Não, não é só meritocracia. Então dizemos que é só racismo e trocamos uma simplificação pela outra. Ótemo.
Eu não estou dizendo que racismo não exista; eu não estou nem dizendo que diferença de aptidão relacionada com raça seja cientificamente impossível.
Mas por que a luta feminista que é muito mais recente que a luta igualitarista racial e mesmo assim foi tão mais bem sucedida (no sentido de que desigualdades de OPORTUNIDADE entre homens em mulheres em praticamente todas as áreas estão virtualmente extintas)? Pela soma de dois fatores principais: 1º porque a divisão social entre homens e mulheres sempre teve aspectos positivos às mulheres, a não obrigação de sustentar a casa pra mim é a mais evidente, enquanto na divisão senhores de escravos X escravos não havia qualquer condição que fosse mais relax aos escravos que aos donos; 2º (e mais importante) porque a divisão entre homens e mulheres nunca foi uma divisão de classes.
O motivo pelo qual os negros possuem piores empregos, pior escolaridade, piores condições de saúde, moram em bairros piores até hoje é porque eles (nós) são (somos) filhos, netos, bisnetos, taranetos, tataranetos de gente muito mais pobre do que eles numa sociedade que foi fundada sobre uma pirâmide social que tinha brancos nas classes aristocráticas e burguesas e pretos como escravos.
Seus filhos e netos, Barata, vão ser todos bem vividos com quase toda certeza. Estudarão na USP, quiçá se pós-graduarão na Universidade de Tokio, serão contratados para cargos de alto escalão de multinacionais. Os filhos da sua empregada da faxina, Barata, terão muito mais chance de não passarem de empregados da faxina semi-analfabetos. Os padrões de divisão socioeconômica e de oportunidades de ascenção por raça tem um forte componente de hereditariedade, embora exista uma expectativa de homogeneização desta paisagem, isso é uma coisa que tende a durar muitas gerações até acontecer.
Para mim, neste sentido, a defesa do sistema de cotas como método para resgatar uma "dívida histórica" (que aliás, eu acho que é a justificativa clássica) é muito mais aceitável (embora ainda assim eu considere inaceitável) do que este seu discurso de "precisamos de cotas porque os negros sofrem preconceito no mercado de trabalho".
É claro que o Estado pode (e deve, ao meu ver) criar medidas que ajudem a fomentar um incremento na velocidade desta homogeneização, a redução das desigualdades, nem apenas entre negros e brancos, mas entre pobres e ricos: o bolsa-família (embora tenha um valor muito baixo e tenha furos) pode ser um meio.
Medidas que facilitem o acesso de pessoas mais pobres ao ensino superior: a construção de universidade em cidades interioranas e regiões distantes das capitais estaduais têm sido feita (embora em muitos casos, como na USP-Leste, estas medidas pequem demais pelo fato de que para estas unidades são frequentemente relegados os cursos de menor relevância, quer dizer, gastam uma fortuna pra construir um campus na área pobre e botam um monte de cursos tecnológicos de gestão pra pobraiada ter um diploma na gaveta), a ampliação de cursos noturnos seria nas grandes universidades públicas ou mesmo a transferência de alguns cursos diurnos para o noturno eu acho que seria absurdamente positiva neste sentido (no meu prédio funcionam mais de 20 cursos no horário da manhã e/ou tarde (só em Ciências Biológicas são 8 cursos/habilitações diferentes).
Eu acho que aspectos mais cotidianos como "a univerisdade pública mais próxima fica a 2 horas de ônibus da minha casa" ou "trabalho de 8 às 5 e tem pouquíssimas vagas no horário em que posso estudar" são muito mais relevantes do que o vestibular pra explicar o baixo número de negros nos cursos superiores. Mudanças como as acima me parecem muito mais efetivas e menos problemáticas do que as cotas, neste aspecto.
Existem inúmeras outras medidas mais ou menos utópicas, que já estão sendo tomadas em mais ou menos medida ou que não são nem esboçadas e que teriam impacto ao meu ver nestes aspectos em que exista um fosso entre nós negros e vocês brancos/amarelos. Qualquer lei que nomeie um tratamento desigual por parte do Estado apenas em função de etnia, não será uma delas, ao meu ver.