Buckaroo, veja: "isso ainda não é suporte para todo o caso maior de que a pessoa sai flutuando do cérebro e etc e tal, e nem que isso, supondo acontecer, não duraria só uns instantes até o cérebro terminar de morrer."
Se o cérebro esteve morto, ou momentaneamente desligado, e a pessoa continuou a experienciar o que quer que fosse, isso é indicativo sim de que nossas percepções e memórias sobrevivem, ao menos por certo tempo, independentes de um cérebro.
O problema é que não há qualquer indício de que isso ocorra -- que essas experiências ocorrem flutuando quando o cérebro estivesse completamente morto (SE em algum momento estiver, para qualquer um que seja reanimado).
Não há como colocar uns "detectores de alma". e detectar que ela está de fato lá flutuando no ar, e colocar a alma num fMRI espiritual, verificando que ela é que está tendo a atividade cérebro-almal.
Então, mesmo a verificação mais impecável da descrição superficial daquilo que se observaria - morte cerebral genuina seguida de reanimação e lembranças compatíveis com o intervalo em que a pessoa esteve morta - não tem na hipótese de mente flutuante a única explicação possível. Restringindo as explicações ao que se tem de factual, se teria memórias falsas.
Já com a mesma liberdade necessária para fantasmas como explicação, você pode inventar praticamente qualquer outra coisa, no mínimo uma "alimentação telepática" das memórias das outras pessoas compondo aquela de quem ressuscita. Ou conexão momentânea com um tecido do universo que contém todo o conhecimento universal, etc.
Isso não quer dizer que vá existir para sempre, contudo. Stephen Braude chega a comparar a mente a um flato [que sai do moribundo no momento de sua morte - ou mesmo depois! - desagradavelmente existindo por certo tempo até desaparecer].
Sobre Libet, você diz: "Libet não propôs nada disso, a teoria de "campo mental consciente" não postula nada "mental", nem memórias, fora do cérebro, mas que a consciência seja uma propriedade emergente de sua atividade. Até o momento, não se tem nem um "átomo" de evidência da existência de alguma "coisa" não-material. Não-material é praticamente sinônimo de inexistente."
Sim, de fato quem adentra mais nisso é o Donald. Mas vejamos o que Libet diz:
Concordo com Sutherland que nós não devemos aceitar o medo apavorante, da maioria dos filósofos e provavelmente da maioria dos cientistas cognitivos, segundo o qual toda teoria deva exorcizar qualquer 'fantasma-agente' implícito. As teorias que evitam qualquer 'fantasma' não têm explicado com êxito nem convincentemente a unidade de experiência consciente e a experiência de controle consciente dos atos voluntários. Postular um 'fantasma' subjetivo não precisa ser incompatível com as leis da natureza, como Schroedinger salientou. O campo mental consciente (CMF), que eu postulei para explicar a unidade da experiência (subjetiva) e para explicar (descrever) um papel ativo para a intenção consciente agir [ou seja, para descrever como a intenção consciente age], poderia ser visto como um tipo de 'fantasma'. [...] É um fenômeno não-físico, como a experiência subjetiva que representa. O processo pelo qual o CMF surge de seus elementos contribuintes não é descritível. Deve ser simplesmente considerado como um novo fenômeno fundamental "dado" na natureza, que é diferente de outros "dados" fundamentais, como a gravidade ou o eletromagnetismo.
Libet incorre ao menos em algo a meu ver totalmente dualista: o CMF seria algo não físico!
O problema é que ele declarar que seria não-físico não chega a fazer do que ele propõe algo não-físico. Isso requeriria dele uma explicação mais aprofundada do que poderia ser o "não-físico" e como algo assim poderia sequer existir. Não as propriedades ou processo vagamente definido que ele propõe, mas especificamente como o que ele descreve é não-físico e ao mesmo tempo interagem com o físico. Talvez ele até tenha elaborado mais nisso, mas ainda não vi tal elaboração sobre um dualismo razoável que não fosse no fim das contas meramente o "dualismo de propriedade" (e não de "substância"), que não é muito diferente de, como Libet mesmo coloca nesse trecho citado, cogitar mais (uma?) propriedade(s?) físicas, como gravidade ou eletromagnetismo.
Sobre diferenciar as memórias falsas e verdadeiras. Veja a atitude dos pesquisadores. Tucker, por exemplo, diz:
O trabalho é preliminar a esta altura. Envolveu mostrar às pessoas listas de palavras. Então é mostrada uma palavra a elas e perguntado se estava na lista anterior. Às vezes, as pessoas pensam que elas se lembram de ver a palavra na lista quando elas realmente não viram. Assim, têm uma memória falsa. Os pesquisadores fizeram estudos com imagens do cérebro em que eles medem a atividade cerebral quando as pessoas lembram falsas memórias comparadas com quando lembram memórias reais, e eles descobriram que partes diferentes do cérebro são ativadas durante as diferentes recordações. Se esta pesquisa progredir de modo suficiente em que tal teste possa determinar se indivíduos em particular têm memórias exatas de acontecimentos anteriores em suas vidas, então podemos ser capazes de usar isso para avaliar as memórias de vidas anteriores também. Isto levaria anos, se ocorrer, mas seria uma possibilidade intrigante.
Eu apenas repetiria o que eu disse. Há variação apenas de grau, não tem uma área que mede a "verdadidão" de uma experiência que a pessoa teve. E, tendo se observado ativação análoga em memórias que se atribua a "outras vidas", estas teriam que ser falsas, por definição, e então esses parâmetros inválidos para essa distinção absoluta.
Mesmo dentro da hipótese de que houvesse reencarnação, ou obtenção de memórias de outras pessoas por outro meio, não foi aquele cérebro que a vivenciou, logo, seria, para ele, falsa, implantada. Porque, conforme disse, nenhum padrão de ativação cerebral pode ser diretamente associado puramente à "verdade" da memória. São apenas correlações de "sub memórias" mais amplas do que ocorre com memórias fabricadas.
(Sem falar no problema de poder estar se detectando uma memória falsa de uma vida passada verdadeira...)
Note que os próprios pesquisadores possuem a saudável atitude de pensar em testes para a teoria da reencarnação. E vários testes potencialmente refutadores já foram feitos, seja pelos próprios pesquisadores, seja por céticos. Tucker menciona um desses testes feito por Wiseman:
"O Dr. Richard Wiseman, psicólogo na Universidade de Hertfordshire, na Grã Bretanha, [...] levou a cabo um experimento no qual pediu a algumas crianças pequenas que elaborassem histórias a respeito de vidas passadas e depois tentou encontrar a reportagem de uma morte que combinasse com os detalhes fornecidos pela criança. O argumento dele é que os nossos casos são deste tipo: as crianças simplesmente alinhavam histórias que de algum modo condizem com fatos da biografia de uma pessoa falecida. O Dr. Wiseman não publicou os resultados do seu trabalho, mas discutiu-os em dois documentários televisivos dos quais ambos participamos. No melhor caso que ele apresentou, uma menina chamada Molly contou a história de uma garotinha de três anos, Katie, que foi mordida por um monstro e morreu. O doutor vasculhou então os arquivos de jornais e deu com o relato de seqüestro e morte de uma menina de três anos, Rosie. A história de Molly apresentava alguns pontos que eram verdadeiras para Rosie, incluindo cabelos ruivos, olhos azuis, e um vestido rosa florido. Molly não forneceu uma localização específica, mas disse que Katie tinha vivido perto do mar, como de fato era o caso de Rosie."
"Esse episódio difere obviamente dos nossos em muitos pontos críticos. Além do fato de a história de Molly apresentar o elemento fantástico do monstro, a descrição dela não inclui o nome correto da menina nem uma localização específica, fatores que em nossos casos quase sempre se revelam cruciais. Enquanto o trabalho do Dr. Wiseman mostre que, com um arquivo suficientemente rico, podemos encontrar coisas muito interessantes, não se relaciona a casos de família que vão a locais precisos em busca de pessoas determinadas. De certo modo, o seu estudo demonstra que a coincidência não é capaz de explicar partes importantes dos casos, ainda que a intenção do doutor fosse bem outra."
Caso Wiseman tivesse sido bem sucedido, isso serviria para colocar a coincidência como explicação mais parcimoniosa para esses casos. Mas tal não sucedeu. E como dito, muitos outros testes além desse foram feitos, e outros surgirão.
Não sei se "coincidência não pode explicar", a mim isso soa um pouco como "sorte não pode explicar ganhar na loteria". Ainda assim, alguns casos podem ter tido colaboração de mais do que coincidência, sem ser no entanto os fenômenos sobrenaturais supostos, mesmo que em última instância fosse mesmo necessário cogitar fenômenos "a mais", paranormais.
Você diz que "uma memória que fosse inferida como "verdadeira" e compatível com uma de outra pessoa, não implicaria que aquela que a tem agora tenha sido essa outra pessoa em uma vida anterior (ou futura)." Mas se ela fosse inferida como "falsa", isso serviria como possivelmente refutadora da reencarnação? Esse é o ponto.
Não. Conforme disse, mesmo que houvesse isso de memórias de vidas passadas ou de outras pessoas, elas ainda seriam, neurologicamente, falsas, por não terem sido experiências pela qual aquele cérebro passou. Se ainda assim elas tem todos os indícios neurológicos de memórias verdadeiras, isso apenas indicaria que memórias falsas podem ter todos os indícios de memórias verdadeiras.
A explicação mais parcimoniosa, no entanto, será sempre de memórias falsas, mas isso independe de qualquer exame mais cuidadoso.
Seria um pouco como tirar um raio-X de um osso que a pessoa quebrou em outra vida e enxergar lá vestígios osteológicos compatíveis com regeneração de fratura. Mesmo que existisse reencarnação, não foi aquele osso que quebrou e se regenerou, sendo aquela uma "regeneração falsa".