Brasil tem outro recorde
negativo: é o que mais gasta
em publicidade estatal
Propaganda de governos no país responde por 7,13% do mercado total
Países como EUA, Alemanha e Reino Unido estão atrás no Brasil
Fernando Rodrigues
BRASÍLIA - 12.nov.2003 - Um levantamento detalhado realizado em 14 países demonstra que o Brasil é o que mais gasta com publicidade estatal. Por aqui, governos e estatais são responsáveis por 7,13% de todo o mercado de propaganda.
Em 2002, o mercado publicitário no Brasil foi equivalente a US$ 6,920 bilhões. Nessa montanha de dinheiro há US$ 493,1 milhões dos governos federal, estaduais e municipais do país. Abaixo, uma tabela preparada pela "Folha de S.Paulo", publicada na sua edição de segunda-feira, dia 10.nov:
Exemplos de gastos com publicidade no mundo
(valores de 2002 - em US$ milhões)
país valor total do mercado gasto per capita com propaganda total valor da propaganda de governos gasto per capita com publicidade de governos % da propaganda de governos sobre o mercado total
Brasil 6.920,45 39,32 493,14 2,80 7,13%
Peru 833,00 31,43 40,67 1,53 4,88%
Austrália 5.204,21 266,88 196,84 10,09 3,78%
Equador 439,09 33,52 16,41 1,25 3,74%
Canadá 4.544,61 145,20 119,80 3,83 2,64%
Espanha 5.120,34 128,33 121,01 3,03 2,36%
Países Baixos 3.265,15 204,07 73,32 4,58 2,25%
Reino Unido 12.192,17 204,22 229,94 3,85 1,89%
Estados Unidos 111.957,48 388,07 1.823,32 6,32 1,63%
Suíça 2.422,77 336,50 30,22 4,20 1,25%
Uruguai 380,12 111,80 4,65 1,37 1,22%
Itália 6.700,90 116,74 74,09 1,29 1,11%
Alemanha 15.627,36 190,58 101,99 1,24 0,65%
China 16.875,25 13,04 5,54 0,0043 0,03%
Fontes:
1) Nielsen Media Research - Austrália, Canadá, China, Alemanha, Itália, Países Baixos, Espanha, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos
2) Ibope - Peru, Equador, Uruguai e Brasil
Metodologias:
1) Coleta de dados - As empresas que pesquisam mercado de mídia coletam informações sobre o que é divulgado. São pesquisados os principais meios (TV, rádio, jornais, revistas, Internet e outdoor, além de patrocínios. Em seguida, o cálculo é feito de acordo com os preços de mercado e/ou de tabela. Esse tipo de pesquisa causa distorção, pois muitas vezes não se sabe o valor exato pago para a veiculação de um determinado anúncio. Ainda assim, como o possível desvio é constante nos países e setores pesquisados, a relação percentual do valor da publicidade de governos sobre o mercado total não se altera.
2) Setores abrangidos - as pesquisas usadas consideram todos os tipos de publicidade de governo, em todos os níveis (governo federal, estaduais ou de províncias e locais/municipais). Além disso, estão também consideradas verbas publicitárias da administração indireta, como empresas estatais e agências reguladoras. Finalmente, os patrocínios e ações de marketing também foram considerados.
3) Brasil - no caso do Brasil, considerou-se os dados do Ibope Monitor, mas foram checados diretamente com os principais anunciantes para atualizar informações. Foram coletados diretamente os gastos publicitários no governo federal, governos estaduais de São Paulo e Paraná, e Prefeitura de São Paulo. Os valores, em reais, foram convertidos pela taxa média do dólar em 2002.
Trata-se de uma anomalia em um país que supostamente é capitalista e de livre mercado. Não faz sentindo o maior anunciante individual no Brasil ser estatal. Só como exemplo, as Casas Bahia foram o maior anunciante privado brasileiro neste ano de 2003, até setembro, com um investimento de R$ 457 milhões. Menos da metade do que apenas o governo federal torrou em 2002: R$ 1,018 bilhão.
O argumento em uníssono de grande parte dos publicitários e dos governos é que o Brasil tem características próprias que o obrigam a ter muita publicidade estatal: geograficamente é gigante, a população é enorme e há muitos órgãos públicos que precisam prestar contas (sic) à população. Além disso, as empresas estatais (Banco do Brasil, Petrobras etc.) competem no mercado com a iniciativa privada.
Sobre as empresas estatais e sociedades de economia mista, é um fato que no Brasil o Estado continua sendo um "empresário". Há produtos oferecidos pelo governo que enfrentam forte competição na iniciativa privada: o cheque ouro do Banco do brasil, o óleo Lubrax etc.
Seria, em tese, possível argumentar que as propagandas de óleo lubrificante e de cheque especial são distribuídas sob rígido critério técnico (o público a ser atingido, a penetração do veículo de comunicação etc). Ocorre que esse argumento é falho. Quem nomeia o presidente da Petrobras e do Banco do Brasil? Resposta: o presidente da República. E qual a chance de um presidente da República ser completamente infenso a notícias desagradáveis sobre ele em um determinado veículo? Resposta: zero.
Há três tipos de publicidade estatal: 1) a institucional (fala sobre projetos e programas do governo, como o Bolsa-Família, por exemplo); 2) a de utilidade pública (campanhas de vacinação, para prevenir contra certas doenças etc.) e 3) propaganda do "Estado empresário", das empresas e sociedades de economia mista.
É lícito admitir neste debate que os Estados Unidos não tenham tantas empresas estatais quanto o Brasil. Assim como vizinhos do mesmo porte também não têm gigantes como a Petrobras. Essa seria mais uma razão para o Brasil ser recordista em propaganda estatal.
Essa argumentação é falaciosa. Até os índios da reserva do Xingu sabem que tem sido comum nos últimos anos as empresas estatais fazerem propaganda de ações do Palácio do Planalto. Quem não viu os comerciais do "oitão" no ano passado, patrocinada por várias estatais para comemorar os oito anos do Plano Real? (aparecia um número 8 bem grande na tela e nas páginas de jornais e revistas).
A partir de 2003 haveria ordem nova nessa bagunça. A propaganda do Palácio do Planalto tem agora uma verba específica, separada das demais. Não é mais necessário um enviado da Presidência da República pedir esmolas de estatais quando quer lustrar a imagem do chefe.
Por enquanto, a nova regra ainda não parece vigorar a pleno vapor. Até outro dia, já no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a CEF (Caixa Econômica Federal) fazia uma propaganda sobre o Bolsa-Família. Pode-se argumentar que a CEF está obrigada a fazer propaganda sobre esse projeto -é um dos agentes que incumbidos de implantá-lo. Tudo bem. Mas essa é uma propaganda de uma empresa que compete no mercado privado ou também uma publicidade de atos de governo? Quando a CEF tiver prejuízo por fomentar programas pouco rentáveis do Planalto, quem vai comparecer com o dinheiro para socorrê-la? Resposta: eu e você, caro internauta.
Na realidade, o gigantismo da presença do Estado na publicidade no Brasil é apenas uma constatação que remete a uma outra reflexão: a presença do governo na vida cotidiana do brasileiro é do tamanho adequado ou ainda está grande demais, apesar da onda privatizante da última década?
Por exemplo, tome-se a Petrobras. Em 2002, a maior empresa brasileira investiu R$ 190 milhões em publicidade. A BR distribuidora gastou outros R$ 105 milhões. São empresas que têm concorrentes privadas e devem fazer propaganda para se manterem líderes nas suas áreas.
Ninguém ousa no Brasil -ainda mais na administração do PT- propor a privatização da Petrobras ou da BR Distribuidora. Só que ninguém tão pouco dá uma solução para as polpudas verbas de propaganda que são torradas por essas empresas anualmente.
Há outros exemplos de 2002. O Banco do Brasil gastou R$ 168 milhões em propaganda. A CEF (Caixa Econômica Federal) ficou em R$ 140 milhões. Essas cifras podem ser maiores. É possível que alguns gastos com patrocínio não estejam devidamente computados.
Eis aí outra encrenca. Ninguém, em nenhum governo -seja do PT, PSDB, PFL, PMDB etc.- faz algum esforço para divulgar cifras corretas sobre esse tipo de investimento, que é a força motriz do mercado publicitário e de muitas campanhas eleitorais pelo país. Depois de muito escarafunchar, foi possível obter os seguintes dados sobre publicidade estatal federal no Brasil:
Gastos do governo federal com propaganda
valores em US$ 1.000 - atualizados pela cotação média de cada ano
quem gastou 1999 % 2000 % 2001 % 2002 %
Administração pública federal direta (órgãos, autarquias e fundações) 49.640 16,0 92.732 19,3 95.170 19,9 74.670 21,4
Administração pública federal indireta (sociedades de economia mista e empresas públicas) 260.000 84,0 386.438 80,7 384.388 80,1 273.900 78,6
Total 309.640 100,0 479.170 100,0 479.558 100,0 348.570 100,0
Fontes: dados do governo federal, órgãos da administração direta e indireta, balanços de emrpesas e relatórios do TCU (Tribunal de Contas da União)
Observações: a) órgãos da administração pública federal direta: Presidência da República e Ministérios
b) autarquias: Anatel, ANP, Aneel, Anvisa, Banco Central etc
c) fundações: IBGE, Fundação Banco do Brasil etc.
d) sociedades de economia mista: Banco do Brasil, Petrobras, BR, Furnas, Eletrobrás, Eletronorte etc.
e) empresas públicas: CEF (Caixa Econômica Federal), ECT (Correios), BNDES etc.
Uma pergunta irrespondível: quanto dos US$ 273,9 milhões gastos em publicidade pela administração pública federal indireta em 2002 foram para alavancar algum tipo de programa ou projeto do Palácio do Planalto? Ninguém sabe, ninguém viu.
Não é apenas o governo federal que gasta muito. Alguns exemplos significativos de 2002: 1) governo do Estado de São Paulo - R$ 89 milhões (incluindo assessorias de imprensa) 2) governo do Estado do Paraná - R$ 86,1 milhões 3) Prefeitura da cidade de São Paulo - R$ 54,9 milhões
Os secretários de comunicação de vários governos torcem o nariz para a expressão "gastar muito em publicidade". Dizem estar informando a população. Ocorre que é fácil perceber haver algo errado quando se comparam, por exemplo, os gastos de outros países com os do Brasil.
Em Londres, o prefeito local, Ken Livingstone, gastou em 12 meses (terminados em agosto passado) o equivalente a R$ 87,44 milhões em propaganda. Foi metralhado pela oposição e mereceu reportagens indignadas nos jornais locais. O esquerdista Ken vive numa cidade (Londres) onde os custos de veiculação de anúncios devem ser muito mais altos do que na administrada pela petista Marta Suplicy (São Paulo).
A visibilidade de Marta Suplicy com R$ 54,9 milhões em São Paulo foi muito maior do que a Ken Livingstone com R$ 87,44 milhões em Londres. Ainda assim, aqui esse tipo de constatação é apenas isso mesmo, uma constatação. Poucos enxergam nessa gastança publicitária algum ato impróprio.
Entre os partidos que fazem parte do "establishment", o PT sempre foi um crítico acerbo dos gastos em publicidade. Mudou de opinião ao vencer as eleições para alguns governos importantes.
Publicitários e mídia
A rigor, há dois aspectos mais importantes nesse recorde brasileiro de propaganda estatal. Primeiro, a relação promíscua entre alguns publicitários e políticos. Segundo, a cumplicidade de parte da mídia.
No caso dos publicitários, a história é quase uma praxe acadêmica. Marqueteiro X faz campanha eleitoral para político Y. Terminada a campanha, marqueteiro X ganha (sic) licitações no governo do cliente Y. Desde que inventaram os publicitários, os políticos e as campanhas eleitorais, essa regra tem sido válida.
No caso da mídia, há um silêncio eloqüente sobre as verbas publicitárias. Exceto uma ou outra reportagem que surge esporadicamente, pouco é dito ou comentado.
É difícil de precisar se a mídia brasileira é frágil porque recebe esse dízimo bendito dos governos em forma de anúncios ou se recebe essa verba de propaganda estatal porque é frágil. O certo é que fica quase inviável para muitos jornais, revistas, TVs ou emissoras de rádio virarem as costas para o maior anunciante do país.
Sobre distribuição de verbas de propaganda federal, entretanto, é necessário dizer que a relação mais próxima é entre governos e TV. Eis a divisão do bolo em 2002:
TVs - 58%
Jornais - 14%
Revistas - 10%
Rádios - 9%
Outdoors - 1%
Outros - 8%
Essa relação também se repete no número consolidado, com valores da iniciativa privada e de governos. As TVs ficam com 60,8% de tudo o que é gasto em propaganda no país (nos EUA, ficam com 36%).
A TV, como se sabe, é exatamente o meio que mais mistura informação com entretenimento. O preferido dos anunciantes, privados e estatais. É, faz sentido.
Fonte:
http://noticias.uol.com.br/fernandorodrigues/031112/index_impressao.htm