Ver uma excelente resenha do excelente livro cujo trecho de texto porei abaixo:
http://www.mundorama.net/2012/12/07/resenha-de-por-que-as-nacoes-fracassam-as-origens-do-poder-da-prosperidade-e-da-pobreza-de-daron-acemoglu-e-james-robinson-por-gustavo-resende-mendonca/ Retirado do capítulo 2 do livro “Porque as Nações Fracassam” de James Robinson e Daron Acemoglu (Editora Elsevier):
HIPÓTESE CULTURAL
A segunda teoria que goza de ampla aceitação, a hipótese cultural,
correlaciona prosperidade e cultura. A hipótese cultural, do mesmo modo
que a geográfica, é de linhagem distinta, remontando no mínimo ao grande
sociólogo alemão Max Weber, que defendia que a Reforma Protestante e a
ética protestante dela decorrente desempenharam papel central na
facilitação da ascensão da moderna sociedade industrial na Europa
Ocidental. A hipótese cultural já não se baseia exclusivamente na religião,
mas enfatiza igualmente outros tipos de crenças, valores e éticas.
Por mais que não seja politicamente correto dizê-lo em público, ainda
há quem mantenha, e não são poucos, que os africanos são pobres por
serem desprovidos de uma boa ética de trabalho, insistindo em acreditar
em feitiçaria e magia ou resistindo às novas tecnologias ocidentais. Muitos
acreditam também que a América Latina jamais enriquecerá devido ao
caráter intrinsecamente libertino e carente de seu povo, que além disso
sofre do mal da cultura “ibérica”, a tendência a deixar tudo para mañana
(amanhã). Evidentemente, muitos já acreditaram que a cultura chinesa e o
confucionismo fossem incompatíveis com o crescimento econômico, muito
embora a importância da ética de trabalho chinesa como motor do
crescimento na China, Hong Kong e Cingapura seja agora alardeada.
Será que a hipótese cultural é útil para compreender a desigualdade
mundial? Sim e não. Sim, no sentido de que as normas sociais, que são
relacionadas à cultura, exercem profunda influência e podem ser difíceis
de mudar – além de, por vezes, darem sustentação às diferenças
institucionais que, segundo este livro, são o que explica as desigualdades
mundiais. Em sua maior parte, porém, não, à medida que os aspectos
culturais que se costuma enfatizar – religião, ética nacional, valores
africanos ou latinos – não têm importância para entendermos como
chegamos até aqui e por que as desigualdades do mundo persistem.
Outros aspectos, como até que ponto as pessoas confiam umas nas outras
ou são capazes de colaborar, são importantes, mas constituem basicamente
um resultado das instituições, não causas independentes.
Voltemos a Nogales. Como já observamos, diversos aspectos culturais
são idênticos, de um lado e de outro da cerca. Não obstante, detectam-se
certas diferenças marcantes de práticas, normas e valores, ainda que elas
sejam não causas, mas consequências da divergência entre os rumos do
desenvolvimento dos dois lugares. Por exemplo, nas pesquisas, os
mexicanos normalmente dizem confiar em outras pessoas menos do que os
cidadãos dos Estados Unidos declaram confiar nos outros. Contudo, a falta
de confiança dos mexicanos não surpreende, tendo-se em vista que seu
governo mostra-se incapaz de eliminar os cartéis de drogas ou assegurar
um sistema jurídico imparcial. O mesmo vale para as Coreias do Norte e do
Sul, como discutiremos no próximo capítulo. O Sul é um dos países mais
ricos do mundo, ao passo que o Norte enfrenta fomes periódicas e uma
pobreza abjeta. Embora, hoje, a “cultura” dos dois países seja muito
distinta, ela não fez a menor diferença nos destinos econômicos
divergentes dessas duas meias-nações. A península coreana tem um longo
período de história comum. Até a Guerra da Coreia e a divisão no paralelo
38, apresentava uma homogeneidade sem precedentes em termos de
idioma, etnicidade e cultura. Como em Nogales, o importante é a fronteira.
Ao norte fica um regime diferente, que impõe instituições singulares e cria
outros incentivos. Eventuais divergências culturais encontradas nas terras
ao sul e ao norte da fronteira que corta Nogales ou a Coreia em duas é,
pois, consequência, e não causa das diferenças nos níveis de prosperidade.
E a África e a cultura africana? Historicamente, a África subsaariana
sempre foi mais pobre do que a maior parte do resto do mundo e suas
civilizações antigas chegaram a desenvolver a roda, a escrita (exceto por
Etiópia e Somália) e o arado. Embora tais tecnologias não tivessem
utilização mais ampla até o advento da colonização formal europeia, no
final do século XIX e início do XX, as sociedades africanas tomaram
conhecimento de sua existência muito antes. Os europeus começaram a
circum-navegar sua costa ocidental no final do século XV, e embarcações
asiáticas chegavam à África Oriental já muito antes disso.
Podemos compreender por que essas tecnologias não foram adotadas
com base na história do Reino do Congo, na foz do Rio Congo, que deu seu
nome à moderna República Democrática do Congo. O Mapa 6 mostra a
localização do Congo em relação a outro importante Estado centro-africano,
o Reino Bacaba, que discutiremos mais à frente neste livro.
O Congo entabulou intensas relações com os portugueses após ser
visitado pela primeira vez pelo navegador Diogo Cão, em 1483. Na época, o
Congo era um reino altamente centralizado pelos padrões africanos, cuja
capital, Mbanza, contava com uma população de 60 mil habitantes, o que a
tornava mais ou menos do mesmo tamanho da capital portuguesa, Lisboa,
e maior do que Londres, com sua população de cerca de 50 mil habitantes
em 1500. O rei do Congo, Nzinga a Nkuwu, converteu-se ao catolicismo e
mudou de nome para João I. Mais tarde, o nome de Mbanza seria mudado
para São Salvador. Graças aos portugueses, os congolenses aprenderam
sobre a roda e o arado, cuja adoção foi mesmo incentivada por missões
agrícolas lusitanas em 1491 e 1512. Contudo, todas essas iniciativas
fracassaram. Não obstante, os congolenses estavam longe de ser avessos
às modernas tecnologias em geral; foram muito rápidos, por exemplo, em
adotar outra venerável inovação ocidental: a pólvora. Usaram essa nova e
poderosa ferramenta para responder a incentivos de mercado: a captura e
exportação de escravos. Não há nenhum indício de que a cultura ou os
valores africanos de alguma maneira concorressem para impedir a adoção
de novas tecnologias e práticas. À medida que se estreitavam seus laços
com os europeus, os congolenses adotariam outras práticas ocidentais: a
escrita, estilos de indumentária e arquitetura habitacional. No século XIX,
não poucas sociedades africanas tiraram proveito também das crescentes
oportunidades econômicas engendradas pela Revolução Industrial,
mudando seus padrões de produção. Na África Ocidental, verificou-se
rápido crescimento econômico com base na exportação de óleo de palma e
amendoim; em todo o sul do continente, os africanos desenvolveram
produtos a serem exportados para as áreas industriais e de mineração em
acelerada expansão no Rand,j na África do Sul. Contudo, esses promissores
experimentos econômicos foram obliterados, não pela cultura africana nem
pela incapacidade dos africanos comuns de tomar iniciativas em prol de
seus próprios interesses, mas pelo colonialismo europeu, em primeiro
lugar, e mais tarde pelos governos africanos pós-independência.
A verdadeira razão por que os congolenses não adotaram uma
tecnologia superior foi o simples fato de que lhes faltaram incentivos para
tanto. Enfrentavam elevado risco de expropriação e tributação de sua
produção pelo monarca todo-poderoso, houvesse ele se convertido ao
catolicismo ou não. Com efeito, a insegurança imperava, não só no que dizia
respeito à propriedade, mas a continuidade de sua própria existência
encontrava-se sempre por um fio. Muitos eram capturados e vendidos
como escravos – condições que dificilmente serviriam de estímulo para
investimentos que aumentassem a produtividade em longo prazo.
Tampouco o rei dispunha de incentivos para adotar o arado em larga
escala ou para fazer do aumento da produtividade agrícola sua maior
prioridade; a exportação de escravos era muito mais rentável.
Talvez se possa afirmar que, hoje, os africanos confiam menos uns nos
outros que outros povos, de outras partes do mundo – o que seria,
contudo, fruto de uma longa história de instituições que solaparam os
direitos humanos e de propriedade na África. A possibilidade de serem
capturados e vendidos como escravos sem dúvida exerceu alguma
influência sobre o grau de confiança dos africanos entre si ao longo do
tempo.
E a ética protestante de Max Weber? Embora seja verdade que países
predominantemente protestantes, como Holanda e Inglaterra, foram os
primeiros grandes sucessos econômicos da Era Moderna, há pouca ligação
entre religião e prosperidade econômica. A França, país
predominantemente católico, rapidamente reproduziu o desempenho
econômico dos holandeses e ingleses no século XIX, e a Itália é tão
próspera quanto qualquer desses países hoje. Olhando mais para o
Oriente, veremos que nenhum dos sucessos econômicos do Leste Asiático
guarda qualquer relação com a religião cristã, de modo que tampouco aí a
tese de uma conexão especial entre o protestantismo e o êxito econômico
encontra grande respaldo.
Voltemo-nos para uma das regiões favoritas dos entusiastas da
hipótese cultural: o Oriente Médio, onde os países são
preponderantemente islâmicos, e os que não produzem petróleo são muito
pobres, como já notamos. Os produtores de petróleo são mais ricos, mas
esse golpe de sorte pouco contribuiu para a instalação de economias
modernas e diversificadas na Arábia Saudita ou Kuwait. Esses fatos não
constituem uma demonstração cabal da influência da religião? Por mais
plausível que seja, esse argumento também não está correto. Sim, países
como Síria e Egito são pobres e suas populações são basicamente
muçulmanas. Contudo, apresentam outras peculiaridades bem mais
significativas para efeitos de prosperidade. Em primeiro lugar, todos foram
províncias do Império Otomano, o que afetou intensa e adversamente o
modo como se desenvolveram. Após o colapso do domínio otomano, o
Oriente Médio foi absorvido pelos impérios coloniais inglês e francês, que
continuaram tolhendo suas possibilidades. Após a independência, a
exemplo de boa parte do antigo mundo colonial, desenvolveram regimes
políticos hierárquicos e autoritários, de que faziam parte poucas das
instituições políticas e econômicas que, como mostraremos, são cruciais
para a geração de prosperidade econômica. Essa trajetória de
desenvolvimento foi moldada, em grande parte, pela história dos domínios
otomano e europeu. A relação entre religião islâmica e pobreza, no Oriente
Médio, é basicamente espúria.
O papel desses acontecimentos históricos, e não de fatores culturais,
na conformação do percurso econômico da região pode ser constatado
também no fato de que aquelas partes do Oriente Médio que escaparam
temporariamente ao jugo do Império Otomano e das potências europeias
(como o Egito, entre 1805 e 1848, sob Muhammad Ali) mostraram-se
capazes de enveredar por um caminho de acelerado crescimento.
Muhammad Ali usurpou o poder logo após a retirada das forças francesas
que haviam ocupado o país sob o comando de Napoleão Bonaparte.
Aproveitando-se da tibieza do controle exercido pelos otomanos sobre o
território egípcio na época, logrou fundar sua própria dinastia, que, de uma
forma ou de outra, governaria o país até a revolução encabeçada por
Nasser, em 1952. As reformas de Muhammad Ali, embora tenham sido
impostas por coerção, promoveram o crescimento do país à medida que a
burocracia estatal, o Exército e o sistema de arrecadação fiscal foram
modernizados, gerando crescimento na agricultura e na indústria. Não
obstante, tal processo de modernização e crescimento chegou ao fim com a
morte de Ali, quando o Egito voltou a cair sob influência europeia.
Todavia, essa talvez seja uma forma errada de considerar a presença
da cultura na equação. Talvez os fatores culturais mais importantes não
estejam ligados à religião, mas a “culturas nacionais” específicas. Quem
sabe a influência da cultura inglesa não seja importante e explique a
prosperidade de países como Estados Unidos, Canadá e Austrália? Por
mais sedutora que essa ideia possa parecer à primeira vista, também não
funciona. Sim, Canadá e Estados Unidos foram colônias britânicas, mas
Serra Leoa e Nigéria, também. As variações de prosperidade entre as ex-
colônias inglesas é tão grande quanto entre os demais países do mundo. O
legado britânico não é a causa do enriquecimento da América do Norte.
Entretanto, há ainda outra versão da hipótese cultural: talvez a
questão não seja ingleses versus não ingleses, mas europeus versus não
europeus. Será que os europeus são de algum modo superiores em virtude
de sua ética do trabalho, perspectiva de vida, valores judaico-cristãos ou
legado romano? É verdade que a Europa Ocidental e a América do Norte,
cuja população é primordialmente de ascendência europeia, são as regiões
mais ricas do mundo. Talvez o legado europeu e sua superioridade cultural
sejam as razões da prosperidade – e o derradeiro refúgio da hipótese
cultural. Infelizmente, essa versão da hipótese oferece tão pouca
capacidade de explicação quanto as demais. Argentina e Uruguai
apresentam descendentes de europeus em proporções maiores de sua
população total que o Canadá e os Estados Unidos, mas o desempenho
econômico tanto de uma quanto do outro deixa muito a desejar. Japão e
Cingapura nunca tiveram mais que uma gota de descendentes de
europeus entre seus habitantes, mas são tão abastados quanto muitas
áreas da Europa Ocidental.
A China, apesar de umas tantas imperfeições em seu sistema
econômico e político, tem sido o país de crescimento mais rápido nas três
ultimas décadas. Sua pobreza até a morte de Mao Tsé-Tung nada tinha a
ver com a cultura chinesa, mas com o modo desastroso como Mao
organizou a economia e conduziu a política. Na década de 1950, ele
promoveu o Grande Salto Adiante, drástica política de industrialização que
acarretou fome em massa. Nos anos 1960, propagou a Revolução Cultural,
que levou à perseguição maciça de intelectuais e eruditos – qualquer um
cuja fidelidade ao partido pudesse ser posta em dúvida –, o que mais uma
vez provocou enorme desperdício dos talentos e recursos da sociedade. Da
mesma forma, o atual crescimento chinês nada tem a ver com os valores ou
mudanças na cultura local; é fruto de um processo de transformação
econômica deflagrado pelas reformas implementadas por Deng Xiaoping e
seus aliados – que, após a morte de Mao Tsé-Tung, foram pouco a pouco
abandonando as instituições e políticas econômicas socialistas, primeiro na
agricultura, depois na indústria.
Como no caso de sua correlata geográfica, a hipótese cultural
tampouco tem serventia para explicar outros aspectos do atual estado de
coisas. Há, evidentemente, diferentes crenças, valores e atitudes culturais
entre Estados Unidos e América Latina; porém, assim como as que
separam Nogales, Arizona, e Nogales, Sonora, ou as Coreias do Sul e do
Norte, tais disparidades são consequências das diferentes instituições e
histórias institucionais distintas dos dois lugares. Fatores culturais que
enfatizem o modo como a cultura “hispânica” ou “latina” moldou o Império
Espanhol não dão conta das divergências no seio da própria América
Latina – por exemplo, por que Argentina e Chile são mais ricos que Peru e
Bolívia. Outros tipos de argumentos culturais – por exemplo, os que
salientam a cultura indígena contemporânea – saem-se igualmente mal.
Argentina e Chile tinham população nativa relativamente pequena, se
comparada ao Peru e Bolívia. Embora seja verdade, a cultura indígena
como explicação também não funciona. Colômbia, Equador e Peru têm
níveis de renda similares, mas a Colômbia hoje apresenta muito poucos
indígenas, ao contrário do Equador e Peru. Por fim, as atitudes culturais,
em geral de modificação tão lenta, dificilmente responderão por si pelos
milagres do crescimento no Leste Asiático e China. Por mais persistentes
que sejam as instituições, em determinadas circunstâncias podem
transformar-se rapidamente, como veremos.