Além de congelarem o corpo, muitos investem
para ser milionários numa segunda vida

Ruth Costas
Riqueza não se leva para o túmulo? Bem, há um grupo de americanos e europeus com planos de voltar da morte e usufruir o dinheiro que vão deixar de herança para si próprios. Explica-se: eles têm contrato com empresas especializadas para que seus corpos sejam congelados em nitrogênio líquido o mais rápido possível depois da morte. O objetivo é conservá-los até que a ciência encontre a cura da doença que causou a morte e, obviamente, descubra como reviver os mortos. Há pelo menos 1.000 pessoas à espera do momento de ser congeladas. Uma dúzia delas, todas milionárias, tomou o cuidado adicional de criar fundos de investimentos cujos beneficiários serão elas próprias, numa segunda vida. "A questão é que, além de voltar a viver, elas querem ter dinheiro para gastar", diz Robert Ettinger, diretor do Cryonics Institute, empresa que vende pacotes de congelamento post mortem.
A criogenia, técnica de conservação de corpos oferecida por esses laboratórios, existe desde os anos 60, mas as preocupações monetárias com a segunda vida só surgiram nos últimos anos. Esse tipo de arranjo financeiro abre um novo campo no direito sucessório americano (no mês passado, ocorreu o primeiro simpósio sobre o assunto, na Flórida), que agora precisa considerar questões que parecem temas de ficção científica: como garantir que os administradores não roubarão o dinheiro do morto antes de sua volta, que pode demorar 1 000 anos? Se o morto for reanimado, terá de devolver o seguro de vida? "Tão cedo não teremos respostas definitivas porque esses problemas devem levar muito tempo para se concretizar", diz o advogado americano Christopher Sega, que já redigiu três desses contratos.
O dinheiro desses fundos é aplicado em ações, títulos do governo e outros investimentos – o grande trunfo é o tempo em que ficará rendendo. Aos 64 anos, o americano David Pizer vai entregar 10 milhões de dólares para um grupo financeiro que investirá em terras e ações. Dono de um resort no Arizona, Pizer espera ser descongelado em 100 anos. Supondo que seu lucro seja de 3% ao ano – um terço do que rende a poupança no Brasil –, em um século ele terá quase 200 milhões de dólares. "Serei o homem mais rico do mundo", brinca Pizer. Se tudo der certo, ele acordará muito mais abastado. Se não, bem, não sentirá falta do dinheiro. Embora o processo de reanimação da vida depois da suspensão sob temperaturas muito baixas seja um sucesso com sêmen e embriões, ninguém sabe se isso pode ser feito em organismos completos. Nos laboratórios de criogenia, os corpos ficam congelados à temperatura de 196 graus negativos, e a maioria dos médicos duvida que um dia será possível aquecê-los sem causar danos irreversíveis ao cérebro. Há também o risco de as empresas de criogenia falirem, como aconteceu com uma delas no fim da década de 70. O resultado foi que os corpos de nove pessoas tiveram de ser sepultados – e, com eles, os sonhos de eternidade.

http://veja.abril.com.br/010206/p_064.html