Madonna e os paradoxos do pós-feminismo:
Vou tentar fazer um resumo da conversa, e falar um pouco o que eu penso sobre isso também, para se alguém tiver interesse em discutir a questão.
Nesta conversa, Carol Teixeira e Marcia Tiburi discutem sobre um possível pós-feminismo. Carol Teixeira, mestranda em filosofia, roqueira e colunista da VIP, é uma mulher gostosa que já fez ensaios sensuais e que tenta pensar a questão da mulher como algo já superado, uma vez que estas já teriam de alguma forma alcançado aquilo que os diferentes feminismo vieram trabalhando para construir no decorrer de sua história. Inclusive, isso pode ser visto por sua tese de mestrado que defende o poder da mulher enquanto objeto sexual . Para ela, hoje, quando uma mulher assume o papel de objeto sexual, é ela quem é o sujeito ativo, pois é ela quem detém e controla o desejo do outro.
Para ela também, uma visão pós-feminista é aquela que entende que homens e mulheres nunca serão iguais, e nem que isso seria desejável, assim a mulher feminista precisa deixar aquela visão de um feminismo mais antigo e de querer se igualar ao homem por uma espécie de masculinização, para só então alcançar uma real libertação podendo se permitir novamente ser Feminina. Madonna viria inserida nesse contexto, como uma mulher que representaria este pós-feminismo. Ela, em suas mais diferentes fases já se permitiu viver e se colocar na sociedade com os mais deferentes papeis. Já fez a puta, a santa, a mãe, o objeto sexual e nunca deixou de estar no comando dos seus desejos e de sua autoimagem enquanto mulher poderosa e liberta mesmo enquanto inscrita nestes mais diferentes papeis sociais.
Eu, particularmente, ainda que concordando com algumas questões, tenho ma visão mais parecida com a que trás Marcia Tiburi. Não consigo ver o feminismo como algo assim já superado, principalmente no Brasil, onde a grande maioria das mulheres, definitivamente não alcançaram um grau de libertação favorável e desejável.
Veja, até acredito que em alguns meios e que algumas mulheres e homens já podem sim se dar ao luxo de não serem mais feministas. Como o exemplo da Madonna, sim ela é alguém que já superou essa dominação social sobre as mulheres e é uma mulher livre, poderosa e etc... Mas quantas mulheres no mundo, quando realmente vamos as classes mais baixas, podem se dar esse luxo? Como ajudar essas mulheres que não tem a menor condição de sair desse lugar de submissão? Esse é o papel do feminismo.
A Marcia fala algo interessantíssimo, pelas categorias mesmas da filosofia, um sujeito pode, se assim desejar se transformar num objeto, mas será que um objeto consegue se colocar como sujeito? Uma mulher objetificada, que apanha de marido, que se obriga a ter um filho porque acredita que o estado tem o direito de regular sobre seu corpo, será que essa mulher também pode "brincar" de trocar de papel se colocando como sujeito, como faz a mulher livre que quer, por exemplo, se permitir "brincar" de ser mulher objeto, ou brincar de ser mãe? É fácil ser livre quando se nasceu numa condição que já lhe ensinou e lhe vê como sujeito. Agora como ajudar essas outras mulheres a se emancipar também?
Questões práticas estão ai para mostrar que a desigualdade é real e difícil. Um grande número de mulheres ainda são agredidas, apedrejadas, mutiladas; mulheres que ainda ganham menos só por serem mulheres; mulheres que ainda são vistas como meros objetos sendo vendidas nos comerciais como petiscos e brindes de cervejas. O problema não é esta mulher livre que quer se sexualizar, o problema é uma sociedade que vendo as mulheres apenas como objetos sexuais, e quer sexualizar TODAS e inscrevê-las num mesmo lugar que é o da feminilidade. Quem falou que toda mulher quer ou precisa ser feminina e ser vista como mulher? O mesmo para os homens, que absurdo uma sociedade querer inscrever todos os seres do sexo masculino num mesmo lugar, que é o da masculinidade, estou eu aqui para mostrar que nem todos os homens se sentem assim masculinos.
Não podemos esquecer que uma luta ideológica e social tem sempre o objetivo de lutar por aqueles que não podem lutar por si mesmos. Eu, enquanto alguém de uma suposta classe média universitária, posso me dar ao luxo de viver como homem, como mulher, travesti, gay o que bem entender, pois assumi essa liberdade para meu corpo. Ainda que possa ser espancado ou assassinado ao sair travestido na rua, mas eu me dei essa liberdade que a sociedade não dá. Então a luta é para fazer com a sociedade como um todo permita essa liberdade que somente alguns conseguem se permitir e com grandes custos para suas vidas. Tentem por exemplo conseguir um emprego fingindo serem travestis, depois agente conversa se há ou não um problema social na aceitação da liberdade sexual e de gênero.
Então a luta feminista ainda se justifica, e muito, na minha opinião. Como a luta pelos gays, pelos negros, pobres e etc... Subam uma favela, vá a um baile Funk onde meninas sem calcinha não pagam para entrar e pensem realmente se o feminismo hoje é coisa atual ou desnecessária.
Óbvio que algumas questões trazidas por ela são bem interessantes e até concordo, por exemplo, com o fato de que sempre continuará existindo o masculino e o feminino em nossa sociedade, e de acabar com isso seria diminuir a liberdade e não aumentar. Mas ai vejo um erro de entendimento do que se propõe, tanto da parte dela, quanto de algumas pessoas com quem discuti o assunto aqui. Jamais propomos um mundo sem gêneros, jamais advogamos o fim da feminilidade. Alias, nem poderia já que mesmo sendo “homem” me inscrevo nele as vezes. E se gosto de homem, jamais quero que deixem de existir homens também. O erro de entendimento que ela comete com o feminismo de ponta é esse: o feminismo de ponta não quer acabar e igualar os gêneros, quer igualar homens e mulheres, mas não precisa acabar com a dicotomia feminino-masculino para isso. O que se deseja é que feminino e masculino não sejam imposições de gênero ligadas a fatores meramente biológicos.
Não há nada na biologia que determine que um homem não possa se inscrever em todas as construções sociais daquilo que chamamos de feminilidade. E que uma mulher não pode viver inscrita na masculinidade. É simples assim, a gente só precisa entender que a construção social de uma gênero não precisa estar ligada a um sexo biológico e sim a escolha subjetiva de cada individuo que queria se inscrever num ou noutro gênero independente de se biologicamente é homem ou mulher.
Se a construção de gênero fosse uma verdade biológica não existiriam os desviantes em toda a história da humanidade. Ou mesmo aqueles que, por exemplo, sendo homem não são tão másculos e rudes como os demais, são mais delicados e tal sem deixar de ser e querer ser homem. Entre o masculino e o feminino há um espectro infinito de posições que podem ser assumidas livremente por pessoas de ambos os sexos biológicos.