Não há nem enquanto religião, nem enquanto filosofia, na minha opinião, algo tão interessante como o Budismo aqui no Ocidente. E eu nunca encontrei algo que me parecesse tão verdadeiro. Talvez, porque a ideia de verdade me incomoda tanto, e o Budismo, até onde eu o compreendo pelo menos, vai mostrar justamente que não há verdade alguma. Em ultima instancia tudo é a vacuidade, e essa sequer pode ser entendida como uma verdade ultima já que como tal essa é justamente o vazio de todos os conceitos, incluindo aqui um vazio de qualquer conceito de verdade e similares.
Sobre o Espiritismo ser uma releitura do Budismo ou de filosofias orientais, pode ser, mas se assim for, é fruto de uma leitura e de um entendimento errado. Pelo menos para as escolas e visão budista que eu tive conhecimento e da maneira que eu a entendi. Num templo que eu frequentei em Cotia, o Templo Odsal Ling, lembro bem da monja Tsering de lá deixar claro todas as vezes que falava em renascimento, que renascimento não tem nada a ver com reencarnação.
A ideia de reencarnação já pressupõe uma alma, uma essência humana que transmuta de corpos se aprimorando e aprendendo mas nunca deixa de ser a “mesma pessoa”, a mesma essência. Sustentar isso pelo budismo seria meio estranho já que o budismo vai dizer justamente o contrário, não há essências, não há nem esse “eu” que nós acreditamos que somos enquanto vivos, quem dera um “eu” que permaneça depois da morte. E por isso mesmo, um budista pode ser um ateu, o budismo em si não pressupõe nem deus, nem alma, nem nada de metafísico.
Eu mesmo, particularmente, consigo ter toda uma visão de renascimento, de carma, completamente imanente e sem pressupor qualquer ideia metafísica. Pra mim, a ideia de carma não passa de uma visão ética da vida, de saber que se tudo é interdependente, o fato de eu estar respirando está afetando o mundo eu queira ou não. Todas as minhas ações vão deixando marcas no mundo, então tudo aquilo que faço de bom ou de mal está aumentando a bondade ou a maldade no mundo e vai afetar diretamente o mundo e os novos seres que nascerão futuramente nele. Esses seres, assim como eu, não possuem uma alma ou uma essência separados. E se posso dizer que não temos qualquer essência que nos distingua, então esses seres futuros que nascerão são "eu" também de alguma maneira. Somos uma unica coisa chamada vida que vai além daquilo que entenderíamos aqui no ocidente como vida individual de cada ser. Não há essa ideia clara de individuo no budismo e no oriente, assim todas as minhas ações estão afetando não só todos os seres que estão vivos, mas esses outros seres aparentes que surgirão e que no fundo são parte de mim mesmo. A maneira como entendo o renascimento budista vai mais ou menos por ai, e acho uma ética muito bonita e útil para nos nortear em nossas ações. Além de se mostrar muito verdadeira.
E sobre a apatia, acho que nós tendemos a ver assim o desapego que o budismo propõe justamente porque já estamos muito apegados. Vemos essa tentativa de desapego completa já com olhos de dor, de algo ruim e estranho... “Ah, mas se eu me desapegar vou deixar de amar, de ter paixões, de agir no mundo, de me importar com o mundo?” Acho que é justamente o contrário, o desapego nos mostraria que não há nem um mundo, nem um eu em separado do mundo, só o que há é um eu ilusório agindo num mundo igualmente ilusório, inseparáveis um do outro. Então para mim, antes de suscitar qualquer tipo de apatia, parece justamente o contrário, se você entende isso você entende sua responsabilidade e ligação para com o todo. Você não existe em separado, você é um com todo o resto da ilusão que compõe isso que chamamos de vida. Ao contrário das religiões ocidentais, não há salvação individual no budismo, isso gera apatia, porque cada um vai viver no mundo para si e por si. Essa compreensão budista então parece-me suscitar muito mais uma ação consciente no mundo, do que uma apatia e um distanciamento do mesmo. E aquele que chega neste nível deve encontrar sim algo que possamos chamar de felicidade. Mas ai já é uma crença minha, não posso saber já que estou completamente longe deste nível de completo desapego, entendimento e aceitação da vida.