A dependência das circunstâncias exteriores - ou melhor, das emoções que surgem com as circunstâncias exteriores - induz a uma forma de escravidão. Se você toma algo ou alguém como o fim em si mesmo, invés de meio para a sua felicidade, você está entregando sua vida a aquele algo quando aquele algo ou aquela pessoa se for.
Um tópico como esse me lembra o capítulo 6 de Positivamente Irracional de Dan Ariely, que é intitulado "Adaptação: Porque nos adaptamos às coisas (mas não a todas as coisas, e nem sempre)".
Erro de previsão afetiva. Supomos que seremos infelizes durante muito tempo, se as coisas não ocorrerem conforme nossas expectativas. Porém, em geral, essas previsões não correspondem a realidade. Paul Eastick, Eli Finkel, Tamar Krishnamurti e George Loewenstein compararam intuições românticas e realidades fáticas num estudo com 38 semanas com estudantes universitários. Eles foram entrevistados antes e após as rupturas de seus relacionamentos românticos. A conclusão do estudo foi que mágoa foi muito menos intensa e duradoura do que eles supuseram.
A felicidade parece depender mais dos traços da personalidade e da atitude das pessoas do que das suas circunstâncias exteriores. A ideia de que a felicidade de longo prazo é fundamentalmente determinada por circunstâncias exteriores é um dogma sem qualquer base na realidade. Um estudo pioneiro de Philip Brickman et al. observou que indivíduos paraplégicos e ganhadores de loterias voltavam para perto dos níveis normais de felicidade um ano depois dos eventos notáveis que alteraram as suas vidas. Outros estudos demonstraram os mesmos fenômenos para outras circunstâncias exteriores, vide o livro Os 50 maiores mitos populares da psicologia de Scott O. Lilienfeld et al.
Se a pessoa tende à depressão, as coisas se complicam mesmo num caso simples de coração partido. Os depressivos geralmente estão em estado que os psicólogos chamam de "desamparo aprendido", onde eles usualmente raciocinam de forma acreditar quase cegamente que seus sentimentos ruins são fatos. E isso pode criar um círculo vicioso de profecias autorrealizáveis que gera alterações neuroquímicas perniciosas no cérebro, piora no desempenho na vida, piora nas crenças, e assim por diante. Por outro lado, o otimismo aprendido cria o efeito contrário, que gera um círculo virtuoso (melhora neuroquímica no cérebro, melhora no desempenho na vida, melhora nas crenças, etc.), que inclusive tem poder para curar a depressão.
Interessante, mas se a pessoa tem uma tendência para depressão, como ela muda os traços para ser mais otimista?
Eu sou um pessimista nato, mas descobri que existem duas respostas satisfatórias para a sua pergunta. Uma da psicologia. E a outra vem da filosofia estoica/budista.
RESPOSTA DA PSICOLOGIA
O otimismo significa ter uma forte expectativa de que, em geral, as coisas irão bem apesar dos contratempos e das frustrações. As explicações que damos às causas de nossos sucessos ou fracassos e as expectativas que temos em consequência disso afetam o nosso desempenho como agentes transformadores da realidade. Um estilo explicativo otimista é a tendência a explicar os maus eventos por meio de atribuições modificáveis/temporárias (por exemplo: “Sai mal no teste por causa do pouco tempo de estudo”), específicas (por exemplo, “A nota que tirei não diz tudo porque esse foi um teste extraordinariamente difícil”) e externas (por exemplo, “O professor foi injusto na atribuição das notas”). Já o estilo explicativo pessimista manifesta-se como a tendência a explicar os maus eventos por meio de atribuições imutáveis/permanentes, universais e internas. Já a explicação dos bons eventos segue o padrão oposto. Há atribuições imutáveis/permanentes (por exemplo: “Tenho talento”), universais (por exemplo: “Sai bem no teste de matemática não apenas por ser bom nisso, mas por ser inteligente”) e internas pelo otimista e atribuições modificáveis/temporárias, específicas e externas pelo pessimista.
Os experimentos com otimismo e desamparo aprendido mostram que as pessoas podem melhorar seu desempenho em direção à sua meta modificando o estilo explicativo. Isso pode se dar à custa de se adquirir um realismo um tanto menor. Mas, quando as expectativas influem na realidade, ser perfeitamente realista geralmente afeta a realidade na direção contrária ao que o agente quer. Ademais, não se nega que o pensamento negativo é um complemento do pensamento positivo como atitude funcional. Segundo Seligman: “o equilíbrio de evidências sugere que, em algumas situações, o pensamento negativo leva a maior precisão. Quando a precisão está ligada a consequências potencialmente catastróficas (quando o piloto precisa decidir se remove ou não o gelo das asas do avião, por exemplo), devemos todos ser pessimistas”. Ou seja, deve-se perguntar qual é o preço a se pagar pelo otimismo em caso de fracasso. A relação risco-benefício poderá ser bastante alta ou baixa dependendo da resposta. Do lado positivo, “O que de melhor poderia acontecer?” geralmente é uma pergunta bastante apropriada no âmbito da realização, por exemplo.
Pode-se impedir os pensamentos automáticos ruins sobre as causas de fracassos fazendo perguntas como: (1) Quais são as evidências que apoiam essa ideia?; (2) Existem explicações alternativas? (a maioria dos acontecimentos tem várias causas; concentre-se nas que sejam mutáveis, específicas e não pessoais); (3) O que de pior poderia acontecer? Eu poderia superar isso? (o pior cenário nem sempre é catástrofe); (4) Qual é a utilidade da crença no pensamento? (às vezes, as consequências de se apegar a uma crença soam mais importantes do que a verdade). Essas perguntas são técnicas que são usadas pelos psicoterapeutas da Terapia Cognitiva para diminuir o índice de depressão dos seus pacientes, mas outros psicólogos têm evidências que apontam para a eficácia de seu uso para as pessoas saudáveis.
A base do texto acima é o livro
Felicidade Autêntica do psicólogo e psicoterapeuta americano Martin Seligman. Recentemente, ele modificou o conselho da Terapia Cognitiva para uma versão reforçada da mesma chamada Psicoterapia Positiva, que inclui a teoria do florescimento dele que é exposto no livro
Florescer. Segundo ele, não é a somente a falta de otimismo que pode causar e manter a depressão. A falta de recursos positivos de uma maneira geral, e não somente de otimismo, também causariam esse mal. O que seriam os recursos positivos? São eles: maximizar as emoções positivas, o engajamento em atividades de desafio que usem as suas forças de seu caráter e, por fim, o sentido – que é a apreciação das qualidades mais abstratas da vida (justiça, por exemplo).
RESPOSTA DA FILOSOFIA ESTOICA/BUDISTA
Essa é a leitura do filósofo Nassim Taleb, feita na sua obra
Antifrágil no capítulo 10
As vantagens e desvantagens de Sêneca (vale a pena ler esse capítulo!), sobre como o filósofo Sêneca resolveu o problema da antifragilidade emocional...
A dependência das circunstâncias induz a uma forma de escravidão. O método prático para combater essa fragilidade é fazer exercícios mentais para desconsiderar os bens materiais, e, assim quando sobrevierem as perdas, o golpe não ser sentido - uma maneira de recuperar a liberdade diante as circunstâncias. O estoicismo faz com que desejemos o desafio de uma calamidade: “Reserve um certo número de dias, durante os quais você deve se contentar com os suprimentos mais ínfimos e mais baratos, com a roupa mais simples e mais velha, perguntando-se a si mesmo: ‘Eram essas as condições que eu temia?” (Sêneca). O próprio Sêneca fez isso, pois, apesar de ter sido um homem rico, partia para viagens com quase os mesmos pertences que teria se fosse um náufrago.
Outro método seria investir em boas ações. As coisas podem ser retiradas de nós, mas não as boas ações nem os atos de virtude.
Os budistas tem visão semelhante a que pus aqui nesta seção, com a diferença que um estoico é um budista que diz "foda-se" para a sorte.
P.S.: Mais sobre Sêneca: