Engraçado mesmo o duplipensar... de um lado o cara é um símbolo da inovação tecnológica, de outro, despreza ou reluta em aceitar logo os avanços da medicina.
Mas como o Di falou, provavelmente não faria muita diferença.
Eu poderia começar questionando o que tem uma coisa que ver com a outra: o suposto paradoxo contido no ad hoc duplipensar entre desenvolvimento tecnológico e crendices místicas. Mas, o que não teria ficado claro ainda? Que não se deve confundir tecnologia com ciência? Que a máxima "tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia para o ente cognitivo suficientemente subdesenvolvido" não se aplica a ciência? Ou seja, não procederia, igualmente, dizer "ciência suficientemente avançada é indistinguível de magia...". Ciência não pode "se mostrar" para quem não a entende, isto é, para esse, ela é indistinguível de simplesmente nada. Tecnologia mostra-se para qualquer um que, simplesmente, possa "ver" (por qualquer meio sensorial) e quando não tem know-how, pode muito bem ser magia (interpretar como); quando o mesmo não entende ciência, esta pode, no máximo, ser uma coisa de malucos. E está aqui mais uma de muitas formas de distinguí-las.
"Duplipensar" em ciência, o que quer que seja isso, é algo que atiça muito minha curiosidade em entender como funcionaria... Mas, para quem crê, fato é só o nome daquilo que atende aos interesses pessoais mais íntimos... "Que importa o sentido ou falta dele que as coisas possam ter?" "É tão bom acreditar nisso..." "Continuarei interpretando evidências conforme meus interesses de modo a me manter nessa crença acolhedora." Não importa o sentido racional, só os "fatos". E tudo isso pode ser dito dos dois lados, não é mesmo? Porque a única coisa aqui que pode evidenciar-se empiricamente é a tecnologia. Ciência não pode evidenciar-se a si mesma antes de tornar-se tecnologia, mas, a partir daí, qualquer um pode "ver que funciona" e não tem mais "graça".
"símbolo da inovação tenológica"
Bem observado. E não passava muito mesmo disso, SE passava ou mesmo se realmente chegou a tanto. O que ele, efetivamente, era, era um empresário de (muito) sucesso. Grande competência para sinergizar potenciais tecnológicos se muito, só.
Pelo que me consta, Jobs não era cientista e *nem mesmo um gênio desenvolvedor tecnológico*. A droga da garagem no Silício, onde tudo começou, não era dele como se diz por aí, era do Wozniak (e a genialidade inventiva inicial também). A genialidade dele era de 'designer mercadológico'. Se não, que alguém me aponte, por favor, a influência direta dele em toda a engenharia envolvida em "seus" produtos. É provável que nem mesmo fosse capaz de descrever os menos significativos detalhes *realmente tecnológicos* dos produtos que devem ser baseados em numerosas patentes independentes. Ele tinha boas ideias *para o público*, não exatamente boas ideias inventivas. Conheço muitas pessoas com boas ideias para o público, mas como não fazem a menor ideia das dificuldades reais em implementá-las, muitas vezes acreditam até que suas ideias têm chances de funcionar quando não têm nenhuma (varinha de condão, por exemplo, seria um invento maravilhoso e muitos têm ideias de coisas equivalentes acreditando serem viáveis). Normalmente, são pensamentos eivados de magia sem que o indivíduo nem mesmo esteja perceptivo a isso pois o princípio é reversível ou bidirecional: desconhecimento de possibilidades e limitações práticas, físicas, reais não permite distinguir os próprios pensamentos entre ideias mágicas e ideias tecnológicas.
Além do que, deve-se considerar, como apresentado, que o mesmo disse não querer "abrir o corpo". Talvez tivesse tanto medo de uma cirurgia, que preferiu "acreditar" em qualquer coisa que servisse como desculpa para livrar-se dela. Pavor de cirurgia é algo muito comum, o que espero descaracterizar como anedótico (contendo ímpetos denuncistas) o pequeno relato pessoal familiar a seguir: Meu pai, quando teve cálculo (renal), a despeito de toda dor que sentia, fugiu da internação para escapar da cirurgia (fugiu mesmo do hospital, saindo pela rua), tamanho o medo que teve de ter o corpo aberto (nada de técnicas avançadas como litotripsias extracorpóreas à época). Sim, eu sei, isto é vergonhoso...
Mas nada disso tem a menor importância aqui porque mesmo desenvolvedores tecnológicos e inventores de grande competência não são, só por isso, necessariamente, cientistas; podem "duplipensar" (o que quer que isso seja, realmente) à vontade. Cientistas são indivíduos que racionalizam a realidade sem permeio de filosofismos e, assim, alcançam grandes sínteses teóricas sobre a natureza. Competência tecnológica é uma espécie de instinto que há, em graus variados nos diversos indivíduos, para resolver problemas mais ou menos do tipo 'caixeiro viajante'* em pouco tempo, sem exatamente racionalizar por que meios conseguem isso. Cientistas, por outro lado, são dotados de habilidade oposta: tentam racionalizar tais "possíveis" meios para alcançar os mesmos resultados sem que seja "por instinto", algo mais que simples algoritmos. Ressalto que as duas habilidades podem se expressar, em muitas variadas combinações, num mesmo indivíduo; quanto mais a habilidade científica se expressar, menos crédulo ele será (ressaltando, como sempre, que descarto a gradação que eu mesmo sugiro aqui); habilidade tecnológica não tem muita influência sobre a credulidade.
*O problema categórigo formal do caixeiro viajante, talvez o representativo mais popular, aqui, do conjunto dos problemas PN, é apenas tangenciado pelo conceito que expus acima, mas há similaridade geral do dueto antagônico tentativa-e-erro/algebrização embora inventar muitas vezes seja bem mais que um simples problema de otimização. Indivíduos de grande competência tecnológica possuem a habilidade de ensaiar, mentalmente, grande número de tentativas com grande dinamismo e, principalmente, eficácia, entre outras (ou talvez o mecanismo seja outro, ainda inavaliável pela própria mente humana, mas de resultado equivalente). Competência científica não segue, exatamente, o caminho oposto, mas um "caminho" totalmente diverso disto -- busca de antecipação ao próprio determinismo.
Ser inventivamente genial não significa ou tem relação obrigatória com ser racionalmente cético. Como um Michelangelo tão impressionado com sua própria obra que a manda falar, um gênio tecnológico pode não ter a capacidade de avaliar o significado exato e as limitações de suas próprias criações. Consta que Edison e Tesla teriam tentado usar seus próprios e/ou outros inventos para uma comunicação com o "além". Tesla não era capaz nem mesmo de avaliar, matematicamente, as limitações das possibilidades de seus inventos, tentando, pelo resto da vida e em cega obstinação, uma etérea transmissão de energia em grandes quantidades e a grandes distâncias sem fios, baseando-se em princípios básicos que só poderiam funcionar com fios galvanicamente contínuos ou muito próximos entre si. Definitivamente, ao contrário do que muitos pensam e afirmam, não era um cientista. Muito menos Edison. Mas eram gênios tecnológicos.
Em resumo, ciência e tecnologia são coisas muito diferentes e cada vez mais confundidas.
E daí?
Ainda continuo querendo saber qual é a teoria que embasa e descreve o tal duplipensamento porque até agora só vi argumentarem que "se belas árvores existem então existe algum deus". Ciência se faz de exemplos e contraexemplos, mas se constrói em princípios. Se tudo o que se tem são exemplos e contraexemplos não se tem nada além de uma lista de tautologias.