Enio,
Para responder à sua questão, é bom levar em conta que a única característica compartilhada pelos ateus é a não crença em qualquer forma de divindade. as respostas não podem, portanto, ser generalizadas.
Minha posição sobre o assunto:
- a crença em divindades, como forma de entender e interagir com o habitat surgiu, provavelmente, com os primeiros seres humanos e isso é embasado observando-se o comportamento de tribos indígenas ainda não contaminadas pelas religiões canônicas. Para o índio, deuses existem em toda a parte e não existe o conceito de transcendência. O mundo físico e o espiritual estão totalmente interligados. Essas religiões caracterizam-se pela quase ausência de cânones e pelo fato de não haver clero com poder intrínseco (a autoridade do pajé não vem do fato dele ser um intermediário religioso, mas, muito mais, é oriunda de seu conhecimento do habitat). Enquanto permanece nesse nível, essa religião não gera atos de dominação
per se. Os cultos costumam ser simples e, ao que eu saiba, não existe conceito de deuses punitivos ou fornecedores de recompensa. Os evangélicos costumam tentar refutar isso mencionando o infanticídio de gêmeos e deficientes, entre os yanmomami. Eu vejo essa questão como mais biológica que religiosa (biologicamente, a eliminação de incapazes ou de bocas a mais para alimentar está presente na maioria das espécies de mamíferos). A crença nesse tipo de divindades e esse pensamento mágico compartilhado constituiu-se, para mim, em uma vantagem evolutiva, já que uma tribo que compartilha língua, religião e cosmogonias adaptam-se melhoa ao ambiente que um indivíduo isolado. Você tem maiores informações desse tipo de religião no link abaixo:
http://pib.socioambiental.org/pt- o problema começa a surgir quando a religião adota cânones e surge um clero organizado. Via de regra, essas religiões adotam cânones de natureza punitiva da divindade em relação aos humanos. Um exemplo bem típico é a religião asteca. Para eles, o Sol não nasceria se as escadas do Teocale não fossem banhadas com sangue humano, todos os dias, para satisfazer Huitzilopochtli ou as colheitas não ocorreriam se prisioneiros não fossem esfolados vivos, em homenagem a Xipe Totec (esses são os cânones). Para cumprir os cânones, surge o clero organizado que, geralmente, tem mais poder que os governantes seculares (isso perdurou até a Revolução Francesa). Não existe, ainda, uma explicação clara sobre como uma religião passa de animista para canônica, mas imagina-se (e é o que eu penso) que isso esteja ligado aos processos de sedentarização, agricultura, formação de sociedade privada, conceito de herança. Em resumo: o desenvolvimento dos deuses e dos governos mais autoritários caminham junto, para justificar características de determinada sociedade. A maioria das religiões canônicas são politeístas e há uma ampla departamentalização das ações tidas como divinas, o que exige clero numeroso.
- o monoteísmo - que tem origem egípcia e não judaica - instala-se quando o governo secular tenta reforçar-se sobre o clero politeísta. Exemplos: a tentativa de Akhenaton no Egito e o fato da própria bíblia (ô, livro chato!) ser amplamente explícita no combate ao politeísmo (o primeiro mandamento, contido no Deuteronômio cap 20 é o mais longo e fixa o monoteísmo como o principal cânone). Com o estabelecimento do reino, na Palestina, o conceito foi fixado, embora só tenha se disseminado de forma importante após Teodósio proibir outros cultos em Roma. Apoiado no poder temporal, o clero cristão sobrepujou, rapidamente, a autoridade dos reis, o que perdurou até a Revolução Francesa.
A questão, portanto, está no fato de que deuses (em qualquer de suas formas) são criações meramente humanas, para explicar a relação do homem com o mundo em que vive.
Deuses das religiões animistas podem facilmente ser contestados e invalidados pelo aprofundamento do conhecimento sobre o meio.
Deuses de religiões politeístas canônicas são contestados, basicamente, da mesma forma e seu conteúdo punitivo eliminado por simples procedimento empírico (bastaria um asteca não fazer sacrifício humano um dia e ver se o Sol nasceria no dia segjuinte; o problema é peito para desafiar o clero)
Os deuses monoteístas são facilmente invalidados por sua própria inconsistência lógica. É fácil demonstrar que as alegadas características da divindade da mitologia judaico-cristã são mutuamente excludentes. Qualquer um que leia a Suma Teológica, de Tomás de Aquino, de uma forma crítica conclui rapidamente que deus não existe.
Resumindo: deuses são respostas fáceis, incongruentes, inconsistentes e ilógicas às questões humanas. Por outro lado, sua persistência como meme se deve à utilidade do mesmo como instrumento de dominação sobre a sociedade.