Autor Tópico: Determinismo cultural X Psicologia evolutiva  (Lida 5315 vezes)

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Offline Peter Joseph

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #25 Online: 04 de Novembro de 2015, 12:52:25 »
Um ótimo exemplo disso é o modo como nós biólogos entendemos a razão pelas quais os sistemas de acasalamento se formam (monogamia, poliginia, poliandria e promiscuidade). Este é um conceito um pouco mais complexo dos estudos em biologia e não é trabalhado no ensino básico. Se você tem acesso a revistas acadêmicas um ótimo artigo (publicado em uma das duas mais respeitadas revistas de biomédicas do mundo em 77 e hoje com quase 5000 citações) é este aqui: https://www.sciencemag.org/content/197/4300/215.extract

Mas, ao contrário do que talvez seja intuitivo, existe uma organização biológica determinando quando em uma espécie/população haverá maior tendência a formação de pares monogâmicos; ou haverá uma tendência a que as fêmeas sejam fiéis a um mesmo macho que, por sua vez, terá várias fêmeas; ou haverá pares aparentemente monogâmicos mas em que haverá pulação de cerca por um ou ambos os lados... e este por sua vez (o tipo de sistema de acasalamento formado) é o principal fator para determinar se numa espécie/população os machos serão parecidos com as fêmeas ou não, tanto física quanto comportamentalmente.

Galos não são tão diferentes de galinhas (tanto física quanto comportamentalmente, ó que curioso :) ) e calopsitas-macho não são tão parecidas com calopsitas-fêmea (tanto física quanto comportamentalmente, ó que curioso :) ) porque deus quis. Eles assim o são porque os aspectos externos, ambientais, que enfrentaram ao longo de suas evoluções como espécie restaram vantajoso para Gallus gallus que houvesse muita agressividade intraespecífica entre os machos, grande acúmulo de gordura no corpo das fêmeas, muito carinho por parte das fêmeas em relação aos pintinhos, muita cagaçãoeandação dos machos pelos pintinhos... do mesmo modo em Nymphicus hollandicus os fatores ambientais foram determinantes para que o macho e a fêmea tivessem tão poucas diferenças físicas ou comportamentais que só dá pra saber com segurança quem é um e quem é outro fazendo teste de dna ou esperando pra ver quem bota ovo e quem não.

Sabe-se, em biologia, que ambientes com recursos alimentares escassos e mal distribuídos geograficamente (tipo, como os oásis em um deserto) favorecem a poliginia (um mesmo macho se casando com várias mulheres), o dimorfismo sexual (os machos são bem diferentes das fêmeas, em geral mais fortes e feios/carrancudos) e agressão intraespecífica entre os machos (os machos se agridem, frequentemente se matando, com muito mais frequencia que o esperado num ambiente com abundância de recursos e distribuição homogênea destes). A necessidade de cuidado biparental (como em aves voadoras, que têm que abandonar o ninho e viajar longas distâncias para catar comida, deixando a prole muito exposta caso não haja um parceiro para alterna a guarda do ninho) é outro fator que favorece a monogamia e por conseguinte o monomorfismo físico-cognitivo-comportamental.

Isto é o que se observa amplamente em outras espécies: é o motivo pelo qual , por exemplo, biólogos explicam as diferenças de agressividade intraespecifica, dimorfismo sexual e sistemas de acasalamento entre as espécies irmãs Pan troglodytes (chimpanzé) e Pan paniscus (bonobo)  ou as também próximas Panthera leo (leão) e Panthera onca (onça/jaguar).

Muito interessante realmente estes estudos com animais sobre diferenças sexuais, agressividade etc. Inclusive o blog para o qual escrevo de vez em quando postou recentemente uma matéria muito interessante sobre pesquisas com bonobos e chimpanzés, traçando semelhanças e falando sobre as diferenças:

http://blog.movimentozeitgeist.com.br/faca-amor-ou-faca-guerra-o-eterno-dilema-humano-esta-escrito-em-nossos-genomas-e-em-nossa-historia-parte-1/

http://blog.movimentozeitgeist.com.br/faca-amor-ou-faca-guerra-o-eterno-dilema-humano-esta-escrito-em-nossos-genomas-e-em-nossa-historia-parte-2/

Tomara que um dia nos tornemos mais bonobos do que chimpanzés :)
Tudo indica que não somos mais parecidos com os bonobos quanto a agressividade e sexualidade por que vivemos num ambiente onde predomina a escassez e competição. Mudando tais fatores ambientais, nosso comportamento tenderia a ser menos agressivo e com muito mais sexo. E o pessoal ainda defende o Capitalismo e Meritocracia... putz.
« Última modificação: 04 de Novembro de 2015, 12:58:45 por Peter Joseph »
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Offline Peter Joseph

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #26 Online: 04 de Novembro de 2015, 13:10:16 »
Caro Donatello, muito bom e interessante post.


Só me esclareça algo, por favor, o trecho abaixome deixou dúvida e provavelmente foi por alguma desatenção durante seu processo digitacionista. O ambiente com recursos escassos e mal distribuídos leva a mais ou a menos agressividade intraespecífica? Leva a mais, correto?

[...]
Sabe-se, em biologia, que ambientes com recursos alimentares escassos e mal distribuídos geograficamente (tipo, como os oásis em um deserto) favorecem a poliginia (um mesmo macho se casando com várias mulheres), o dimorfismo sexual (os machos são bem diferentes das fêmeas, em geral mais fortes e feios/carrancudos) e agressão intraespecífica entre os machos (os machos se agridem, frequentemente se matando, com muito mais frequencia que o esperado num ambiente com abundância de recursos e distribuição homogênea destes).

Sim, talvez tenha escrito de um modo a se entender o contrário pelo que coloquei dentro e fora dos parêntesis, mas é isso: recursos escassos e mal distribuídos favorecem a agressividade entre os machos, recursos abundantes e distribuídos homogeneamente resultam em espécies com machos menos agressivos intraespecificamente. Outros padrões ambientais, como recursos abundantes, porém mal distribuídos, podem levar a variações como a poliandria ou a monogamia (não se limitando a isso, há outros fatores em jogo: como necessidade ou não de cuidado parental, podendo ser uni ou biparental; diferença de investimento energético na reprodução [mamíferos, por exemplo, tendem a ser mais dimórficos em aspectos físicos e mentais do que répteis e aves porque a viviparidade e a lactação geram uma diferença indisputável nos aspectos investimento energético-reprodutivo e cuidado parental]; et cetera)

É justamente o que vivemos hoje em sociedade, recursos abundantes (representados por tecnologias hiper produtivas), só que mal distribuídos (ou recursos produtivos não utilizados em sua máxima potencialidade). E como a ciência prevê em seus estudos, podemos ver na prática, que, devido a isto, temos grande tendência à agressividade, competição e monogamia. Isto demonstra que o sistema econômico adotado é o principal responsável por estabelecer parâmetros ambientais que irão moldar o comportamento humano, tanto pro sustentável com para o insustentável. A forma como lidamos com a escassez é a chave fundamental na minha visão.
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Offline Sergiomgbr

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #27 Online: 04 de Novembro de 2015, 16:53:36 »

Umas das coisas que vem me fazendo ver o meio como a variável com maior influência na hora de moldar o comportamento humano, é o conceito de Epigenética:
Mas o meio é um tremendamente óbvio formatador do comportamento humano. Até uma pedra é mais idenficável pelo meio em que ocorre que por sua composição inicial. Carbono >>> Grafite ou Diamante?
« Última modificação: 04 de Novembro de 2015, 20:19:34 por Sergiomgbr »
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Offline Buckaroo Banzai

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #28 Online: 04 de Novembro de 2015, 17:03:21 »
Umas das coisas que vem me fazendo ver o meio como a variável com maior influência na hora de moldar o comportamento humano, é o conceito de Epigenética:

Talvez possa se dizer que a forma mais relevante de "epigenética" na alteração do comportamento animal seja alteração de rotas e sinapses neurais -- neuroplasticidade. Que por sua vez tem como um dos principais componentes o "aprendizado".

Offline Peter Joseph

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #29 Online: 04 de Novembro de 2015, 18:03:37 »

Umas das coisas que vem me fazendo ver o meio como a variável com maior influência na hora de moldar o comportamento humano, é o conceito de Epigenética:
Mas o meio é um tremendamente óbvio formatador do comportamento humano.
Sim, isto é virtualmente/aparentemente consenso. A questão é definir o grau de influência que o meio social e natural exerce sobre o comportamento humano. Bem como também o grau de influência dos fatores biológicos.
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Offline Peter Joseph

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #30 Online: 04 de Novembro de 2015, 18:06:46 »
Umas das coisas que vem me fazendo ver o meio como a variável com maior influência na hora de moldar o comportamento humano, é o conceito de Epigenética:

Talvez possa se dizer que a forma mais relevante de "epigenética" na alteração do comportamento animal seja alteração de rotas e sinapses neurais -- neuroplasticidade. Que por sua vez tem como um dos principais componentes o "aprendizado".

Um outro mecanismo que acho que merece bastante atenção é a capacidade de estímulos ambientais silenciarem ou ativarem genes.
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Offline Sergiomgbr

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #31 Online: 04 de Novembro de 2015, 18:13:38 »

Umas das coisas que vem me fazendo ver o meio como a variável com maior influência na hora de moldar o comportamento humano, é o conceito de Epigenética:
Mas o meio é um tremendamente óbvio formatador do comportamento humano.
Sim, isto é virtualmente/aparentemente consenso. A questão é definir o grau de influência que o meio social e natural exerce sobre o comportamento humano. Bem como também o grau de influência dos fatores biológicos.
Ele transforma australopitecos em sapiens( e as vezes sapiens em australopitecos...)!
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Offline Donatello

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #32 Online: 11 de Junho de 2016, 11:34:25 »

O link acima é a primeira aula de uma disciplina eletiva de Stanford ministrada pelo fodão dos sistemas de integração Robert Sapolsky, pesquisador relevante na área e autor de uma série de livros sobre comportamento animal. Embora o nome da disciplina seja 'Biologia do Comportamento Humano' é na verdade um apanhadão sobre os conceitos mais importantes em comportamento animal em geral sob diversos olhares biológicos: a genética mendeliana, a análise genética, a endocrinologia, a neurologia e óbvio, a teoria da evolução; a maioria dos exemplos que ele e seus alunos convidados dão são de comportamento animal, mas você consegue juntar os pontos fácil e entender como cada elemento abordado pode ser preditivo dos nossos próprios padrões de comportamento muito bem. Descobri o curso semana passada e já assisti boa parte, para mim não tem muita novidade, apenas treinando o inglês e me aprofundando num tópico ou noutro, mas acho fortemente indicado para o público em geral (inclusive a matéria é dada como eletiva aberta a toda a comunidade, lá em Stanford).

Quase todos os vídeos com legendas em inglês (transcrição) e em português (parece que pegaram a transcrição e tacaram no Google Tradutor). No canal de Stanford no YT tem o curso todo, só catar.

Offline Johnny Cash

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #33 Online: 13 de Junho de 2016, 16:14:45 »
Nesse primeiro vídeo o professor cita a sincronização da menstruação de mulheres quando vivendo em conjunto, mas me parece que isso não é bem verdade ou pelo menos cientificamente comprovado que aconteça mais do que por pura sorte.

Você sabe de algo recente que confirme a hipótese da sincronização relacionada aos feromônios para o caso que ele cita?

Offline Donatello

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #34 Online: 13 de Junho de 2016, 17:04:33 »
Nesse primeiro vídeo o professor cita a sincronização da menstruação de mulheres quando vivendo em conjunto, mas me parece que isso não é bem verdade ou pelo menos cientificamente comprovado que aconteça mais do que por pura sorte.

Você sabe de algo recente que confirme a hipótese da sincronização relacionada aos feromônios para o caso que ele cita?
Por acaso vou dar uma aula na quarta sobre isso (feromônios em vertebrados, incluindo esta questão da sincronização em humanos) então esta semana li alguma literatura sobre este assunto. É ainda bem nebuloso, há pesquisas em revistas de alto fator de impacto (o artigo mais famoso sobre sincronização menstrual, por exemplo, saiu na Nature há duas décadas) e com metodologia bem robusta que apontam evidências a favor, mas há crítica também robusta. Folheei uma revisão metodológica em que o autor questionava boa parte da metodologia de pesquisa em semioquímicos humanos e tem um TED Talk em que o autor do principal livro-texto sobre semioquímicos também faz algumas considerações negativas sobre como anda a pesquisa sobre comunicação química em humanos.

Particularmente eu estou mais convencido (e realmente é onde a produção é mais robusta, de tudo que tenho lido) da existência de feromônios sexuais (androstadienona sobretudo, para os homens; e provavelmente alguns derivados de estradiol fazendo o mesmo trabalho para mulheres) do que da sincronização do ciclo, mas ainda assim, mesmo no que diz respeito aos feromônios sexuais a coisa é muito mais um 'parece que tem um pedaço de carne neste angu, estou sentindo cheiro' do que 'tem exatamente cinco pedaços de carne, todos são cubos de cerca de 5 centimetros de alcatra suína' e realmente acaba sendo muito pega pela ciência popular para vender perfumes duvidosos de procedência duvidosa e eficácia idem em páginas duvidosas na internet.

Até uns 10/20 anos atrás era consensualmente descartada a hipótese de comunicação química em humanos, já que o órgão que é responsável por este tipo de comunicação em vertebrados terrestres foi quase totalmente perdido em macacos do velho mundo (nós inclusive) e a via neural direta que existia entre ele e o hipotálamo foi detonadada, mas...a coisa toda está sendo revista por conta de introdução de novas metodologias de investigação...e briga está grande...e os estudos são gostosos de ler... e a discussão é boa :)

Do que já li sobre semioquímicos em humanos, esses eu acho que valem a pena:

Aulão sobre comunicação por semioquímicos em vertebrados.
http://www.ibiology.org/ibioseminars/neuroscience/catherine-dulac-part-1.html

Alguns estudos (nenhum sobre sincronização, te devo, mas não me recordo de ter lido nada que... ).
http://www.pnas.org/content/102/20/7356.full
http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0062499
http://beheco.oxfordjournals.org/content/15/4/579.full.pdf+html
http://www.ehbonline.org/article/S1090-5138(07)00069-4/pdf

Algumas críticas.
https://www.ted.com/talks/tristram_wyatt_the_smelly_mystery_of_the_human_pheromone?language=pt-br
http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.688.1241&rep=rep1&type=pdf
http://www.scientificamerican.com/article/do-women-who-live-together-menstruate-together/
« Última modificação: 13 de Junho de 2016, 17:08:50 por Donatello »

Offline Buckaroo Banzai

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #35 Online: 13 de Junho de 2016, 18:37:44 »
Eu achava que isso fosse ser meio que fácil e praticamente indiscutivelmente constatado, qualquer que fosse a conclusão, se dando uma checada com freiras, ou aglomerações do tipo.

Ainda que talvez fosse interessante dar uma checada em culturas diferentes, também, tribais. Poderia ser uma coisa que "atrofia" em modos de vida mais "modernizados".

Offline Johnny Cash

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #36 Online: 13 de Junho de 2016, 19:39:35 »
Nesse primeiro vídeo o professor cita a sincronização da menstruação de mulheres quando vivendo em conjunto, mas me parece que isso não é bem verdade ou pelo menos cientificamente comprovado que aconteça mais do que por pura sorte.

Você sabe de algo recente que confirme a hipótese da sincronização relacionada aos feromônios para o caso que ele cita?
Por acaso vou dar uma aula na quarta sobre isso (feromônios em vertebrados, incluindo esta questão da sincronização em humanos) então esta semana li alguma literatura sobre este assunto. É ainda bem nebuloso, há pesquisas em revistas de alto fator de impacto (o artigo mais famoso sobre sincronização menstrual, por exemplo, saiu na Nature há duas décadas) e com metodologia bem robusta que apontam evidências a favor, mas há crítica também robusta. Folheei uma revisão metodológica em que o autor questionava boa parte da metodologia de pesquisa em semioquímicos humanos e tem um TED Talk em que o autor do principal livro-texto sobre semioquímicos também faz algumas considerações negativas sobre como anda a pesquisa sobre comunicação química em humanos.

Particularmente eu estou mais convencido (e realmente é onde a produção é mais robusta, de tudo que tenho lido) da existência de feromônios sexuais (androstadienona sobretudo, para os homens; e provavelmente alguns derivados de estradiol fazendo o mesmo trabalho para mulheres) do que da sincronização do ciclo, mas ainda assim, mesmo no que diz respeito aos feromônios sexuais a coisa é muito mais um 'parece que tem um pedaço de carne neste angu, estou sentindo cheiro' do que 'tem exatamente cinco pedaços de carne, todos são cubos de cerca de 5 centimetros de alcatra suína' e realmente acaba sendo muito pega pela ciência popular para vender perfumes duvidosos de procedência duvidosa e eficácia idem em páginas duvidosas na internet.

Até uns 10/20 anos atrás era consensualmente descartada a hipótese de comunicação química em humanos, já que o órgão que é responsável por este tipo de comunicação em vertebrados terrestres foi quase totalmente perdido em macacos do velho mundo (nós inclusive) e a via neural direta que existia entre ele e o hipotálamo foi detonadada, mas...a coisa toda está sendo revista por conta de introdução de novas metodologias de investigação...e briga está grande...e os estudos são gostosos de ler... e a discussão é boa :)

Do que já li sobre semioquímicos em humanos, esses eu acho que valem a pena:

Aulão sobre comunicação por semioquímicos em vertebrados.
http://www.ibiology.org/ibioseminars/neuroscience/catherine-dulac-part-1.html

Alguns estudos (nenhum sobre sincronização, te devo, mas não me recordo de ter lido nada que... ).
http://www.pnas.org/content/102/20/7356.full
http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0062499
http://beheco.oxfordjournals.org/content/15/4/579.full.pdf+html
http://www.ehbonline.org/article/S1090-5138(07)00069-4/pdf

Algumas críticas.
https://www.ted.com/talks/tristram_wyatt_the_smelly_mystery_of_the_human_pheromone?language=pt-br
http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.688.1241&rep=rep1&type=pdf
http://www.scientificamerican.com/article/do-women-who-live-together-menstruate-together/

Muito obrigado pela extensa e cuidadosa resposta, brô.

O tema é realmente muito interessante. Pudera eu não ter sido apenas um engenheiro bitolado em engenharias engenheiras durante a época de faculdade.  :lol:

Offline Peter Joseph

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #37 Online: 28 de Junho de 2016, 12:37:22 »

O link acima é a primeira aula de uma disciplina eletiva de Stanford ministrada pelo fodão dos sistemas de integração Robert Sapolsky, pesquisador relevante na área e autor de uma série de livros sobre comportamento animal. Embora o nome da disciplina seja 'Biologia do Comportamento Humano' é na verdade um apanhadão sobre os conceitos mais importantes em comportamento animal em geral sob diversos olhares biológicos: a genética mendeliana, a análise genética, a endocrinologia, a neurologia e óbvio, a teoria da evolução; a maioria dos exemplos que ele e seus alunos convidados dão são de comportamento animal, mas você consegue juntar os pontos fácil e entender como cada elemento abordado pode ser preditivo dos nossos próprios padrões de comportamento muito bem. Descobri o curso semana passada e já assisti boa parte, para mim não tem muita novidade, apenas treinando o inglês e me aprofundando num tópico ou noutro, mas acho fortemente indicado para o público em geral (inclusive a matéria é dada como eletiva aberta a toda a comunidade, lá em Stanford).

Quase todos os vídeos com legendas em inglês (transcrição) e em português (parece que pegaram a transcrição e tacaram no Google Tradutor). No canal de Stanford no YT tem o curso todo, só catar.

O Dr. Sapolsky é muito bom mesmo. Aqui um trecho de um documentário que ele e outros cientistas falam sobre o tema:
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Offline Peter Joseph

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #38 Online: 28 de Junho de 2016, 12:45:58 »
Nas palavras do neurocientista e antropólogo Dr. Robert Sapolsky: "caçadores-coletores [tinham] milhares de fontes selvagens de alimentos para subsistir. A agricultura mudou tudo isso, gerando uma grande dependência de algumas dúzias de fontes alimentícias... A agricultura permitiu a constituição de reservas de recursos excedentes e, portanto, a inevitável acumulação desigual deles, a estratificação da sociedade e a invenção das classes. Dessa forma, ela permitiu a invenção da pobreza."
http://umanovaformadepensar.com.br/classismo_estrutural_o_estado_e_a_guerra

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Offline Buckaroo Banzai

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #39 Online: 28 de Junho de 2016, 13:40:03 »
Sapolsky seria melhor antropólogo e talvez até neurocientista se deixasse essas áreas serem menos contaminadas por seu esquerdismo/marxismo.

Ainda tentando manter essa mistura, essa colocação seria um pouco melhorada se em vez de "permitiu a invenção da pobreza" fosse algo como, "permitiu a evolução de níveis de desigualdade social inalcançáveis a caçadores-coletores".

Citar
Even among “egalitarian” foragers, who are characterized by widespread resource sharing (Kaplan & Gurven, 2005; Winterhalder, 1986) and some degree of status-leveling (Cashdan, 1980), certain individuals consume more resources, get the best pick of mates, and take a more central role in group decision-making (Boehm, 1999; Trigger, 1985; Wiessner, 1996). Whether implicit or overt, classification by social status is a human universal.

[...]

Since humans have lived in hunter-gatherer societies for the majority of their existence, modern forager communities can help elucidate the selective forces responsible for human males’ status-seeking behavior. Forager societies typically lack major wealth accumulation or formal political or legal institutions (Kelly, 1995). As a result, physical dominance may play a principal role in acquiring male status across social domains. Among foragers who practice some degree of horticulture and who engage in inter-group raiding, warrior-ship is a primary avenue to community-wide influence (Yanomami: Chagnon, 1988; Achuar: Patton, 2000; Waorani: Robarchek & Robarchek, 1998). On the other hand, status acquisition in forager societies has also been linked to attributes like hunting ability (Tsimane: Gurven & von Rueden, 2006; Ache: Kaplan & Hill, 1985; Hadza: Marlowe, 2000; Mbuti: Turnbull, 1965) and generosity (Achuar: Patton, 2005; Yuqui: Stearman, 1989).

[...]

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2598750/


Citar
[...] The combined picture from the intergenerational transmission (β) and inequality (Gini) estimates suggests we may need to rethink the conventional portrayal of foragers as highly egalitarian and unconcerned with wealth. Even classic examples of hunter-gatherer society display more inequality than is widely appreciated. For example, evidence indicates that leadership was much stronger among the Ju/’hoansi in the past before the Bantu arrived, with the best foraging areas (n!ore) held by strong families (Wiessner 2002), and the language has distinct words for poor, ordinary and rich. [...]

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2598750/


Espinhos cuidadosamente arrancados na narrativa marxista-romântica dos fatos.


Acho que tanto esquerdistas quanto direitistas se prendem a coisas relacionadas a isso como algo importante por verem fundamentação numa "falácia naturalista" que aceitam para posições políticas/econômicas.

Offline Peter Joseph

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #40 Online: 28 de Junho de 2016, 14:11:36 »
Nas verdade, com a agricultura, se inventou não só a pobreza, mas também a riqueza, por que em geral não havia variação suficiente entre os indivíduos para se dizer "aquele é pobre e aquele é rico."

Além disso, você está atacando um espantalho. Ninguém afirmou que "numa sociedade pré agrícola nunca houve nenhum nível de desigualdade ou hierarquias", mas a questão aqui é que se identificou que isto foi imensamente exacerbado após a revolução neolítica (agricultura). Como em geral sempre houve escassez, principalmente de recursos básicos pra viver, nunca houve de fato sociedades totalmente igualitárias, economicamente falando. Enquanto houver escassez pronunciada, sempre haverá algum nível de hierarquia, conflitos e de disputa (isto é natureza humana). Isto é evidenciado até entre animais.

Além disso, pelo que entendi (me corrija se estiver errado), a sociedade estudada que você postou não era isolada do mundo ao redor dela, certamente já tendo influências da cultura monetária, além de que parece que já possuíam algum nível de agricultura.
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Offline Buckaroo Banzai

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #41 Online: 28 de Junho de 2016, 14:40:28 »
Nas verdade, com a agricultura, se inventou não só a pobreza, mas também a riqueza, por que em geral não havia variação suficiente entre os indivíduos para se dizer "aquele é pobre e aquele é rico."

Citar
[...] the language has distinct words for poor, ordinary and rich. [...]

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2598750/



Citar
Além disso, você está atacando um espantalho. Ninguém afirmou que "numa sociedade pré agrícola nunca houve nenhum nível de desigualdade ou hierarquias", mas a questão aqui é que se identificou que isto foi imensamente exacerbado após a revolução neolítica (agricultura). Como em geral sempre houve escassez,

Então outra forma mais apropriada de expressar seria que a agricultura permitiu a invenção da riqueza.

A que propus anteriormente tentava ainda ser mais palatável ao viés esquerdista, em vez de propor heresias comoque  "riqueza é bom", e que "umas sociedades tem melhores condições que outras devido a sua evolução cultural".

Não ataco um espantalho; ataco a frase que está aí fechando a citação, tendo apresentado duas alternativas melhores, por menor possibilidade de sugestão disso que você caracteriza como "espantalho", mas que é de fato muitas vezes defendido nas linhas de falácia de "apelo a natureza" por esquerdistas (não que seja necessariamente a intenção de Sapolsky).

Isso talvez seja mais evidente em análogos feministas, existe a noção de que o poder na sociedade foi se concentrando mais nas mãos dos homens como por uma espécie de "golpe de estado do clube do Bolinha", onde misturam até o assunto com estupro, com colocações toscas como que "a descoberta do homem de que sua genitália poderia servir como uma aram para gerar medo deve ser considerada como uma das mais importantes descobertas dos tempos pré-históricos, jutamente com o uso do fogo e do primeiro machado rudimentar de pedra."



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Além disso, pelo que entendi (me corrija se estiver errado), a sociedade estudada que você postou não era isolada do mundo ao redor dela, certamente já tendo influências da cultura monetária, além de que parece que já possuíam algum nível de agricultura.

Os estudos se focam acho que em ao menos duas culturas diferentes de maneira mais específica (cada um numa), mas fazem menções a diversas outras culturas. O contato com outra cultura citado menciona um nível de hierarquização anterior maior. Talvez o contato, ao permitir a comparação com uma sociedade mais rica tenha feito sua própria percepção de status desvalorizar; mas isso é especulação minha.

Offline Peter Joseph

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #42 Online: 28 de Junho de 2016, 14:57:49 »
Nas verdade, com a agricultura, se inventou não só a pobreza, mas também a riqueza, por que em geral não havia variação suficiente entre os indivíduos para se dizer "aquele é pobre e aquele é rico."

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[...] the language has distinct words for poor, ordinary and rich. [...]

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2598750/

Isto não quer dizer muita coisa. Pode ser simplesmente uma falta de palavra análoga em nossa linguagem, com sentido exato ao que queriam dizer especificamente na língua deles. Além disso, como já expliquei, por se tratarem de sociedades contemporâneas a nossa, imagino que houveram contaminações culturais, inclusive na definição de tais status/palavras. Alem disso já possuíam algum nível de agricultura.

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Não ataco um espantalho; ataco a frase que está aí fechando a citação, tendo apresentado duas alternativas melhores, por menor possibilidade de sugestão disso que você caracteriza como "espantalho", mas que é de fato muitas vezes defendido nas linhas de falácia de "apelo a natureza" por esquerdistas (não que seja necessariamente a intenção de Sapolsky).

Exatamente, você ataca um espantalho justamente por que se baseia numa unica frase do Sapolsky, desconsiderando todo o resto de seus estudos e falas a respeito. Ele nunca afirmou que em sociedade pre neolíticas havia igualitarismo absoluto nem ausência de hierarquias.
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Offline Buckaroo Banzai

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Re:Determinismo cultural X Psicologia evolutiva
« Resposta #43 Online: 28 de Junho de 2016, 15:03:44 »
Suponho que os pesquisadores tenham investigado o tema mais profundamente, e cogitado essa mesma possibilidade, e a rejeitado.

Qualquer das duas frases alternativas à de Sapolsky não só são descrições mais precisas da realidade como dão menor margem a interpretações esquerdistas-românticas que são de fato defendidas por muitas pessoas, não necessariamente por Sapolsky, ainda que ele também calhe de ser esquerdista.

 

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