Sobre casos históricos de crimes envolvendo grandes sacadas, talento acima do comum e planos mirabolantes, ou bandidos que desenvolveram grandes habilidades técnicas, físicas ou intelectuais para a prática de seus delitos.
Wolfgang Beltracchi, pintor falsário
A maioria dos falsários opta por reproduções fiéis de quadros conhecidos, mas de paradeiro incerto. Obras que já foram vistas, fotografadas e constam nos catálogos, mas que estão perdidas há muito tempo e cujas imagens disponíveis não possuem resolução tão alta. Como nas imagens abaixo: imagine ter uma dessas telas em mãos e apenas uma fotografia antiga da original, em preto e branco. Muito difícil de distinguir, mesmo para bons avaliadores. Quando o valor da pintura não é assim tão exorbitante para fazer valer a pena um teste químico, a chance de sucesso de passar pela inspeção visual é alta.
![](https://tonytetro.files.wordpress.com/2014/03/boug188.jpg)
Mas há um problema. Mesmo que os testes químicos sejam muito caros, há outras modalidades de testes baratos e difíceis de burlar. Os padrões de envelhecimento do tecido da tela são bem conhecidos por especialistas, bem como as marcas na estrutura de madeira, manchas na parte de trás etc. Um especialista não conhece apenas a figura do quadro. Ele sabe se há rabiscos na parte traseira, carimbos, pequenos rasgos, amassados, grampos e outros detalhes difíceis de imitar de forma satisfatória.
Aí entra a técnica de Beltracchi.
Em vez de falsificar uma pintura conhecida por especialistas, ele fazia uma profunda pesquisa biográfica sobre os pintores, quase sempre do início do século XX, não apenas para conhecer suas obras, mas principalmente para conhecer seus hiatos de produção. Escolhia o artista a ser imitado e então comprava uma tela qualquer pintada nessa época e local, algo barato feito por algum anônimo, apagava cuidadosamente a pintura original e realizava uma criação totalmente nova imitando o estilo do pintor-alvo.
Assim, o quadro era oferecido para venda como proveniente de uma coleção particular perdida durante o confisco nazista, uma obra até então desconhecida. A vantagem imediata é que os especialistas não teriam nenhuma referência prévia nem sobre a pintura e nem sobre os detalhes da tela, mas poderiam averiguar, por inspeção, que seu estado era coerente com uma tela da época (afinal, era de fato uma tela da época, apenas com o desenho trocado). Com uma história bem amarrada, uma imitação talentosa e coerente do estilo original, algumas "evidências" fotográficas forjadas em estúdio e telas de baixo valor, o sucesso era garantido. O profundo conhecimento de Beltracci dos mais completos catálogos de arte possibilitava que ele fizesse escolhas certeiras, algumas vezes realizando trabalhos sobre os quais já havia alguma menção histórica, mas cuja reprodução visual não constava em lugar algum.
Foto de uma colecionadora de arte alemã do início do século XX, confirmando a existência da obra até então perdida.Na verdade, é apenas uma foto da mulher de Beltracchi com roupas da época, posando com a falsificação recém-criada de um quadro inexistente ao lado de outras falsificações meia-boca de quadros que realmente existem e pertenciam a uma colecionadora da época, conhecida o suficiente para existir alguma menção sobre ela acessível aos avaliadores mas desconhecida o suficiente para ninguém conseguir contatar seus herdeiros.
Também há um jogo psicológico envolvido nessa técnica. Quando um especialista analisa uma obra existente, sua reputação corre grande risco. Se ele garantir uma obra como legítima e ela realmente for, foi apenas mais um dia de trabalho. Se aparecer outra no mercado algum tempo depois, haverá um problema. Nesse caso, se a que ele avaliou não for realmente a legítima, sua credibilidade irá por água abaixo imediatamente, e nesse profissão a credibilidade é a maior ferramenta de trabalho. Por isso, o grau de certeza para obter a chancela de legitimidade deve ser altíssimo. Por outro lado, quando aparece uma obra totalmente nova, a situação muda de figura. Se a obra for verdadeira, haverá repercussão midiática, o nome dele será citado e sua popularidade aumentará. Se for falsa, uma obra inexistente, o prejuízo não será tão grande. Afinal, não haverá como aparecer outra no mercado já que, por definição, ninguém jamais viu aquela pintura e ninguém vai querer copiá-la após ter aparecido uma com status de verdadeira. Consequentemente, o grau de ceticismo do avaliador sofre considerável impacto.
Usando esse estratagema e abusando do jogo psicológico citado acima, Beltracchi vendeu várias obras da suposta coleção que possuía, sem abusar do preço para que as pinturas não passassem por teste químico. Sempre sendo aprovado pelos avaliadores, portanto. Com o tempo, adquiriu a fama de um vendedor confiável, e aí sim, foi aumentando gradualmente o preço até atingir a casa dos milhões de dólares. Conseguiu passar pela avaliação de especialistas das principais galerias de arte do mundo e forjou obras "perdidas" de artistas como Max Ernst - uma delas foi elogiada pela própria viúva de Ernst como tendo sido o melhor trabalho do marido e permanece até hoje na parede do comprador, que não quis devolvê-la. Chegou a ressuscitar o interesse das galerias europeias por Heinrich Campendonk, até então em baixa. Vendeu quadros para magnatas bilionários e atores de Hollywood. Estima-se que tenha faturado 45 milhões de dólares durante a carreira.
Mas só sabemos de toda essa história porque enfim ele foi pego. Durante a venda de uma falsificação de Campendonk para uma empresa maltesa, que seria fechada em 3,5 milhões de dólares, um teste químico de autenticidade foi exigido. Algo inesperado, porém irreversível. O procedimento revelou traços de titânio na tinta usada, que não poderiam estar presentes em pinturas da época, e o esquema veio abaixo. Para reduzir sua pena, Beltracchi confessou oficialmente ter forjado catorze obras e ficou preso por 6 anos, além de ter devolvido milhões de dólares. Entretanto, hoje em dia alega ter criado cerca de trezentos trabalhos imitando mais de cinquenta artistas diferentes durante 35 anos. Não apenas para faturar alto, mas também "para melhorá-los", segundo ele. A maior parte dessas falsificações ainda está exposta em museus e coleções particulares, constando como originais. E a maioria dos proprietários prefere que continue assim, para que não percam valor de mercado.
Atualmente vende pinturas legítimas, assinadas com o próprio nome. Ano passado, um galerista suíço organizou uma exposição com 24 de suas criações recentes e vendeu todas em um único mês, por 650 mil euros.