É didático assistir à palestra de Helio Beltrão Filho postada no site do Instituto Mises Brasil, do qual é o presidente.
“Hoje é carnaval no meu País, o Brasil”, diz ele, esbanjando simpatia. “Os brasileiros estão gozando do seu sagrado direito à felicidade… Eu digo no sentido bíblico…” Risos discretos pontuam sua observação. O jovem Helio Beltrão Filho vai em frente: “Com toda a festa que ocorre hoje no meu País, escolhi estar aqui porque a minha festa é aqui”.

Ele é a face mais visível e, ao mesmo tempo, menos assustadora da articulação de direita que grassa no Brasil desde 2005. Assustador é o brasão do Instituto Mises Brasil que lembra, por tudo, a TFP (Tradição, Família e Propriedade). O lema do instituto é “Propriedade, Liberdade e Paz”. O rosto do brasão é do “patrono” do instituto, o economista conservador austríaco de origem judaica Ludwig von Mises, de frente e de perfil*. A imagem de perfil guarda uma profunda semelhança com o general Costa e Silva. Talvez seja uma menção proposital. Helio Beltrão, pai do jovem Helio, foi ministro dos presidentes Costa e Silva e João Figueiredo. Presidiu a Petrobras e foi acionista do Grupo Ultra. Com sua morte, as ações foram herdadas pelo filho.
O brasão é medieval, mas sua utilização é moderna. Ele aparece estampado em camisetas, bonés, chaveiros, moletons, adesivos, todos os tipos de acessórios familiares aos jovens. Até mesmo em shapes de skate. Acompanhado de frases como “Inimigo do Estado”, “Privatização Total” e “Imposto é Roubo”, o busto de Von Mises também aparece isolado em camisetas, fora do brasão. Talvez uma tentativa de transformá-lo em Che Guevara da direita. Todos os produtos são vendidos na loja virtual do instituto.
[...]
Há dezenas de blogs de direita explícita rolando na internet. Mas o mais importante deles é um portal que se chama
Instituto Millenium. É um senhor portal. Perdão, ele não se assume de direita. Mas nem precisava se assumir. O flerte com a direita é explícito. Basta conhecer a lista dos institutos associados, OSCIPs ou ONGs criados depois do Millenium –
Movimento Endireita Brasil,
Mises Brasil,
Instituto Ling,
Instituto Liberal,
Instituto Liberdade,
Instituto de Estudos Empresariais… Dez ao todo. Ou consultar a lista de livros indicados com destaque para Por que Virei à Direita, assinado por Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho e Denis Rosenfield. O curioso é que o contraponto a esse lançamento da Editora Três Estrelas (de propriedade do grupo Folha de S. Paulo) – A Esquerda que Não Teme Dizer seu Nome, de Vladimir Safatle da mesma editora – é tacitamente ignorado.
Pedro Bial é fundadorMas não importa. O portal é grandioso. Não podia ser diferente, se dois de seus pilares são
Roberto Civita e
Grupo Abril e
João Roberto Marinho, sem Rede Globo, porque os dois outros irmãos não estão no jogo. Roberto e João Roberto são mantenedores e integram o Conselho de Governança. Nomes de alta estirpe comandam a operação, como
Jorge Gerdau Johannpeter, Armínio Fraga, Helio Beltrão Filho (novamente) e outros rostos conhecidos da TV também estão lá. Pedro Bial, por exemplo, é fundador e curador.
A lista de doadores traz uma surpresa:
Leandro Narloch. Um nome familiar. Há muitas semanas frequenta a
lista de best sellers da revista Veja, publicada pela
Editora Abril, e cujo redator-chefe, Eurípedes Alcântara, integra com
Antonio Carlos Pereira,
chefe dos editorialistas do Estadão, o Conselho Editorial do Instituto Millenium. Há pouco tempo, o best seller de Narloch, Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, ganhou uma réplica de Luiz Felipe Pondé, que lançou o Guia Politicamente Incorreto da Filosofia. E também entrou na lista de best sellers da Veja.
Haja colaboradores!Convém explicar que o Millenium é um portal de artigos e notícias (texto e vídeo) fornecidos por seus
450 colaboradores e especialistas. Você leu certo: 450.
Ives Gandra Martins, Nelson Motta, Marcelo Madureira, José Padilha, Josué Gomes da Silva, Claudia Costin, Bolívar Lamounier, Reinaldo Azevedo, Eurípedes Alcântara, Roberto da Matta, Pedro Malan, Carlos Vereza, Luiz Felipe D’Ávila, Carlos Alberto Sardenberg, Demetrio Magnoli e Marco Antonio Villa, entre muitos outros. Nenhuma revista tem tantos. Nem a Veja. Nenhum jornal. Nem o Estadão, nem a Folha. Ninguém.
“Cuide dos seus comunistas”No tempo em que bandeiras vermelhas da TFP saíam às ruas de São Paulo para combater as bandeiras vermelhas do comunismo – anos 1960, 70 –, jornalistas de esquerda predominavam nas redações. Um empresário reconhecidamente de direita, como Roberto Marinho, não deixava os militares prenderem “seus” comunistas para não desfalcar seu time. “Cuide dos seus comunistas que eu cuido dos meus”, disse certa vez a um general de plantão no poder.
Os “comunistas” tinham fama de trabalhadores sérios, competentes e criativos. Dono de jornal, precisava vender jornal. Ainda que houvesse censura, imprensa precisava ser de “oposição”. Ninguém compra um jornal para ler elogios. O empresário não corria riscos de ver a ideologia de seu funcionário estampada nas páginas. Disso cuidava a censura. Do esquerdista, o empresário aproveitava o talento, a força de trabalho, o fato de ser “pau pra toda obra”.
Era contraditório: a direita tinha ganhado a guerra pelo poder, mas a esquerda comandava as redações. A esquerda mandava tanto na imprensa, que um grupo de jornalistas do Pasquim conseguiu acabar com a carreira do mais famoso cantor da época, Wilson Simonal, acusado de ser dedo-duro da direita. Em uma ditadura de direita, a esquerda derrubou um artista de direita!
Reportagem Completa*No brasão há o Mises e o Rothbard.