Sinceramente, se existe uma causa primeira da qual tudo se baseia, esta não poderia ser nem boa e nem má, melhor dizendo, seria apenas algo impessoal, e não pessoal como a maioria das pessoas conceituam Deus. E se existe uma ordem espiritual, não acredito que esta ordem espiritual tenha uma configuração piramidal de como se baseia a nossa sociedade, a idéia de um ser soberano no alto de uma pirâmide dominando todos os que estão abaixo dele. Isso, em relação ao entendimento sobre as coisas espirituais, seria uma deturpação de pessoas interesseiras que querem incutir na cabeça das pessoas mantendo-as sob a condicionamento de nosso modelo social. Não acredito na ordem hierárquica estabelecida pelos católicos.
E se Satã é um servo fiel de Deus e cumpre apenas os piores papéis ordenados por este, então isso mostra que Deus na verdade não se passa de um grande tirano carismático. Sim, pois que no fundo é um ser que faz tudo a seu bel prazer, e que engana dizendo para as pessoas que é bom e que possui propósitos de caráter nobre, quando na verdade é o contrário. Eu mesmo já me baseei em outras alegorias, ambas em que Deus e Satã são tiranos, apenas com objetivos diferentes. Numa alegoria, ambos desejam uma completa centralização de poder, e noutra, Deus deseja a centralização de poder, e Satã, a mais completa desordem, o caos absoluto. Sendo que enquanto Satã é honesto em suas intenções malignas, já Deus toma uma atitude disfarçada, hipócrita, se fazendo passar por bom.
Em todas elas, Deus e Satã são maus e o que nos parece bom para cada um deles em relação a nós é o modelo de domínio. O domínio de Satã é através de uma atitude de luta, de barbaridade. Já o domínio de Deus é através do chamado rebanho religioso, em que todos sob seu domínio são ignorantes incapazes de senso crítico e qualquer traço de intelectualidade, apenas vivem para servir cegamente a este tirano populista. Já Satã se mostra como um tirano malévolo. O que Deus aspira é por uma ordem de cegos obedientes. O que Satã aspira é por um ordem baseada em contratos e pactos. Isso explicaria o conceito de que a Deus se obedece a seus planos divinos, e a Satã se subjuga a ele em função de pactos.
Deus representa o poder tirano das instituições religiosas sobre as pessoas e Satã, o das instituições corporativas sobre as pessoas. No fim das contas, a massa popular é sempre o bode expiatório que sofre em função das desculpas que se criam em nome de Deus e Satã. A solução para se escapar disso é conceituar um deus que seja neutro, e impessoal, o que tornaria impossível se usá-lo como desculpa para comportamento tirano. Um deus impessoal teria como efeito uma profunda mudança espiritual nas pessoas e acabaria terminando com o fim do modelo de organização piramidal de essência tirana, este que há milênios tem decidido a formação da sociedade humana desde tempos remotos.
Existem diversas alegorias possíveis que me vem em mente, mas em todas elas Deus e Satã são extremistas e tiranos apenas com propósitos diferentes. Ambas figuras são reflexo da natureza humana. Mas ainda assim volto a dizer que, se realmente existe uma causa primeira real, ela não seria como entendemos Deus ou Satã. Seria na verdade algo neutro, indiferente e que funciona sob um automatismo eterno (atemporal) que, por acaso, sempre existiu e que sempre se manteve numa harmonia constante, em que o que entendemos como harmônico e caótico se anulam ou se fundem num novo conceito e isso é cientificamente observável em relação a todos os fenômenos que envolvem movimento de turbulência, em que existe simultaneidade entre caos e organização.