Morte de Soleimani: o que diz lei internacional sobre ataque dos EUA?EUA argumentam que general iraniano planejava ataques iminentes contra interesses e cidadãos americanos; definição legal a respeito disso é sujeita à interpretação de governos.
Por BBC
08/01/2020 10h30 Atualizado há 22 horas
Entre os muitos debates envolvendo o assassinato do general iraniano Qasem Soleimani está a dúvida de se os EUA tinham base legal para ordenar o ataque aéreo, realizado em solo iraquiano na quinta-feira passada.
"O ataque tinha como objetivo impedir futuros planos de ataques iranianos", argumentou o governo americano ao defender sua ação.
Quais são, então, as questões-chave envolvendo a legalidade (ou não) desse ato, segundo a lei internacional?
O que diz a lei
A lei relevante ao tema no Estatuto da ONU permite que um Estado aja em autodefesa "se ocorrer um ataque armado". Mas essa definição é, na prática, sujeita à interpretação de governos, dizem especialistas.
"No caso de Soleimani, os EUA estão alegando ter agido em autodefesa para impedir ataques iminentes, uma categoria de ação que, se for verdadeira, é geralmente vista como admissível sob o Estatuto da ONU", afirma Dapo Akande, professor de Direito Internacional da Universidade de Oxford e codiretor do Instituto de Ética, Direito e Conflito Armado (ELAC) da instituição.
No entanto, para Agnes Callamard, relatora especial da ONU para execuções extrajudiciais, é improvável que a ação dos EUA se enquadre nessa categoria.
"Os limites para a chamada autodefesa antecipada são muito estreitos: é necessário que (a necessidade de autodefesa) seja 'imediata, esmagadora e não deixe outra escolha de meios e não deixe tempo para deliberações'", ela tuitou. "É improvável que esses requisitos sejam cumpridos em casos assim."
Um relatório de 2010 da ONU sobre "mortes alvejadas" afirmava que havia um substancial corpo de acadêmicos que defendiam o mesmo raciocínio citado por Callamard.
O comunicado inicial do Departamento de Defesa dos EUA sobre a morte de Soleimani omitia a palavra "iminente" e afirmava que o ataque aéreo visava impedir ataques futuros iranianos e que Soleimani estaria "ativamente desenvolvendo planos de alvejar diplomatas e funcionários no Iraque e pela região".
Em comunicados posteriores, autoridades americanas, incluindo o presidente Donald Trump, afirmaram que Soleimani planejava "ataques iminentes".
Elizabeth Warren, pré-candidata democrata à Presidência dos EUA, rebateu afirmando que "o governo não consegue acertar sua narrativa
[...]
E quanto ao consentimento iraquiano?
Outra questão em debate é se os EUA tinham de ter pedido consentimento do Iraque para realizar um ataque dentro de seu território
O governo iraquiano afirmou que o episódio foi "uma flagrante violação da soberania" do país, e o Parlamento aprovou uma resolução (não vinculante) pedindo que as tropas americanas deixem o Iraque — algo que o governo americano rejeita fazer até o momento.
Há cerca de 5 mil militares no país, sobretudo em tarefas de apoio às tropas iraquianas e no combate ao grupo autodenominado Estado Islâmico.
Os EUA podem argumentar que sua presença ali já deixa implícito algum tipo de consentimento à sua ação no país, dando lhes o direito de proteger seus interesses e cidadãos dentro do Iraque.
Mas Akande argumenta que, na prática, os termos do acordo entre o Iraque e as tropas americanas não se estendem à possibilidade de se executar um ataque como o que matou Soleimani.
É permitido alvejar pontos de relevância cultural?
No domingo, Trump ameaçou Teerã com ataques a 52 pontos de interesse iranianos, "alguns de alto nível e muito importantes ao Irã e à cultura iraniana".
O chanceler iraniano, Javad Zarif, afirmou que um eventual ataque a um patrimônio cultural iraniano constituiria um crime de guerra.
"(A ameaça de Trump) mostra um cruel desprezo pelo estado de direito internacional", declarou Andrea Prasow, da organização Human Rights Watch
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/01/08/morte-de-soleimani-o-que-diz-lei-internacional-sobre-ataque-dos-eua.ghtml