[...] A evasão escolar masculina é imensamente maior do que a feminina, este sim é o grande ponto para explicar a dianteira que as mulheres estão tomando nos mapas educacionais do Brasil e de todo o mundo ocidental. [...]
Eu não sei muito a respeito, não me lembro de ter ouvido falar de ter sido levado em conta esse fator -- que nem sei se é tão real assim*.
Boas Buck.
Consideremos os
dados da PNAD09 (a PNAD é uma pesquisa tão ampla e bem-feita, quando leio os jornais fica parecendo que ela só tem 3 temas: proporção de lares sustentados por mulheres, participação masculina nos afazeres domésticos e morte de jovens
): em 2009 haviam 886 mil meninos menores que 14 anos ocupados (lembrando que "ocupado" para a PNAD vai de vendendo picolé 1 vez por semana na praia sentadinho debaixo da sombra do coqueiro até quebrando pedra todo dia debeixo de sol numa mineradora irregular do Nordeste passando por dando aula de catecismo gratuitamente 2 vezes por semana ou trabalhando de carteira assinada como atriz de telenovelas ou ajudando a mamãe a confeitar o bolo depois que chega da escola para ganhar uns trocadinhos pra ir no cinema com o namoradinho; e lembrando também que segundo a mesma PNAD os trabalhos mais
longos e
cansativos são deixados aos meninos, o que não vem tanto ao caso... mas pra falar a verdade vem sim porque deixa de ser só uma questão de "tem o dobro de meninos trabalhando em relação às meninas" para ser uma questão de "tem o dobro de meninos trabalhando em relação às meninas considerando que aqueles ainda trabalham mais tempo e em atividades mais pesadas que estas e portanto mais favoráveis à evasão escolar").
Bom, mas voltando: segundo a PNAD09 eram 886 mil meninos trabalhando no Brasil contra 432 mil meninas, isso na faixa de menos de 14 anos. Note que esta é também a única faixa etária em que a número de homens trabalhando equivale a
mais que o dobro de mulheres trabalhando e que a diferença vai diminuindo exatamente ao passo que as faixas etárias vão avançando. Sério, não precisa ser doutor em Estatística com pós-doc em Estudos de Gênero para encontrar uma correlação entre estes números, uma evasão escolar maior no gênero masculino e um mais longo avanço das meninas na vida escolar tendo como resultado um maior número de mulheres nas faculdades.
Me lembro de uma matéria que li no Universia em espanhol muito bacana, o titulo era algo como "Evasão escolar atinge mais gravemente pais adolescentes do que mães precoces" ou alguma coisa assim e era baseada nas PNADs da América Latina afora. O que a matéria afirmava, baseado na análise dos dados censitários de cada pais era algo que me é um pouco mais que óbvio. A maioria das meninas que engravidam perdem 1 ou 2 anos de estudo, o ano do parto e eventualmente o ano subsequente ao parto, depois voltam para terminar os estudos. Os seus namorados, geralmente também adolescentes, dizia a matéria com base em dados de pesquisas como a PNAD feitas pela América pobre, e que me parecem coerentes com a realidade, em uma proporção muito maior que as meninas, abandonam
definitivamente os estudos para poderem "cuidar da nova família". Já procurei o link desta matéria para postar aqui mas não acho mais, acho que até já linkei em algum destes zilhões de tópicos em que falo de feminismo mas isso não ajuda muita coisa, é mais fácil procurar no Google
(ps: encontrei o link, mas infelizmente parece que a matéria foi retirada do ar, o link era
esse)
De qualquer forma é possível com algum esforço encontrar alguma coisa neste sentido:
Marília Pinto de Carvalho (2003) discute três fatores que possivelmente explicariam as diferenças nos níveis de escolarização e aproveitamento de meninos e meninas na escola: O primeiro se refere à evasão masculina em função da participação nas atividades produtivas e no mercado de trabalho. O segundo, diz respeito à incompatibilidade entre os modelos de masculinidade socialmente construídos e aprendidos na família e as exigências escolares30. E o terceiro, diz respeito à tendência das instituições escolares em atribuir o fracasso escolar ao trabalho ou à família, eximindo-se da responsabilidade e impedindo a criação de um espaço de reflexão sobre as atitudes dos/as educadores/as e das crianças nos espaços escolares e as variadas práticas que possibilitam a formação de modelos
femininos e masculinos.
Íntegra
A evasão escolar masculina decorre principalmente da inserção no mercado de trabalho, por volta dos 13 anos, trabalho esse marcado por uma grande variedade de ocupações, em especial no mercado informal. Sua renda é dedicada, em parte, ao sustento da família, mesmo que coabitando com os pais. Quando experimentavam a paternidade na adolescência, os jovens tinham maior experiência de emprego e menor frequência aos estudos, quando comparados aos de classe média. Dentre as moças, o abandono parece ser temporário, marcado por interrupções e retornos à vida acadêmica.
Íntegra
Embora em alguns momentos as frases dos quotes estejam idênticas as minhas eu juro que não tinha lido os textos quotados (e nem li os estudos, só digitei "evasão escolar masculina" no Google e peguei estas quotagens nos resultados da primeira página) antes de escrever o comentário acima.
É, de qualquer forma, interessante que estes estudos citados, ambos, na verdade sejam estudos "feministas" ( são artigos de alunas de pós das faculdades de Educação da UFMG e de medicina da Federal Gaúcha respectivamente entitulados CONHECENDO A VIDA
DAS MULHERES XAKRIABÁ e ABORTO E VIOLÊNCIA SEXUAL: O CONTEXTO DE VULNERABILIDADE ENTRE MULHERES JOVENS também respectivamente)... os problemas femininos e masculinos são tratados acadêmica ou midiaticamente de modo bem diverso. As questões masculinas vêm quase sempre como uma glosa, um "ahhh, já ia me esquecendo". Esta semana mesmo O Globo estampou na primeira página a tradicional matéria anual sobre a divulgação dos dados da PNAD e era algo como "Mulheres já lideram 37% dos lares e homens morrem mais cedo" mas todo enfoque da matéria dentro do encarte era dado à conquista feminina: o alto índice de mortalidade violenta masculina era apenas uma rúbrica, um "pra não dizer que não falei das flores"
.
Talvez por isso, e não pela menor relevância ou sensatez da análise, você "não se lembre de ter lido uma avaliação tomando este enfoque"
Mas acho que talvez seja exagero colocar dessa forma, bem como tomar como base para estimativas de tendências os resultados de um vestibular.
Na verdade eu não entendi bem este trecho
Entendi que você considerou de alguma forma mal colocada ou precipitada minhas ponderações sobre as diferenças de resultado por gẽnero nos três últimos anos do Vestibular Estadual apontando uma acachapante vantagem masculina, mas eu não tomei o vestibular referido como "base para estimativa de tendẽncia" embora eu sinceramente ache que analisar os resultados divididos por gẽnero do mais importante vestibular do segundo mais importante estado do país pode ser bem revelador para algumas das questões que estamos debatendo sobretudo se houvesse mais informações transversais como que cursos foram escolhidos na segunda fase ou dados socioeconomicos atrelados.
A insersão sobre o vestibular, como já disse, não foi nem mesmo um argumento ou uma defesa. Foi mais um "!" ou um "?" ou ainda melhor um "?!?!?!?!". Fiquei mesmo com cara de "?!?!?!?!?!" quando me deparei com estes dados, porque eu nem de longe imaginava tamanho abismo do desempenho por gêneros. Sim, eu já tinha em mente perfeitamente que o tão louvado e adorado, glórias, glórias, hosana nas alturas, maior número de mulheres nas universidades era resultado sobretudo do discutido no bloco acima.
Mas quando me deparei com aqueles resultados e uma das primeiras coisas que me veio a mente foi este tópico e o Dr Manhattan dizendo que o motivo de as mulheres entrarem mais escassamente nas carreiras mais difíceis ou valorizadas apesar de,
segundo ele, serem mais inteligentes ou aptas ao aprendizado seria algum tipo de discriminação prévia: o que parece (tanto causa como consequencia) ser fortemente desmentido pelos resultados dos 3 últimos anos do concurso de acesso à maior universidade pública do Rio (e tal a robustez destes dados agora não creio mesmo que será diferente com a UFRJ ou USP ou UFF ou ...).
Quanto à questão de nas camadas mais pobres as mulheres contribuirem mais com a renda, se não muito me engano é uma maioria relativa e não absoluta, i.e.: também nas classes mais pobres são os homens a maioria entre a população ocupada e os maiores provedores de sustento familiar em dados absolutos. Mas a proporção de mulheres neste universo que sustentam sozinhas suas casas é maior que nas camadas mais altas, dentre outros motivos, pelo fato de que é exatamente nas camadas sociais mais baixas que o rombo na piramide populacional masculina causado por aquele "detalhe" lá da capa do O Globo se manifesta, resultando em alta concentração de viúvas e solteiras.