Nina Eu confesso que fiquei meio perplexo com suas observações "não-adaptacionistas"
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. Para mim parece óbvio o papel da seleção natural. De qualquer forma, tais situações são interessantes pra fazer com que agente examine aquilo que carregamos sob o rótulo de "obviedades".... isso é essencial p/ a ciência e as vezes tem muito espaço pra dogma e besteiras na nossa bagagem...
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Vamos lá então.
Sua observação sobre fisica quantica me parece um ponto retórico bem "Gouldiano". Evidentemente, ninguém busca explicações adaptativas para diferenças em versatilidade com mecanica quantica, calculo diferencial ou (por que não) jogar golfe ou assoviar sinfonias completas. Como eu disse, a estratégia correta é fraccionar os efeitos de performance observados em substratos neurais/cognitivos mais básicos. Nada impede que as pessoas façam matemática superior ou componham sinfonais
usando capacidades cognitivas que não foram selecionadas para esse propósito. Essa foi a estratégia tomada por exemplo, por primatologistas e antropólogs contemporâneos. Deixou-se de lado as discussões estéreis de outros tempos, sobre se animais teriam ou não "cultura" e passou-se a buscar na psicologia comparada, evidência de
processos psicológicos básicos como imitação, aprendizado observacional, cooperação entre indivíduos não aparentados, que sabemos serem relevantes para a evolução da cultura e serem passíveis de comparação entre espécies (os trabalhos do grupo de St. Andrews, objeto desse tópico, entram nessa categoria). Além disso, traços selecionados possuem uma série de "propriedades de design", organização funcional complexa, que denunciam a ação da seleção natural.
Por exemplo, lidar com entidades numéricas discretas e com conjuntos recursivos (potencialmente infinitos dessas entidades, e.g., os numeros naturais) é um bom candidato para capacidade cognitiva selecionada. É uma capacidade observada em todas as populações humanas, em qualquer lugar, sendo esse efeito de uniformização uma consequencia comum de seleção direcional intensa. Em uma área que eu tenho mais intimidade: Linguagem é outro característica dessa natureza.
Relacionado a isso cabe observar que, quando vc menciona a ausencia de "eventos evolutivos" que poderiam ter levado a seleção de capacidades intelectuais na nossa linhagem, me parece haver uma confusão entre os sentidos histórico e não-histórico do que é uma adaptação: o reconhecimento de caracteres ou traços fenotípicos adaptativos independe de considerações históricas. No inglês, existe mesmo uma distinção entre "adaptive trait", um caractere demonstrando os sinais de um traço selecionado (e.g., o olho humano) e "adaptation", um termo mais amplo usado quando temos hipóteses mais firmes sobre a origem evolucionária de um caráter através da seleção natural. A confusão destes dois sentidos parece ter levado a confusões maiores, por exemplo, nas discussões do Gould (cf. Gould & Vrba (1982) Exaptation: A Missing Term in the Science of Form.
Paleobiology 8). Os conceitos operacionais modernos de adaptação excluem a necessidade de considerações históricas (repare bem, excluem a
necessidade, não a
importância de considerações históricas; cf. Reeve & Sherman (1993) Adaptation and the Goals of Evolutionary Research.
Quarterly Rev. of Biol. 61.).
Mesmo que fiquemos nas evidências históricas, as evidências me parecem fortes, para ter um exemplo: caso contrário, como explicar as correlações, estabelecidas com base em evidências paleontológicas, arqueológicas e comparativas entre: (1) desenvolvimento significativo do tamanho do cérebro em nossa linhagem, e que acompanhou (2) o desenvolvimento de tecnologia lítica de produção de ferramentas e armas (3) usadas na caça de mamíferos maiores (4) que serviu de catalisador para o desenvolvimento cerebral (tecido neural é metabolicamente muito caro) (5) em especial de áreas frontais e parietais envolvidas em comportamento motor fino orientado por feedback sensorial.
Quanto as alternativas: a existência de
spandrels ou "correlatos não-adaptativos" é sempre considerada. Entretanto, sempre que houver evidência de organização funcional complexa, seleção natural é a causa.
Quanto a seleção neutra, me parece muito improvável: (1) a idéia de seleção neutra sempre aplicou-se ao nivel molecular de análise de variação, sua extrapolação para niveis hierarquicos mais altos me parece bastante discutível (o proprio M. Kimura, o pioneiro da "teoria neutra" era um darwinista ortodoxo e recomendou cuidado em essas extrapolações). (2) evolução de carateres neutros leva à oscilações de frequencias (e possivel fixação) de alelos ou variantes neutros. Como já dizia Niko Tinbergen, um dos fundadores da Etologia, a chance de existirem de caracteres comportamentais "neutros" (i.e., sem efeitos deletérios ou adaptativos) é muito discutível. Como Tinbergen viveu em uma época pré- (neuro)ciencia cognitiva e produziu antes do desenvolvimento do Neo-Darwinismo como o conhecemos (antes de
Adaptation and Natural Selection de George Williams e antes de William Hamilton e Robert Trivers) podemos adicionar que tal situação é improvável
quando um substrato cognitivo/neural complexo e funcionalmente especializado está envolvido. Esse é o tipo de fenótipo que "drift" ou evolução neutral definitivamente não pode criar (na verdade, evolução neutra não "cria" nada).
Quanto a observação sobre "hierarquia de inteligência", eu concedo que vc muito provavelmente está correta. Eu fiz apenas uma sugestão, bem recalcitrante, sobre a qual se pensar. O ponto que você fez sobre a dependência sobre pressões seletivas particulares é a tese neo-darwinista clássica. Mas eu creio que talvez haja algo mais aí por trás dessas idéias de complexidade ou sei lá o quê.