A necessidade da fé.
Devemos tomar algumas premissas como certas antes de prosseguirmos, entenda-se crença aqui como toda ou qualquer adesão a uma opinião como esta sendo verdadeira, e fé como nos casos onde sem evidências suficientes e seguras, uma opinião é tomada como sendo verdadeira, e crença verdadeira justificada, como aquelas opiniões que tomamos como verdadeiras e que são também sustentadas por evidências e lógica.
Clifford escreve:
"A crença é profana quando conferida a afirmações não-provadas e não-questionadas, pelo conforto e prazer pessoal do crente .... Quem quer que deseje a consideração de seus pares nessa questão deve guardar a pureza de sua crença com um verdadeiro fanatismo de cuidado atento, para que ela não venha a pousar de repente sobre um objeto indigno e adquirir uma mancha que jamais poderá ser removida ... Se [uma] crença tiver sido aceita com base em evidências insuficientes [mesmo que a crença seja verdadeira, como Clifford explica na mesma página], o seu é um prazer roubado .... Ela é pecadora porque é roubada em desrespeito a nossa obrigação para com a humanidade. Essa obrigação é nos guardar de tais crenças como de uma peste que pode rapidamente dominar nosso próprio corpo e, depois, se espalhar para o resto da cidade .... É sempre errado, em toda pane, e para qualquer pessoa, acreditar em qualquer coisa com base em evidências insuficientes". (Cf.
William James, A Vontade de Crer, Tradução de Cecília Camargo Bartalotti, São Paulo: Loyola (2001), p. 17)
William James contestou este extremismo, segundo Ajaan Thanissaro
"William James observou certa vez [que] existem dois tipos de verdade na vida: aquelas cuja validade não tem nada que ver com as nossas ações e aquelas cuja realidade depende do que nós fazemos. Verdades do primeiro tipo – verdades do observador – incluem fatos sobre o comportamento do mundo físico: como os átomos formam as moléculas, como as estrelas explodem. Verdades do segundo tipo – verdades que dependem da vontade – incluem habilidades, relacionamentos, projetos empresariais, qualquer coisa que requeira seu esforço para fazer com que seja real. Com verdades do observador, é melhor permanecer cético até que uma evidência razoável surja. Com verdades que dependem da vontade, no entanto, a verdade não acontece sem a sua fé e quase sempre diante de chances não muito promissoras. Se você não acreditar que a democracia funcionará no seu país, ela não vai funcionar. Se você não acreditar que vale a pena se tornar um pianista ou que você tem as qualidades de um pianista, nada acontecerá. As verdades que dependem da vontade são as mais relevantes dentro da nossa busca da verdadeira felicidade." (Cf.
Ajaan Thanissaro, Fé na Iluminação, Tradução de Michael Beisert, Acesso ao Insignt)
Para "verdades" que dependem da nossa vontade e da nossa ação, a fé é extremamente importante segundo James, quando nos sentimos atraídos por uma uma mulher, por exemplo, não podemos esperar por evidências cientificas seguras de que ela também se sente atraída por nós, se assim o fizéssemos e só abordássemos uma mulher de que gostamos somente quando tivéssemos certeza absoluta (sustentada por evidências objetivas, seguras e suficientes) de que ela também nos desejava, nossa raça provavelmente já estaria extinta, pois uma oportunidade desta não costuma esperar tempo suficiente para evidências suficientes e seguras confirmarem nosso desejo. Este é um exemplo onde a fé no sentido de acreditar mesmo sem evidências suficientes a favor desta crença, nos faz agir em direção a conquistar algo que não pode esperar por mais evidências:
"Quantos corações femininos são conquistados pela mera insistência incansável de algum homem de que elas devem amá-lo! Ele não aceitará a hipótese de que elas possam não o amar. O desejo de um certo tipo de verdade, neste caso, ocasiona a existência dessa verdade especial; e assim se dá em inúmeros casos de outras espécies. Quem ganha promoções, favores, entrevistas senão o homem em cuja vida essas coisas desempenham o papel de hipóteses vivas, que as antecipa, sacrifica outras coisas por elas antes de terem acontecido e assume riscos de antemão por elas? Sua fé atua sobre os poderes acima dele como uma afirmação e cria sua própria realização." (Cf.
William James, A Vontade de Crer, Tradução de Cecília Camargo Bartalotti, São Paulo: Loyola (2001), p. 40)
James cita muitos outros exemplos onde a "fé" é importante para a concretização de um objetivo:
"Um organismo social de qualquer tipo, grande ou pequeno, é o que é porque cada membro realiza suas próprias tarefas com a confiança de que os outros membros cumprirão simultaneamente as deles. Sempre que um resultado desejado é obtido pela cooperação de muitas pessoas independentes, sua existência como fato é pura conseqüência da fé mútua previamente nutrida pelos diretamente envolvidos. Um governo, um exército, um sistema comercial , um navio, uma faculdade, uma equipe esportiva, todos existem sob essa condição, sem a qual não só nada é conseguido,como nada sequer é tentado." (Cf.
William James, A Vontade de Crer, Tradução de Cecília Camargo Bartalotti, São Paulo: Loyola (2001), pp. 40-41)
No plano moral, segundo James
"a questão de ter ou não crenças morais é decidida por nossa vontade."1 , as decisões são amparadas por uma vontade de crer, até mesmo aquilo que definimos como objetivos da ciência, é uma decisão arbitrária baseada em nossas paixões passionais:
"a própria ciência consulta seu coração quando afirma que a infinita determinação do fato e a correção da falsa crença são os bens supremos para o homem."1 Todas estas decisões são segundo James, sustentadas pela "fé" (vontade de crer).
Segundo James,
"nos casos em que a fé num fato pode ajudar a criar o fato, seria uma lógica insana dizer que a fé que vem antes da evidência científica é "o nível mais baixo de imoralidade" a que um ser pensante pode descer. [...] Em verdades dependentes de nossa ação pessoal, portanto, a fé baseada na vontade é, certamente, algo lícito e possivelmente indispensável." (Cf.
William James, A Vontade de Crer, Tradução de Cecília Camargo Bartalotti, São Paulo: Loyola (2001), p. 41)
E então, o que é que vocês pensam sobre as conclusões de James, a fé é importante nas ocasiões cuja realidade depende do que nós fazemos (verdades que dependem da vontade), e o ceticismo-cientifico (crença amparada por evidências e lógica) naquelas cuja validade não tem nada a ver com as nossas ações (verdades do observador)?
Notas:
1 Cf.
William James, A Vontade de Crer, Tradução de Cecília Camargo Bartalotti, São Paulo: Loyola (2001), p. 38