Marx contra o protecionismo
Comecemos pela questão do protecionismo.
Marx entendia perfeitamente — ao contrário da esquerda atual — que tarifas protecionistas impostas pelo governo aos produtos estrangeiros serviam apenas para proteger os lucros do grande baronato industrial, blindando-os da concorrência e garantindo-lhes um mercado cativo. Marx reconhecia que o protecionismo nada mais era que uma reserva de mercado em prol dos grandes empresários e contra o povo; o protecionismo era a garantia de um monopólio.
Em um discurso proferido em 1848, Marx disse:
Onerar os cereais estrangeiros com tarifas protecionistas é algo abominável; é especular em cima da fome do povo.
E prosseguiu:
Se eles [os protecionistas] falassem abertamente para as classes trabalhadoras, então eles poderiam resumir sua generosidade nas seguintes palavras: é melhor ser explorado pelos seus conterrâneos do que por estrangeiros.
Percebendo que o protecionismo servia apenas para manter o status quo inalterado, Marx constatou:
O sistema de tarifas protecionistas coloca nas mãos do capital de um país as armas que o permitem desprezar o capital dos outros países; tarifas protecionistas aumentam a força deste capital contra o capital estrangeiro. [...] A questão para as classes trabalhadoras não é preservar esse estado de coisas, mas sim transformá-lo no seu oposto.
Já um tanto sem paciência, Marx concluiu seu discurso dizendo:
Não há motivos para continuar nesse assunto. A partir do momento em que os protecionistas concedem que as reformas sociais não têm espaço no seu sistema e nem resultam dele — a partir deste momento, eles já abandonaram a questão social.
Já em A Ideologia Alemã (1845-46), Marx e Engels afirmam:
As indústrias sempre foram protegida por tarifas alfandegárias, por monopólios no mercado colonial e, no mercado externo, pelo maior número possível de direitos diferenciais. [...] A indústria de modo nenhum podia dispensar a proteção, pois que pode perder o seu mercado e arruinar-se com a mais pequena mudança que se opere noutros países. Sob condições relativamente favoráveis, a indústria pode ser facilmente criada em um país; mas, por essa mesma razão, pode ser facilmente destruída.
Seu companheiro Engels foi tão arguto quanto. Em um artigo de 1847, ele disse:
A burguesia, com efeito, é incapaz de se manter, de consolidar sua posição, de alcançar o poder irrestrito se ela não proteger e estimular sua indústria por meios artificiais. Sem tarifas protecionistas contra a indústria estrangeira, ela seria esmagada em uma década.
E concluiu que o protecionismo era uma maneira de os atuais industriais ultrapassarem as antigas classes dominantes. Ele disse:
A burguesia da Alemanha requer proteção contra países estrangeiros para sobrepujar o que restou da aristocracia feudal.
Marx, em suma, era contra o protecionismo e a favor do livre comércio porque via este como um instrumento do enfraquecimento da burguesa, a qual se fortalecia e enriquecia sob o protecionismo.
Já os liberais/libertários, obviamente, entendem que o livre comércio — isto é, a sua liberdade de transacionar voluntariamente com quem você quiser, sem ser impedido pelo governo — é um instrumento para se alcançar a prosperidade.
Marx e a livre concorrência
No quesito "efeitos benéficos da livre concorrência", Marx também concorda com os austríacos e discorda de todos os atuais marxistas e demais intervencionistas.
Veja o que ele escreveu logo nas páginas iniciais do Manifesto Comunista:
A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização.
Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro, com que compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i. e., a tornarem-se burguesas.
Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem.
Em suma: além de creditar à burguesia e aos seus instrumentos de produção — isto é, ao sistema de lucros e prejuízos — a façanha de retirar nações da barbárie e levá-las à civilização, Marx afirma categoricamente que o modo de produção burguês — que nada mais é do que a busca pelo lucro — gera mercadorias a preços baratos.
E não apenas isso: ele afirma que o sistema de lucros e prejuízos compele todas as nações a adotarem este modo de produção, sob pena de se arruinarem por completo caso não o façam.
Essa é uma conclusão interessante, pois vai contra tudo o que os atuais marxistas e demais intervencionistas afirmam. Segundo eles, serviços de saúde, educação, segurança, energia e telecomunicações não devem ser ofertados em um ambiente de livre concorrência, pois seriam caros e inacessíveis para os pobres. Ao afirmarem isso, eles comprovam que não leram Marx. Se leram, não entenderam.
Marx entendeu perfeitamente que a busca pelo lucro sob um arranjo de livre concorrência leva ao barateamento dos produtos e serviços, e que tal barateamento é "a artilharia pesada com que [o sistema de lucros] ... compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia [e se tornarem civilizadas], se não quiserem arruinar-se."
Ao contrário dos marxistas atuais que defendem a estatização de vários serviços sob o argumento de que isso reduziria seus preços, Marx entendeu que é a busca pelo lucro o que realmente derruba os preços, e não a estatização destes serviços.
Marx contra Keynes
Como se não bastasse, Marx também disparou um petardo contra keynesianos defensores de aumentos de gastos do governo, de déficits orçamentários e de políticas de endividamento estatal. Marx zombou o keynesianismo antes mesmo de este sistema ter sido criado — algo possível porque não havia absolutamente nada de original nas ideias de Keynes.
Eis o que escreveu Marx em O Capital, capítulo 24, seção 6, "A Gênese do Capitalista Industrial":
A única parte da chamada riqueza nacional que realmente está na posse coletiva dos povos modernos é a sua dívida pública. Daí ... a doutrina moderna de que um povo se torna tanto mais rico quanto mais profundamente se endividar. A dívida pública torna-se o credo do capital. E, com o surgir do endividamento do Estado, vai para o lugar dos pecados contra o Espírito Santo — para os quais não há qualquer perdão — o perjúrio contra a dívida do Estado.
Como com o toque da varinha mágica, [a dívida pública] reveste o dinheiro improdutivo de poder procriador e transforma-o assim em capital. ... [Mas] a moderna política fiscal... traz em si própria o germe da progressão automática. A sobretaxação não é um acidente, mas sim um princípio.
Ou seja, para Marx, políticas fiscais tipicamente keynesianas, além de serem um método de escravização — pois obrigam os pobres a pagarem impostos para arcar com seus juros —, fazem com que dinheiro improdutivo (dinheiro emprestado para o financiamento do governo) seja ilusoriamente visto como capital gerador de riqueza (para aqueles que detêm os títulos da dívida).
Mais ainda: segundo Marx, criticar o endividamento do estado passou a ser visto, pelos defensores da gastança estatal, como um ato equivalente a uma blasfêmia contra o Espírito Santo.
Qual era a de Marx
Marx, ao contrário do que se supõe, não se incomodava muito com o liberalismo e com o capitalismo (ele inclusive elogiava as obras de Adam Smith e David Ricardo) porque os via como elementos de uma fase intermediária da evolução social, cuja função principal era criar uma classe proletária para depois empobrecê-la.
Tal situação era benéfica ao seu argumento porque essa suposta pobreza gerada pelo capitalismo incitaria os trabalhadores à revolução final, ou seja, ao estágio no qual as classes sociais seriam abolidas.
Inexoravelmente como uma lei da natureza, acreditava Marx, o capitalismo seria destruído justamente pelos trabalhadores supostamente submetidos à exploração.
A afirmação de que o capitalismo tinha uma propensão a criar miséria entre a classe proletária foi desmentida pelos fatos nos 25 anos seguintes à publicação de O Capital. Em 1893, segundo mostra Jörg Guido Hülsmann em sua excelente biografia Mises – The Last Knight of Liberalism, o marxismo já havia perdido o respeito e seu poder de sedução em Viena, onde Mises morava e estudava.
Os líderes intelectuais socialistas, em vez de rejeitarem a teoria diante da desconfortável evidência empírica de que os proletários estavam enriquecendo e melhorando seu padrão de vida, propuseram uma revisão da teoria do socialismo de forma a salvá-la do marxismo, tentando corrigir suas falhas mediante governos eleitos democraticamente.
Vocês certamente sabem os resultados dessa estratégia, pois não?
Conclusão
Se você é um marxista defensor dos pobres e quer que eles tenham acesso a bens e serviços de qualidade a preços baixos, você tem de defender o livre mercado — afinal, Marx acreditava que a busca pelo lucro em um ambiente de livre mercado gera redução de preços.
Se você é um marxista e defende que o povo tenha poder sobre as empresas, você tem de defender a abolição de tarifas protecionistas — afinal, Marx entendia que o protecionismo, além de empobrecer o povo, servia apenas aos interesses do grande baronato industrial
E se você é marxista e é contra a escravização do povo pelas elites financeiras, você tem de defender a anti-keynesiana postura de que os gastos do governo sejam restringidos ao máximo — afinal, Marx reconhecia que os déficits orçamentários do governo aumentavam seu endividamento, e esse endividamento é financiado pelas elites, as quais recebem os juros pagos com os impostos extraídos do povo.
Agora, se você defende que o governo adote tarifas protecionistas, regule o mercado e gaste demasiadamente, você estará defendendo os interesses das grandes empresas e das elites financeiras, e estará defendendo que elas tenham privilégios sobre os pobres e que elas os oprimam com a abolição da concorrência, com preços altos, com serviços precários e com juros altos.
Palavras de Marx.
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2386