Ninguém está dizendo que a vida é uma anomalia, mas acaso existe. Se não existisse a Teoria das Probabilidades não se confirmaria experimentalmente.
Pode explicar melhor isso, por favor?
Foi uma referência a algo que você escreveu. Você disse:
Soa também igualmente absurdo supor que a vida seja uma anomalia, que exista "acaso".
Mas ninguém aqui tinha dito que a vida era uma anomalia, que o surgimento da vida e sua diversificação não pudesse ser explicado da mesma forma que explicamos a formação de cristais de gelo, por exemplo. É claro que, até o presente momento, o problema da formação dos cristais é muito mais bem compreendido que o problema do aparecimento de vida neste planeta. Pelo que eu li, o famoso experimento de Stanley Miller está atualmente desacreditado, mas isso ainda não prova que houve mágica no processo. Afinal, não está escrito em lugar nenhum que Ciência tem que ser fácil.
Porém, se não fomos nós que dissemos que a vida foi uma anomalia, entende-se ( do que foi citado acima ) que é você que considera uma anomalia a vida surgir por acaso de alguma sucessão específica de reações químicas.
Mas antes de continuar é fundamental que eu discuta com você um significado mais preciso para "acaso", porque esse é um termo que usamos com frequência mas raramente refletimos sobre seu exato significado. Por ser suposto que todos sabem muito bem o que quer dizer acaso.
Contudo, em que pese todos terem uma noção intuitiva um tanto quanto vaga do que venha a ser acaso, isso não é suficiente para esclarecer o que eu quis dizer, atendendo à sua solicitação.
Suponha que vamos realizar um certo experimento, e para este experimento forçamos um determinado conjunto de condições iniciais. Se toda vez que repetirmos este experimento com as mesmas condições iniciais, obtivermos o mesmo resultado, então dizemos que este experimento ( ou este resultado ) é determinístico.
Mas se, para as mesmas condições iniciais, é possível ocorrer qualquer um de N resultados distintos, com N > 1, diz-se que este é um experimento aleatório. Ou seja, o acaso determina o resultado.
Mas dizer que "o acaso determina o resultado" costuma gerar certa confusão, pois leva a pessoa a achar que acaso é causa, quando na verdade acaso significa INDETERMINAÇÃO da causa. Todo evento tem uma causa, mas quando não podemos determinar as condições iniciais que implicam naquele evento, só temos a certeza que o evento tem uma chance de ocorrer, e que esta chance será proporcional à razão entre a quantidade de resultados que determinam a ocorrência do evento e o total de resultados possíveis.
Exemplo simples: o experimento será lançar um dado.
Não posso determinar de que maneira ( quais condições iniciais ) lançar o dado para que dê um número par.
Portanto digo que o evento "dar número par" poderá ocorrer por acaso, já que é um evento possível mas não saberia especificar as condições iniciais que o ocasionariam.
E a chance de ocorrer este evento é a razão entre os resultados que fariam o evento ocorrer ( 3 resultados: 2,4 e 6 ) e os 6 resultados possíveis para este experimento. A chance é 3/6 = 1/2.
Também seria possível dar uma definição precisa para "chance", sendo chance sinônimo de probabilidade. Mas essa definição não será necessária para o que estamos querendo discutir aqui.
O necessário é apenas que você tenha uma compreensão mais precisa do significado de "acaso", que está relacionado com a impossibilidade de determinar as condições iniciais que resultariam em um evento específico.
Agora consideremos o nosso universo: não podemos determinar que condições iniciais resultariam na formação de vida, mas deve existir um certo número de configurações ( certamente um número infinito ) que poderiam ocorrer nesse e em outros planetas que resultariam no desenvolvimento da vida. E existe o número infinito de todas as configurações possíveis neste universo.
A *proporção entre as cardinalidades destes dois conjuntos infinitos daria a chance da vida surgir ao acaso no universo. Portanto a vida ter surgido ao acaso não seria uma anomalia, como você supõe. Significa apenas que era uma possibilidade, e ser uma possibilidade não permite inferir que o fenômeno vida está "emaranhado na estrutura do universo", o que parece significar pra você que é deterministicamente decorrente deste "emaranhado".
Ora, o resultado "número par" também é uma possibilidade quando se lança um dado, e se formos nos valer do tipo de linguagem frouxa que você utiliza para construir seus argumentos, poderíamos dizer que o resultado par está "emaranhado" na própria estrutura do dado, que tem 6 faces sendo metade delas par. Mas nem por isso há garantia que, ao se lançar um dado, o resultado será par. Da mesma forma não há provas de garantia que um universo como o nosso, regido pelas mesmas leis,
irá necessariamente ter vida.
O uso desse tipo de "linguagem frouxa" em si já é um grande problema para se discernir raciocínios válidos de inválidos. Mas esse tipo de retórica, propositalmente, é recorrente no discurso místico e teológico. Muito útil para gerar simulacros de argumentos que parecem Lógica, mas na verdade não tem valor argumentativo sentenças como esta que se segue
o desenvolvimento da vida já se encontra emaranhado na estrutura do universo
se você não sabe definir exatamente o que seria algo estar "emaranhado" na estrutura do universo, sendo que você sequer conhece a natureza da estrutura do universo.
Sobre a consciência cósmica - se você concorda comigo que Tudo é Uno, então não há fundamento real para a ideia de "Individualidade" (senão a construção cultural e social). Se não existe "Alma", "Espírito", ou outra categoria metafísica que atribua aos seres de uma essência, então a única forma possível de consciência é a consciência cósmica, só limitada pelos próprios sistemas (organismos) que lhe servem de veículo de manifestação.
E lá vem você de novo com esse formato de discurso, que é um vício adquirido pelo hábito intoxicante de consumir literatura rosacruz e proselitismo espírita.
Quando, acima, lhe apresentei uma descrição menos vaga para o conceito de acaso, a intenção também era chamar atenção para a diferença entre retórica e raciocínio rigoroso. Embora Lógica seja uma ciência que exige rigor ainda maior e absoluto.
É tão fácil se iludir com esse formato retórico que você nem percebe que se contradiz. Começa assumindo que a realidade é una para depois exigir que existam delimitações internas nessa mesma unicidade ( os organismos, sistemas manifestantes da consciência cósmica ), o que destrói a sua própria noção de realidade una, reconfigurando-a como um todo formado por partes individualizadas por estes limites a que você se refere.
Olha, o que eu realmente disse é bem mais simples que essa confusão que você está tentando criar.
Nós concordamos que categorizar, classificar, dividir em partes, associar estas partes em subsistemas que por sua vez podem ser vistos como partes de outros sistemas, são abstrações, faculdades da mente que a possibilitam organizar e lidar com uma realidade caótica e una. Não existe limite entre a árvore e a não árvore, a não ser aquele que a minha mente cria. Quando a folha cai ainda é árvore ou não árvore? O CO2 sendo absorvido, é árvore ou não árvore? A luz excitando a fotossíntese, é árvore ou não árvore?
Mas isto não é o mesmo que rejeitar que exista algo "lá fora", com existência em si mesmo, concreto no sentido que não depende de mim para existir, um fenômeno qualquer na realidade objetiva, que induz minha mente a criar uma representação "árvore" para esse fenômeno. Para essa, digamos, "porção" da realidade.
E reconhecer que a árvore está fazendo fotossíntese não implica concluir que fotossíntese era um fenômeno que já existisse antes de terem existido plantas. Evidentemente o acaso pode ter produzido plantas verdes neste planeta, e enquanto formas de vida mais simples evoluíam para se tornar plantas, evoluía também um sistema para extrair energia das emissões solares: a fotossíntese.
Ou você também acha que a fotossíntese só é possível porque existe uma fotossíntese cósmica emaranhada na estrutura do universo?
Basta trocar "consciência" por "fotossíntese" nesse monte de palavriado que você escreve, para ver como estes pseudo-argumentos soam bobos.
Sobre a fotossíntese cósmica - se você concorda comigo que Tudo é Uno, então não há fundamento real para a ideia de "Individualidade vegetal" (senão a construção cultural e social). Se não existe "Alma", "Espírito", ou outra categoria metafísica que atribua às folhas verdes de uma essência, então a única forma possível de fotossíntese é a fotossíntese cósmica, só limitada pelos próprios sistemas (plantas verdes) que lhe servem de veículo de manifestação..
* É possível proporção entre infinitos. 1 segundo é um conjunto de infinitos instantes de tempo e 1 minuto também. Mas a proporção de tempo entre segundo e minuto é 1/60.
Se você sabe que a emissão de um fóton irá ocorrer em algum instante durante o próximo minuto, qual a chance que ocorra durante o 30º segundo? É 1/60, a razão entre os intervalos de tempo de 1 segundo e 1 minuto.