Conceituar um deus monoteísta é fácil. Difícil é conceituar mais de um .
Eu penso diferente. A esmagadora maioria das religiões ditas primitivas são politeístas e, geralmente, cada divindade é responsável por certos "departamentos". O conceito de divindade onipotente é exceção.
Considerando a agudeza do uiliníli, o que entendi é que ele usou um modo alternativo de devolver a pergunta ao Enio. Penso que ele não quis dizer que é difícil conceituar mais de um deus para atender aos interesses pessoais do conceituador. O que entendi que ele quis dizer foi que é muito difícil conceituar o deus do outro, um deus para outra pessoa, ou seja, dois deuses 'monotéicos'. Deuses são coisas, criações muito pessoais. Não é possível conceituá-los sem acreditar neles; quem não acredita só pode observar a conceituação alheia (por isso, sua "pergunta" nada significa para mim, Enio).
É por isso que eu já disse, inúmeras vezes, que existem tantos deuses quanto crentes, mesmo os sectários de um mesmo segmento religioso porque cada um evidencia moldar o seu próprio deus do seu jeito particular. De uma forma ampla, ninguém ensina nada a ninguém sobre deus algum. Cada um tem que "comprar a ideia" básica e criar seu próprio deus à sua maneira. É assim que o fenômeno da crença *parece* se reproduzir e se propagar mas, na verdade, ele sempre renasce, novo e original, em cada um que crê. E, sim, se ninguém externo oferecer a ideia básica desta variante de ilusão a esmagadora maioria dos humanos inventará um ou mais deuses espontaneamente. Pouquíssimos são os que não fazem isso.
Por esta razão, Enio, o que seria útil para você entender (e falo aqui apenas por mim) é que o que ocorre não é eu ter os mesmos dilemas que você e, como única diferença, eu ter encontrado respostas e soluções diferentes. Não. Eu, simplesmente, não tenho os mesmo dilemas que você, as mesmas dúvidas, indagações, questionamentos existenciais... A diferença entre nós não está nas respostas (que são criadas para atender às necessidades desencadeadas pelas perguntas criadas; você faz isso, eu não); está nas perguntas. Não tenho as mesmas necessidades conceituais que você.
Uma pergunta como essa explicita a razão por trás da visível incapacidade de crentes entenderem a descrença como algo real. Para um crente, deve parecer impossível a ideia de uma total ausência universal de divindade. Mesmo que seja um tipo de 'não-deus', 'não-divindade', "tem que haver alguma coisa nesse sentido". Está aí o lusitano para não me deixar mentir... Assim, vocês imaginam que, realmente, um descrente, um racional-científico tem alguma necessidade de conceituar algo dessa natureza, mesmo que seja diferente dos seus conceitos. Mas, Enio, meu caro, pasme, a descrença total existe mesmo. Já deixei bem claro aqui, inúmeras vezes, que não creio nem em mim mesmo. Me pergunto se você é capaz de esbarrar no significado disso. Tenho consciência de mim mesmo como uma ilusão, uma ilusão que quer, que deseja e que não tem o necessário para mostrar, *diretamente*, a si mesma que é uma ilusão. Eu não posso procurar por uma ilusão semelhante a mim no universo. "Eu" é a única ilusão que existe no universo. Este é o conceito em negativo do solipsismo convencional e uma das propostas que verifiquei mais difíceis de ser apreendidas por aqueles a quem apresentei. Não cheguei a apresentá-la antes aqui porque propostas muito mais simples por mim apresentadas evidenciaram não haver arcabouço suficiente nos meus contradebatedores. Você consegue alcançar isto? Oh, que pergunta tola...
PS Eu sei que o próprio uiliníli e o Buckaroo já deram respostas que não corroboram este entendimento que expressei aí em cima. Mas, como foi o que entendi no momento em que li o post do uiliníli, e como entendo como muito relevante para o tópico ainda assim, postei. Talvez até o uiliníli sinta que, no fundo, de alguma forma, pensava assim também quando escreveu. Espero que sim!