Olha, com todo respeito, eu também gosto e estudo muito Platão, mas não achas que já é demais cultuar um sistema filosófico que foi pensado por uma pessoa de carne e osso, como um de nós? E que seus discípulos próximos, entre eles Aristóteles e o rumo da Academia depois dele, já rejeitavam algumas de suas ideias?
Ué, Sparke, você achou que o neoplatonismo foi pensado por Platão? Só por causa do nome? O neoplatonismo é um sistema filosófico inteiramente novo. Se você está imaginando que se trata de algum "culto a ideias de Platão", dê uma breve pesquisada sobre "neoplatonismo" porque não tem nada a ver com isso. Aliás, como assim "cultuar um sistema filosófico"? Dizem que Diágoras foi o primeiro ateu da história do pensamento. Quer dizer que os ateus daqui estão "cultuando o sistema filosófico de uma pessoa de carne e osso"? Só por pensar como ele?
Ao que me consta, Platão e mesmo no mundo grego antigo mais ordinário não havia esse tipo de crença espiritual como tu pareces elevar. Pelo contrário, foi justamente ao buscar os fundamentos últimos nas coisas que a explicação mítico-religiosa começou a ser afastada. É sabido, por outro lado, que Platão foi profundamente influenciado pelo orfismo anterior (que funcionava como uma espécie de religião paralela aos cultos oficiais), sendo que da parte dele, ao que sei, não fazia disso um modo de vida, no máximo utilizando crenças arraigadas no mundo grego, como os estudiosos reconhecem, para facilitar a exposição de suas ideias (Mito de Cronos, no Político, Anel de Giges, na República, etc.).
Claro. Tanto que Sócrates foi morto sendo considerado ateu. Primeiramente, isso não é "crença espiritual". O neoplatonismo não é mítico-religioso, é panteísta e místico. Misticismo = experiência direta do transcendente. Panteísmo = sacralização do universo. Neoplatonismo não tem nada a ver com os cultos órficos. Segundo, você disse que no mundo grego platônico não havia esse tipo de crença que eu procuro "elevar"(?). E daí? Quem disse que precisa haver? Citou Platão novamente. Estou começando a pensar na possibilidade de que você não conhece o neoplatonismo, e tentou tomar o nome do termo ou imaginar do que se trata com base em suas próprias suposições.
Por isso tudo, soa-me demasiado fundar nele uma espécie de crença ("neoplatonismo") quando ele sequer parece ter pensado algo do tipo e ele mesmo dificilmente endossaria. Eu até admito que uma pessoa possa ser ocultista, mas utilizar o nome de um filósofo como tu pareces dar a entender, na minha humilde avaliação, parece equivocado e pretensioso, para não dizer uma grande falta de verdade com a pessoa do filósofo.
Pera aí, você está achando que EU FUNDEI o neoplatonismo? WTF? Já existe toda uma discussão acadêmico-histórico-filosófica prolongada sobre se o termo "neoplatônico" deveria ou não ser usado para o corpo de doutrinas que são chamadas hoje de "neoplatonismo", justamente porque, como você disse, ele nem pensou algo do tipo e dificilmente endossaria. Você está confundindo NEOPLATONISMO com PLATONISMO MODERNO. NEOPLATÔNICOS não são pessoas que adotam o pensamento de Platão. NEOPLATONISMO é um sistema filosófico PRÓPRIO, que pelo visto você não conhece (confundiu com algum tipo de "revival platônico") e que poderia pesquisar para saber do que se trata.
Com relação a falar que os "céticos estão sempre procurando crenças literais em realidades pseudoespirituais objetivas", acho que fazes uma leitura um tanto quanto preconceituosa. Para falar a verdade, eu nem entendi o que tu quer dizer com isso. Da minha parte, pelo menos, e como muitos aqui que já foram antes religiosos de alguma maneira (mais branda ou mais espiritual), ocorre que simplesmente não deixamos mais nossas paixões dominarem nossa razão (e aqui lembro, curiosamente, de Platão). Somente um tolo não acreditaria em "Alma do Mundo" se existisse alguma espécie de comprovação racional disso. Mas não parece ter. Se você algum dia teve a oportunidade de ver algum planeta por um telescópio, e aqui nem vou entrar no mérito de leituras filosóficas que contestam a ideia religiosa, acho muito difícil acreditar que não somos apenas mais um planeta nessa imensidão de universo, tudo indicando que não temos qualquer importância objetiva no plano cósmico.
Ironicamente, o que você escreveu aqui prova absolutamente a minha tese do quanto céticos só olham para crenças literais e ficam procurando realidades pseudoespirituais objetivas. O cético vive nessa dicotomia - descrença de um lado VERSUS superstições e pseudorealidades espirituais do outro. Ele não consegue transcendê-la. Quando eu falo em "alma do mundo", você já imagina que deve se tratar de algum pseudo-corpo-espiritual-planetário, flutuando por aí, alguma "realidade espiritual abstrata", algo que deveria ser provado para ser acreditado, etc, sendo que tudo isso é apenas a interpretação que você mesmo está fazendo do termo. A sua interpretação projeta uma crença supersticiosa, e aí você nega a crença supersticiosa que foi fruto de suas próprias projeções.
Quanto a dizer que para aproximar-se do estoicismo "é necessário um estado de consciência mais elevado", novamente, com todo respeito, estás indo além do que deveria. Eu me considero estoico, mas não concordo com muita coisa que realmente não faz sentido. Não é porque Sêneca, Platão, Jesus ou quem quer que seja falou alguma coisa que devo simplesmente acreditar neles. Um indício de maturidade, penso eu, é justamente desmistificar essa espécie de adoração por algumas pessoas, como se não fossem exatamente como nós (com seus preconceitos e crenças enraizadas, crianças que cresceram e depois viraram adultas, e que tiveram um público suficientemente simples, como diria Rousseau, para terem acreditado sem mais nem menos no que disseram).
Você disse "Não é porque Platão ou quem quer que seja falou alguma coisa que devo simplesmente acreditar neles". Correto! Aliás, tanto não é, que o neoplatonismo não foi o que Platão ensinou.
Acredita quem quer, é lógico, mas não é justo querer sair pela tangente para dizer que tem que se elevar espiritualmente ou qualquer coisa semelhante. Se você acredita nisso que acredita, e parece-me que estás demasiado influenciado por ter sido ou ser rosacruz, acho que é muito mais honesto admitir que você acredita "apesar de tudo o que se diz em contrário". É óbvio que vais encontrar autores que suportem sua ideias, mas o diferencial é você mesmo perscrutar a exatidão do que dizem. O ser humano, e a psicologia bem prova isso, é muito sugestionável e capaz de pensar e acreditar no que for. Acho que aí está uma boa prova do motivo pelo qual não devemos nos persuadir com tanta facilidade assim.
Se elevar espiritualmente para acreditar? Claro que não, não foi isso que disse. Aliás, em nenhum momento utilizei o termo "espiritualmente". Tanto as pessoas que acreditam, quanto as que desacreditam, se encontram na mesma dicotomia, na mesma dialética. Eu disse que é necessário elevar sua consciência para transcender este raso paradigma da crença-descrença. Quando se fala de ALMA DO MUNDO (anima mundi), não tem a ver com acreditar ou desacreditar. Da mesma forma, no ZEN, quando se fala em SATORI, não tem a ver com acreditar ou desacreditar. Da mesma forma, no estoicismo, quando se fala no O TODO, não tem a ver com acreditar ou desacreditar. Essas coisas tem a ver com experiência direta, com contemplação, com iluminação. Quando se fala em O TAO, não tem a ver com acreditar ou desacreditar. O problema é que a grande maioria das pessoas vivem nesse limitado e superficial paradigma da crença e da descrença. Quando eu falo em ANIMA MUNDI, TAO, CONSCIÊNCIA CÓSMICA, etc, um ateu acha que estou falando de divindades, de crenças, de espíritos, de superstições. Fazendo isso, ele está me tomando por alguém que seja um "crente". E ele faz isso porque ele próprio vive dentro deste paradigma da crença-descrença. Ele acha que só existem estes dois caminhos - ou alguém é um crente, ou alguém é um descrente. Um grande exemplo que tenho em minha vida de alguém que abandonou completamente essa superficialidade foi o monge budista da escola sotozen que me iniciou no Mahayana e que era ateu. Reencarnação? Para ele reencarnávamos todo dia, por simplesmente não sermos mais quem fomos ontem. Karma? Para ele eram todos os condicionamentos e causas e efeitos que nossas atitudes e decisões provocaram ao longo de nossa existência. Divindades? Para ele eram todas personificações de estados de consciência. Inclusive o Buda. Ele não era um "crente" nestas coisas. Ele também não era um "descrente", justamente porque ele não fazia a interpretação passional, superficial, pequena, tosca e literal. A contemplação, a iluminação e a experiência direta estão acima desta pequenez de crenças e descrenças na qual muitas consciências ainda se limitam. Enquanto os acorrentados ficam na caverna olhando para a parede e debatendo se as sombras são ou não reais, ele virou as costas e olhou para a luz.
Para finalizar com Platão, quando se olha da perspectiva de dentro, é difícil entender o lado de fora... Quem será que está nas sombras da caverna?
Pois é, Sparke. A luz produz sombras. As sombras são projetadas na parede. As pessoas sentadas, acorrentadas, olhando apenas para a parede, tomavam as sombras por entes e por formas literais. Quem será que está nas sombras da caverna?