia como livro sagrado aceitando Jesus Cristo apenas como um homem comum. Crêem na reencarnação, possuem médiuns, mas rejeitam o kardecismo, principalmente o ramo do espiritismo cristão. Aproximam-se dos espíritas científicos ao considerarem o espiritismo não uma religião, mas uma ciência, mas se diferenciam deles por acreditarem em reencarnação (os espíritas científicos não negam a reencarnação, mas também não afirmam sua existência, pois a consideram crença vinda de fé).
Ramatisianismo: ramo do espiritismo que segue os ensinos do espírito-guia do médium Hercílio Mães, chamado de Ramatis. Os ramatisistas, como são conhecidos, afirmam que Jesus era na verdade um anjo que servia de médium a um espírito chamado Cristo Planetário. São também vegetarianos e tem ligações com o gnosticismo e o esoterismo.
Renovação Cristã: ramo do espiritismo brasileiro que rejeita a chefia da Federação Espírita Brasileira, bem como o kardecismo. Autodenominam-se também como Grupo Espírita Bezerra de Menezes. Alegam que o kardecismo se tornou muito sincrético e cheio de divergências doutrinárias. Apesar da oposição ao kardecismo a Renovação Cristã se reúne em centros e aceita a comunicação com os espíritos.
Roustainguismo: doutrina criada por João Batista Roustaing, um advogado francês contemporâneo de Allan Kardec. Aceitam as crenças do kardecismo ortodoxo, mas acreditam que Jesus não veio em corpo físico à Terra, mas apenas como espírito. O Roustainguismo se espalhou principalmente no Brasil chegando a entrar em choque teológico com o kardecismo. Bezerra de Menezes simpatizava com a doutrina a ponto de levar vários roustainguistas à Federação Espírita Brasileira. No entanto acabaram perdendo força na FEB e praticamente se extinguiram.
Ubaldismo: ramo do espiritismo baseado nos ensinos do médium italiano Pietro Ubaldi que chegou a morar alguns anos no Brasil. Seus seguidores o consideram a reencarnação de São Pedro. O ubaldismo é panteísta, mas admite a reencarnação.
Umbanda: ramo do espiritismo surgido no Brasil no começo do século 20. Reúne crenças africanas, oriundas do candomblé, do kardecismo e do catolicismo. Assim como os kardecistas crêem na reencarnação, possuem médiuns que normalmente usam roupas próprias de cunho sacerdotal e praticam a caridade, embora venerem também os deuses, ou orixás, do candomblé.