Fonte: CORREIO BRAZILIENSE 18/10/2005
Crise? Que crise?
Mais que crescimento do não no referendo, surpresa do Ibope foi mostrar Lula
mais vivo que nunca
Por Antônio Machado
cidadebiz@correioweb.com.br
A grande surpresa da última sondagem de opinião do Ibope não foi a ultrapassagem do não no referendo sobre a proibição do comércio de armas, à base de 49% contra 45% dos que dizem votar sim, mas a reversão da queda da popularidade do governo e do presidente Lula, que teve até uma pequena ascensão. O vasto conjunto de evidências e provas colhidas contra petistas graúdos envolvidos com caixa dois do PT e em traficâncias nas proximidades dos cofres públicos para aliciar apoio ao governo entre as bancadas de partidos disponíveis como mariposas em torno de uma lâmpada não foram suficientes para desabilitar Lula
de uma eventual reeleição.
A taxa de aprovação do governo passou de 45% para 46%, empatando com a desaprovação, que recuou de 49%. A confiança no presidente exibiu igual tendência: subiu de 44% para 46% a percentagem dos que confiam e diminuiu a dos que continuam com o pé atrás de 51% para 49%. Estes números significam que o pior para Lula já passou e que o controle tático das CPIs dos Correios e do Mensalão pelo governo não foi de todo ineficaz, como a certa altura, eufórica, cogitou a oposição. Na terceira CPI, dos Bingos, mas que averigua tudo o que cheira a enxofre, a oposição tem a força, mas tanto esta como as demais padecem
de falta de disciplina investigatória, são lentas nas apurações e se desconfia de que não irão longe.
Neste jogo de espelho que é a política brasileira, há a suspeita de que PSDB e PFL de algum jeito se acomodaram, ao pressentir que o aprofundamento das investigações sobre o caixa dois e o acesso dos partidos por meio de apaniguados aos dinheiros públicos poderia se revelar uma caixa de surpresas negativas para todos, não só o PT, em especial na seção mineira das principais egendas.
Pagam agora os mandarins do PSDB e do PFL o preço de imaginarem que Lula seria carta fora do baralho e o PT não teria futuro. São os vícios de dois partidos preparados para o jogo do plenário na Câmara e no Senado, mas pedestres na ação social. Vivem mais de quadros e grandes nomes que de uma interação organizada com o que vai pelas esquinas de cada bairro e cidade.
Anseios do eleitor Com a falange de dependentes do Bolsa Família certa de que deve o auxílio apenas a Lula e desinformada, sozinho ele nunca ficaria. À tal legião se somam os que do PT desembarcarem e não voltam, muita gente da própria esquerda, mas não se vêem representados pelos que já se ofertaram a ocupar a vaga de Lula. O cenário parece propício a caras novas, novas idéias e um projeto de desenvolvimento crível e ao mesmo tempo audacioso, algo que, se souber interpretar bem os
humores sociais, Lula é quem ainda leva vantagem sobre as opções que estão aí, e mais forte estará se a economia continuar bafejada pelos bons ventos do comércio internacional e o mercado interno se ver aliviado do garrote do Banco Central.
Ninguém tem projeto
Seu ponto fraco é o mesmo dos adversários mais viáveis, como José Serra e Geraldo Alckmin, do PSDB: um plano de desenvolvimento, que conserve a estabilidade da economia, empolgue o empresariado, para levá-lo a investir, e apaixone a classe média e a base da pirâmide de renda. Há um pouco disso aqui e ali, mas tudo muito centrado no viés tecnicista da economia, para não falar,por inviável, dos que propugnam a ruptura com tudo o que se vem fazendo desde
1999. Não parece que o eleitor esteja disposto a bancar aventuras, como Lula com muita oportunidade não se cansa de repetir que isso não fará.
Não à insegurança
A pesquisa sobre o referendo fala muito sobre o que vai à alma do eleitor. O crescimento do não à proibição do comércio de armas tem muito disso: em vez da emergência de uma corrente majoritária de neocowboys ou de uma espécie de voto de protesto contra o governo, talvez se devesse ler, nas entrelinhas, a revolta – sobretudo dos setores mais instruídos e informados, entre os quais predomina
o não -, à baixíssima prioridade da política de segurança pública, à leniência do judiciário nas condenações de criminosos, a tendência de facilitar o encurtamento das penas e o descalabro do aparelho policial em todo o país. O voto sim impera entre os mais pobres, mas aí, abandonados à própria sorte, o recado parece igual ao do setor mais instruído: qualquer coisa é melhor que coisa nenhuma.
Que era questão de tempo a parelha entre os contra e os a favor do comércio da armas, só quem entende de povo pelas lentes da TV não deveria acreditar. questão mal formulada e sem sintonia com as prioridades do país, era previsível que, ao se aproximar a data do referendo, os contrários ao desarmamento unilateral desacompanhado de medidas efetivas contra a criminalidade que
campeia pelo país se fariam presente, sem receio de ofender o politicamente correto.
É besteira procurar na campanha do marqueteiro do voto sim falhas de
comunicação. Não se trata de mau marketing o crescimento do não nem do medo de ficar à mercê da bandidagem. É caçoar do tirocínio da parcela da sociedade que diz votar não: ela sabe muito bem que a posse de arma não torna ninguém mais seguro. Provável é que boa parte do eleitorado tenha acordado para o perigo de deixar decisão indelegável dos direitos individuais ao Estado. É disso que trata, no fim, o referendo: diminuir ou não o livre arbítrio do cidadão.